Autora: Águida Arruda Barbosa (*)
Para que se compreenda a essência da mediação é preciso, primeiramente, trazer o conceito construído a partir de uma perspectiva que atribui a este instituto a qualidade de transformar o conflito. Trata-se, portanto, de um conhecimento capaz de conscientizar os protagonistas acerca do tempo que vivem no conflito, transformando-o em uma nova ordem, em lugar do caos a criação do futuro.
Para exemplificar este caos, vale tomar como exemplo os conflitos decorrentes do divórcio e da dissolução de união estável, tendo em vista constituírem os mais complexos da vida, pois vividos solitariamente.
Este caos trazido pelos mediandos encontra-se descrito, poeticamente, com a sensibilidade de Chico Buarque de Holanda, e, aproveitando a oportunidade para homenageá-lo pelo aniversário de 80 anos, seguem algumas frases colhidas da letra da canção Eu te amo:
" Se nós, nas travessuras das noites eternasJá confundimos tanto as nossas pernas,Diz com que pernas devo seguir.Se na desordem do armário embutido,Meu paletó enlaça o teu vestido,Me explica, com que cara eu vou sair"
Quando o mediador recebe este casal envolvido no caos da ruptura de um projeto de vida conjugal, precisa compreender que a demanda dos protagonistas é a recuperação da capacidade de se organizarem no tempo. Não podem mais se afirmar no passado, que já foi futuro, e, no presente fluido e incerto, sentem-se incapazes de buscar um caminho que os leve à construção do futuro.
Daí a importância da interdisciplinaridade na formação do mediador, tornando-o apto a ampliar o olhar para além de sua formação de origem, buscando o conhecimento de outras áreas do saber para agregar à sua atuação, garantindo-lhe a profundidade da escuta qualificada. Até do silêncio...
A psicanalista e mediadora norte-americana Florence Kaslow, em Dinâmicas do Divórcio, demonstra, com maestria, que o período de caos é natural e necessário, comparando a ruptura da vida conjugal à tradição do luto judaico, período em que o cônjuge supérstite permanece sentado no chão, durante os primeiros dias, para que sinta e acolha o novo tempo, sob a ótica desta posição.
A mediadora francesa Jacqueline Morineau, em L´Esprit de la Médiation, formula a pergunta como título de um capítulo: Qual é o tempo da mediação?
Para Morineau o tempo da mediação é o futuro dos mediandos, cabendo ao mediador promover técnicas de comunicação capazes de levá-los à criação do futuro próximo. Ela afirma: "em todo conflito de casal os mediadores sabem que o tempo é o melhor dos mediadores".
Enfim, a autora recomenda que, nas sessões de mediação os protagonistas tenham um espaço para narrar seus sentimentos diante da experiência da ruptura, para que eles se escutem, mutuamente, capacitando-os a transitar para o novo tempo, criando um futuro, mesmo que provisório, como um ensaio para sair do caos.
Promover a mediação de um casal, de acordo com a orientação destas teóricas mencionadas, garante a entrega de um trabalho bastante profundo e, sobretudo, responsável.
A natureza da mediação transformadora do conflito não admite que o mediador faça sugestões, tampouco que conduza os mediandos à celebração de acordo, comportamento que constitui um desvio para cair na facilidade de uma conciliação.
A mediação deve ser realizada com muito critério, respeitando princípios rígidos, devendo ser organizada com os mediandos com a informação do número de sessões, no máximo de cinco, em princípio, com uma hora de duração. As primeiras sessões devem ser semanais, até que o casal se sinta acolhido e sinta um vínculo de confiança com o mediador, porém, as últimas sessões podem ser mais espaçadas, com o espaço de um mês ou mais entre elas.
Para concluir, vale mais uma citação de Morineau: "A mediação proporciona a oportunidade de dar um sentido novo à vida, garantindo a paz consigo mesmo, com os outros e com o mundo. Trata-se da cultura de paz."
*ÁGUIDA ARRUDA BARBOSA
-Advogada especializada em Direito de Família;
-Mediadora familiar interdisciplinar;
- Doutora e Mestre pela FADUSP(1972)
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