sábado, 8 de julho de 2023

Capital Intelectual e Educação na atualidade brasileira, para onde estamos caminhando?


 Autora: Maria Thereza Pompa Antunes(*)

Qual a relação que identifico entre Capital Intelectual e Capital Humano e como trazer esses dois conceitos para o campo da educação, na realidade brasileira atual?

Passadas mais de duas décadas da publicação dos resultados de minha primeira pesquisa sobre Capital Intelectual, aproveito este espaço para compartilhar com os leitores algumas de minhas reflexões sobre a continuidade desse tema e de sua aplicabilidade na atualidade, notadamente no campo da Educação.

O conceito de Capital Intelectual surgiu nos anos 1990, no contexto de uma sociedade denominada por Sociedade do Conhecimento (DRUCKER, 1970 e 1993). À época, o Capital Intelectual se apresentou como uma combinação de ativos intangíveis que traziam benefícios econômicos para as empresas, com diversas classificações, dentre elas as de: Ativos de Mercado; Ativos Humanos; Ativos de Propriedade Intelectual e Ativos de infraestrutura (ANTUNES, 2.000).

Ocorre que, na Ciência Contábil, a atribuição de um valor a mais às coisas, no sentido de que a presença de alguns elementos podem trazer benefícios econômicos, sempre ocorreu, a exemplo do Goodwill, cuja primeira menção foi no século XVI e tendo sido vinculado à terra (Monobe, 1986), um dos fatores de produção (terra – capital – trabalho) de acordo com o economista francês Jean-Baptiste Say (1767-1832).

Já no Século XX, a inclusão do conhecimento como mais um fator de produção (DRUCKER, 1970) se relaciona com o Capital Intelectual, alçando o elemento humano à protagonista de todo o processo de criação e de geração de conhecimento, materializado nos ativos de mercado, de infraestrutura e de propriedade intelectual, ou seja: o conhecimento gerando conhecimento, portanto a matéria-prima que, por sua vez, também é o produto final, seja ele tangível ou intangível.

Contudo, ao longo desses vinte anos fui percebendo que conceitos tais como Goodwill, Ativos Intangíveis e Capital Intelectual são identificados como criadores de expectativas positivas quanto aos benefícios a serem gerados por eles para as organizações/sociedades que os possuíssem. Que eles se misturam compondo um fenômeno bem maior e condicionante para o desenvolvimento da sociedade, nos tendo conduzido à era da Transformação Digital e, consequentemente, nos impondo o desenvolvimento de novas habilidades para a gestão de negócios, bem como o domínio do uso da tecnologia individualmente, de forma a propiciar alguma forma de adaptação, ou , caso contrário, de exclusão.

Outra percepção que gostaria de ressaltar é que, também ao longo desses anos, Capital Intelectual passou a ser empregado como sinônimo de Capital Humano, cuja explicação encontro no fato de o elemento humano ser o detentor do Conhecimento Tácito (NONAKA e TAKEUCHI, 1997) que é necessário para a geração de valor, do algo a mais e, portanto, da diferenciação, da inovação.

Enfim, gosto sempre de enfatizar que quem nasceu a partir dos anos 1990 já chegou inserido nessa nova ordem econômica e tecnológica. Porém, para àqueles que não, foi uma mudança substancial e, para tanto, tivemos que nos reinventar, em todas as áreas e assim entendo que devamos continuar.

Ocorre que o título da Matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo, em 25/06/2023, de autoria de Renata Cafardo: "Custo do ensino e decepção com curso fazem a maioria deixar universidade", deixou-me um tanto quanto surpresa e foi, ainda, a motivação para esse texto. Explico o porquê.

Bom, objetivamente, o artigo aborda a evasão ocorrida nos últimos anos de alunos de cursos de graduação nas modalidades presencial e a distância, de instituições públicas e privadas, sugerindo também algumas possíveis explicações.

De seu conteúdo trago três pontos para reflexão.

Primeiramente, considerando que vivemos em uma sociedade denominada por Sociedade do Conhecimento, como entender que um dos motivos apontados para a evasão seja a "pouca aderência que o curso superior tem em relação à expectativa dos jovens", pois eles consideram os cursos bastante teóricos e procuram pela prática.

O segundo ponto trata de uma questão econômica e bastante delicada: "A pessoa ingressa e não consegue continuar pagando. Ou entra no curso mais barato porque é o que pode pagar, mas não estava vocacionada para aquela área. Muitas vezes quer fazer Arquitetura, mas faz Pedagogia a distância porque é o que cabe no bolso. A chance de se frustrar é enorme".

