sexta-feira, 17 de maio de 2024

A sociedade do sono

Autora: Adriana Batista da Rocha (*)

O BBB que nunca acaba. Tudo se transforma em espetáculo, parece o fim da vida real, e eu lamento. Desde personalidades chamando atenção para si através da nudez ou confissões sexuais íntimas em podcast: traições, agressões, trapaças, até tragédias. Tem palco para tudo, para todos os públicos. Enquanto a realidade nua e crua provocada pela natureza, pelas políticas e pela crueldade humana perde a atenção necessária.

Dia desses estava organizando minha biblioteca sem pressa e olhando para meus livros, tentando puxar pela memória do conteúdo. Alguns lidos recentemente, outros lidos há décadas, foi quando me perguntei: “ tem observado sobre como a vida está repleta de simulacros, disfarçados de espetáculos? Estamos bombardeados diariamente com "imagens brilhantes e narrativas cativantes" que nos mantém entretidos, mas, ao mesmo tempo, nos afastam das realidades mais profundas que nos cercam? É como se estivéssemos todos presos em um eterno sono, inconscientes das questões fundamentais.

Lembrei que no clássico de Guy Debord, "A Sociedade do Espetáculo", somos confrontados com a ideia de que a modernidade é dominada pela espetacularização da vida, onde a imagem e o entretenimento se tornam os principais mediadores das nossas experiências cotidianas, mas, por trás dessa espetacularização, no entanto, há uma sombra que paira sobre a sociedade contemporânea: a sociedade do sono, que podemos chamar também de espectadores.

Enquanto Debord nos alerta sobre os perigos da "sociedade do espetáculo", o sul-coreano Byung-Chul Han expande essa análise ao introduzir conceitos como "sociedade da transparência", "sociedade paliativa" e "sociedade do cansaço". Percebi o quanto essas obras se entrelaçam com a metáfora da "sociedade do sono", que uso em alguns trechos do livro que estou escrevendo, revelando os desafios e as possibilidades de despertar para uma realidade mais autêntica e significativa. Elas destacam a prevalência da visibilidade e da exposição na cultura contemporânea, embora de perspectivas ligeiramente diferentes.

Na "sociedade da transparência", a busca pela visibilidade total e a exposição constante das nossas vidas são promovidas como sinais de autenticidade e conexão. Essa transparência pode muitas vezes obscurecer as verdadeiras emoções e relações humanas, criando uma ilusão de entendimento mútuo. Essa ilusão pode ser comparada à superficialidade das interações na "sociedade do espetáculo", onde a busca pela imagem e pelo entretenimento obscurece a realidade subjacente através de compulsivas performances frente ao imperativo do like como analgésico.

A exposição excessiva e a busca pela visibilidade podem contribuir para uma dormência emocional e uma falta de consciência das questões mais profundas da existência humana. Essa conexão entre os conceitos dos escritores nos permite uma compreensão mais ampla dos desafios enfrentados pela sociedade contemporânea e das possibilidades de despertar para uma vida mais autêntica e significativa.

Já na "sociedade do cansaço", a exaustão física e mental torna-se a norma, alimentada pela constante pressão para sermos produtivos, eficientes e bem-sucedidos. Nesse estado de cansaço crônico, a capacidade de reflexão e resistência é minada, deixando-nos vulneráveis à manipulação, ao sono e ao conformismo.

É evidente que estamos imersos em um estado de dormência e alienação. No entanto, ao reconhecermos esses padrões e desafiar suas premissas, podemos começar a despertar para uma realidade mais autêntica e libertadora.

Espero que possamos nos libertar do sono profundo da ignorância, da ilusão do espetáculo, do conforto paliativo e da exaustão implacável, para abraçar uma vida de consciência, resistência e conexão genuína.

* ADRIANA BATISTA DA ROCHA






















Segundo suas próprias palavras:

Adriana Rocha, ou Drika Rocha é Drª H.C. em Literatura, escritora, autora de vários títulos; premiada nacional e internacionalmente,  é colunista cultural e empresária. 

Nota do Editor:


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Um comentário:

  1. Adriana, adorei seu texto. Quando publicar seu livro, coloque lá no grupo do Raphael Werneck, por favor. Tenho muito interesse no assunto que você aborda.

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