sábado, 17 de fevereiro de 2024

Saber olhar e ouvir com sabedoria


 Autora: Karla Oliveira (*)

Quem no meio escolar, nunca se deparou com colegas professores que militam pela educação? Mesmo fora da escola, o assunto é recorrente. As dificuldades de ser professor na sociedade atual, o perfil difícil dos jovens contemporâneos, comumente sem limites, o choque de gerações.

Há aqueles que defendem veementemente o professor e aqueles que tentam entender o contexto de vida dos alunos.

Ser professor de ensino público nunca foi tão difícil. A profissão é bastante desvalorizada, tanto pelo governo, quanto pela própria sociedade, em geral.

O fracasso dentro educação, em todos os âmbitos, costuma recair sobre a escola, e mais especificamente, sobre o professor.

O excesso de cobranças, o pouco investimento e a impotência diante de situações que fogem da governabilidade da própria escola, não apenas do professor, geram frustrações e deixam muitos docentes cansados e sem esperanças. Muitos começam a trabalhar automaticamente, cumprindo o mínimo exigido, evitando confrontos e fingindo não fazer parte da solução.

Se uma pessoa se torna professor, certamente, em algum momento de sua vida, acreditou que seu papel social era o de melhorar o futuro de crianças e jovens. Em algum momento, acreditou que a educação é o único caminho para melhorar a sociedade, e formar cidadãos que vivam com dignidade. Mas como é difícil.

Alguns ainda militam contra o sistema. É válido. O sistema é cruel, porque educação que torna cidadãos autônomos, solidários e competentes acaba se tornando utópica, ou mais um slogan de política de governo, e não uma política pública.

A quem realmente interessa um cidadão crítico e questionador?

Muitos docentes repetem o discurso de formar estudantes protagonistas, mas são incapazes de lidar com questionamentos simples sobre suas posturas ou métodos de avaliação.

O professor traz internalizada sua concepção de educação regida pela disciplina e com o centro do conhecimento no docente. Poucos ousam admitir que as mudanças da sociedade em geral, criaram um novo perfil de estudante, muito desafiador.

Não existe mais o estudante que aceita pacificamente as ordens do professor. E muitos sentem o saudosismo de dar ordens, e não comandas. Do tempo em que o aluno era realmente interpretado como na origem da palavra em latim, que significava "sem luz", como se chegasse à escola desprovido de conhecimentos prévios. Ainda existem muitos que utilizam a avaliação como punição e não como verificação de processo.

Não são poucos os professores que se lembram, com tristeza, que não são mais detentores do saber e que não tem mais domínio de todas as situações dentro da sala de aula. Em muitos casos, significa que, realmente, chegou a hora de se aposentar. Mas, para quem ainda tem tempo pela frente, é passada a hora de mudar o olhar.

É evidente que o professor não pode assumir papéis que não são seus. Professor não é pai, nem mãe, não é psicólogo, não é assistente social, não é enfermeiro, não é policial. Mas também não pode se ater a componentes curriculares e esquecer da necessidade de uma educação interdimensional.

Os alunos costumam ter muitos problemas. Os professores também. E não irão resolver a maioria dos problemas dos alunos, obviamente. Mas é preciso lidar com eles.

Não existe o aluno ideal, que passa horas e horas sentado, obedecendo e agradecendo por estar na escola.

Existem os alunos que vão para a escola porque os pais obrigam, especialmente quando há vínculo entre frequência e algum benefício do governo. Existem os alunos que vão para a escola para se alimentar, pois não tem o mínimo básico dentro de casa. Existem alunos que vão para a escola, pois é o único ambiente em que não está exposto a situações de violência. Existem os alunos que já se envolveram no mundo das drogas. Existem os alunos que não tem nenhuma perspectiva de melhorar seu futuro. Existem os alunos que procuram o embate, totalmente sem noção de limites. Existem alunos cujos pais apoiam, mesmo quando os educadores apontam que as atitudes são inadequadas. Existem os alunos que os pais choram e dizem que não sabem mais o que fazer, e que irão entregá-los para o Conselho Tutelar, ou que, se cometerem algo de errado, que a escola pode chamar a polícia. Existem os alunos agressivos.