Por fim, mas não menos relevante, são as áreas de tecnologia (Ciência da Computação, Design de Games e Sistemas de Informação) que apresentam o maior índice de evasão pois: "6 em 10 alunos não concluem o curso, muito embora sejam as áreas que mais empregam".

Entendo, em linhas gerais, que subjacentemente temos aí uma questão de desalinhamento de expectativas entre o que os estudantes esperaram de uma formação em nível superior (graduação) e o que as instituições de ensino oferecem.

Um curso técnico?

Um curso que não visa formar profissionais com conhecimentos específicos e habilidades que os habilitem ao desenvolvimento prático no mercado profissional?

Ou antes de tudo: o que os estudantes entendem como prática?

Considerando que no dia a dia da atividade profissional não se identificam situações repetitivas, como esgotar as possibilidades em sala de aula?

No meu entendimento, faria mais sentido propiciar aos alunos os conceitos e o desenvolvimento de habilidades que os diferenciarão, em linha com a teoria de como as empresas japonesas geram conhecimento, de Nonaka e Takeuchi.

Aliado a isso, temos uma questão de configuração dos cursos de graduação na atualidade brasileira. Nesse sentido, uma leitura atenta do artigo de Claudio de Moura Castro, intitulado por “Invenções e cópias no ensino superior”, também publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 02/07 2023, pode nos dar uma possível explicação.

Porém, quanto ao maior índice de evasão se dar na área de Tecnologia, é preocupante, pois vivemos na era da Transformação Digital!

Confesso que sinto uma pequena frustação quanto ao encaminhamento do protagonismo do Capital Humano gerador do Capital Intelectual em uma sociedade denominada por Sociedade do Conhecimento, na qual é cada vez mais forte a pressão por desenvolvimento tecnológico. Será que o fato de esses estudantes não terem passado pelo período de transição tecnológica, eles enxergam menos valor?

Qual é a medida de equilíbrio entre a profundidade teórica dos currículos pedagógicos e a parte prática? Pois, qual profissional a instituição de ensino quer formar? Lembrando apenas que Educar transcende à mera transmissão da prática.

Enfim, para onde estamos caminhando? Ainda não sei, mas sinto que as peças estão se desalinhando.

Por ora, entendo que na mesma medida em que não podemos subestimar a complexidade da configuração do sistema de ensino superior no Brasil nos dias atuais, também não podemos deixar de investir esforços para o seu contínuo aperfeiçoamento, sendo que isso requer reflexão de profissionais de várias áreas, além de forte vontade política para se implementar as alterações que se identificarem necessárias.

Concluindo, preciso deixar claro que os conceitos e análises aqui apresentados refletem a visão de uma profissional acadêmica estudiosa do tema, com experiência de mais de 26 anos em educação, não representando, portanto, o consenso entre os acadêmicos e profissionais da área.

Referências:

ANTUNES, M.T.P. Capital Intelectual. São Paulo: Atlas, 2000;

CAFARDO, R. Custo do ensino e decepção com curso fazem a maioria deixar universidade in: O Estado de São Paulo. São Paulo: Estado de São Paulo, 25 Junho de 2023;

CASTRO, C.M. Invenções e cópias no ensino superior in: O Estado de São Paulo. São Paulo: Estado de São Paulo, 2 Julho de 2023;

DRUKER, P. F. Uma era de descontinuidade. Rio de Janeiro : Zahar, 1970;

DRUKER, P. F. Sociedade pós-capitalista. São Paulo : Pioneira, 1993;

MONOBE, M. Contribuição à mensuração e contabilização do goodwill adquirido. Tese (Doutorado) - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1986 e

NONAKA, I.; TAKEUCHI, H. Criação de conhecimento na empresa. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

* MARIA THEREZA POMPA ANTUNES

















Professora Adjunta da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (EPPEN) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).;

Mestre e Doutora em Ciências Contábeis pela FEA/USP; Graduação em Administração pela PUC/RJ, com Especialização em Finanças pelo IAG/PUC/RJ, e em Ciências Contábeis pela FEA/USP, com 26 anos de experiência na área da educação atuando como docente, pesquisadora e gestora.

E-mail: teantunes@uol.com.br

WhatsApp: (11)-98338-4343

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6278852648499064


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