Mas é claro que se trata de casos pontuais. Em umas escolas mais, em outras menos, mas, em geral, os alunos costumam ser carinhosos e amigáveis. Entretanto, não é possível romantizar.

E o que fazer com os alunos que destoam do contexto de escola? Que se recusam a realizar comandas ou que partem para o embate?

Primeiramente, respirar fundo e pensar para agir. Não permitir que o espírito de revide tome conta. Vale a famosa frase sobre quem é o adulto da relação. Pessoas que foram criadas em ambientes onde se valorizava muito a hierarquia e, em especial, que vivenciaram o autoritarismo em sua formação, bastante comum em um passado não muito distante, tem mais dificuldade.

O choque de gerações costuma ser grande. Mas o amadurecimento emocional do professor pode acontecer em qualquer idade. Quando um aluno responde com grosseria e, especialmente com palavras de baixo calão, o primeiro impulso é o de impor respeito. A vontade de mostrar quem manda nas relações é desafiada. Se não se posicionar de maneira rígida, o professor pode perder o domínio, o controle, de toda uma turma, por conta de um único estudante. E alguns alunos realmente fazem isso. Às vezes, pode parecer que gostam de provocar. Gostam de chamar atenção. E é preciso pensar o porquê.

O aluno indisciplinado busca realmente uma atenção da qual está carente ou tenta esconder uma dificuldade de aprendizagem com um ato de rebeldia? O fato é que os colegas de turma que aprenderam a respeitar limites e regras, esperam por uma punição quando ocorre algum tipo de indisciplina. Os professores esperam da Direção da escola uma atitude punitiva. Até mesmo os pais de outros alunos anseiam por punições exemplares para os colegas de seus filhos, em casos considerados mais graves.

Quem conhece e acompanha legislação sabe que, hoje em dia, pelos diretrizes para elaboração de Regimento das escolas do Estado de São Paulo, não existe suspensão de atividades escolares prevista como medida disciplinar.

Os mecanismos legais existentes, que perpassam por diálogo, escuta ativa, aconselhamentos, práticas restauradoras e encaminhamentos para outros órgãos da rede de proteção, hoje não satisfazem aos anseios de uma sociedade que espera ver punições severas e imediatas.

Muitos professores se dizem reféns de qualquer atitude dos alunos diante dessa realidade. Mas quando um problema existe dentro de uma escola, ele passa a ser um problema de todos. E muitos alunos são descritos como alunos-problema. Por inúmeros motivos. Motivos os quais a maioria costuma desconhecer e os que conhecem, alegam que não justificam maus comportamentos.

Há docentes que comparam suas dificuldades com as dos estudantes e se orgulham da maneira como foram superadas, criticando as atitudes dos jovens e desconsiderando o contexto atual. Mas é preciso compreender as mudanças da sociedade em relação às famílias e o impacto causado na vida dos jovens.

As crianças que nascem em meio a tecnologia também não podem ser comparadas com os professores que foram conhecer um celular e um computador depois de adultos.

E não adianta reclamar que a culpa é do outro, porque não adianta identificar culpas, é preciso buscar soluções.

Reclamar por melhores condições de trabalho é direito de cada professor. Mas formar os estudantes continua sendo seu dever. E é importante que seja feito por crença e não por obrigação.

Professores que entram na sala de aula e dizem que darão aula apenas para os alunos que querem aprender, estão fazendo o mínimo. Grandes professores não se contentam com o mínimo. Professores que conseguem ensinar alunos que querem aprender, podem, talvez, ser substituídos por educação a distância. O desafio é ensinar os que não querem. É conquistar confiança. É demonstrar um respeito que, muitas vezes, inicialmente, não é recíproco.

Facilmente é possível notar alunos altamente indisciplinados que se identificam com pouquíssimas pessoas dentro da escola. Fato esse que costuma criar indisposição dentro da comunidade escolar. Seja um professor, um funcionário ou um gestor, que consiga acalmar um aluno agressivo, este não costuma ser bem-visto pelos pares. Ao contrário, costuma ser taxado como muito bonzinho, no sentido pejorativo da palavra, e que não impõe disciplina.

Não é possível trabalhar com estudantes com grande vulnerabilidade social, sem aprimorar o olhar. Sem ouvir cuidadosamente e sem buscar estratégias.

Quando um professor ouve um "eu te odeio" e reage com: "que pena, porque eu gosto muito de você", existe a possibilidade de uma mudança de postura. Quando um professor escuta um palavrão e usa sua inteligência emocional para contornar a situação, e começa a propor combinados, existe uma possibilidade de melhoria.

O que não existem são fórmulas prontas, estudos científicos comprovados. Existem relatos de experiências positivas. Existem casos que deram certo. Não cem por cento certo, nem cem por cento dos casos. Mas uma educação humanizada, um professor que olha e escuta os alunos com maiores problemas comportamentais, é o que realmente é capaz de fazer a diferença. Se um aluno gritar, é preciso falar baixo. Não com submissão. É preciso ser firme, mas com amor. Amor ao ser humano. Amor a profissão. Amor a causa.

As pessoas aprendem, com facilidade, a ser reativas. O difícil é lidar com quem sai desse padrão. Quando um aluno é agressivo, ele se prepara para qualquer tipo de reação agressiva. Dificilmente esperará por uma atitude controlada. E é longe do seu grupo, em uma conversa com tom firme e calmo, que aparecem os melhores resultados. Quando se olha e se ouve, de perto, é quando mais se aprende e quando mais se consegue atingir os objetivos de verdadeiramente educar. Quem acolhe, tem mais chances de colher bons frutos. 

 * KARLA REIS MARTINS DE OLIVEIRA



 - Graduação em Letras (Português e Inglês) pela UINIFATEA (2004);

- Pós-graduada em:

     Supervisão Escolar pela Faculdade São Luís (2019);

     Psicopedagogia Clínica e Institucional pela FACON (2018);

     Gestão Escolar pela UNIFATEA (2012);

     Estudos Literários pela UNIFATEA (2008).

 - Diretora da Escola Estadual Professor Aroldo Azevedo - PEI, em Lorena/SP;

 - E-mail: karla.oliveira@educacao.sp.gov.br

 - Currículo Lattes:

http://lattes.cnpq.br/2680839596619365


Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

16 comentários:

  1. Cara colega faço minhas suas palavras, ser educador nunca foi fácil porém evoluir se faz necessário isso se dará com um novo olhar, olhar este deve ser prioritariamente humanizado.

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  2. É realmente um problema bem complexo e que exige uma abordagem sob vários aspectos e várias modalidades profissionais. Tema sempre muito pertinente a ser abordado. Parabéns prlz reflexão

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  3. Karla, são mais que perfeitas as suas colocações, vão totalmente ao encontro do que penso e prego. Vc descreveu com maestria a triste realidade da escola pública. Tudo muito real, pé no chão. Parabéns! Deveria receber um prêmio por ser tão verdadeira. Patrícia Prata

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  4. Realmente a profissão deveria ser vista com mais carinho, valorização e respeito. Infelizmente tanto Estado, município e mesmo as instituições privadas não dão o devido valor a essa classe e muitas vezes nem a própria classe se respeita, aceitando as migalhas que lhe são lançadas. Há muito a ser feito para mudar esse cenário, porém, se muitos dos profissionais não mudarem a percepção de si isso jamais ocorrerá.

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    1. Agradeço muito suas colocações!!!

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  5. A autora pontuou perfeitamente os principais problemas no ambiente escolar e nos fez também refletir sobre quais caminhos podemos seguir para lidar com diferentes situações . Parabéns 👏🏽

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  6. O tema abordado pela autora é muito pertinente e nos faz refletir sobre os principais problemas enfrentados no ambiente escolar e quais ferramentas podemos utilizar para lidar com diferentes situações. Parabéns

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  7. É importante que escola e educadores se adaptem aos novos tempos e às novas demandas. Perfeitas colocações.

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  8. Caríssima, consegue neste singelo texto expor de forma clara e cristalina o embate nacional por uma educação eficiente.
    Educar uma nação é uma tarefa árdua. Costumo dizer que "onde há política não haverão soluções concretas devido ao nosso planejamento geral voltado de quatro em quatro anos, ou seja; até a próxima eleição".

    A fórmula da educação deveria ser:
    "Professor ensina, aluno aprende, pais educam e políticos não entram em sala de aula"


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