terça-feira, 17 de setembro de 2024

Caução Locatícia Confere Preferência em Concurso de Credores


 

Autor: William Cinacchi Gracetti (*)

A caução locatícia, uma das modalidades de garantia previstas na Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/1991), é um tema que tem gerado debates intensos no direito imobiliário. A principal discussão gira em torno da preferência do credor caucionário sobre o produto da expropriação do imóvel.

 

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu uma decisão de grande relevância para o direito imobiliário e locatício no julgamento do Recurso Especial (REsp) nº 2.123.225/SP. A Terceira Turma do Tribunal decidiu, por unanimidade, que a caução locatícia em bens imóveis, devidamente averbada na matrícula do imóvel, configura um direito real de garantia, apto a gerar preferência do credor caucionário sobre o produto da expropriação do imóvel em casos de concurso singular de credores. Esse entendimento tem implicações importantes para locadores, locatários e credores, especialmente em situações de disputa judicial pelo recebimento de créditos. Veja decisão abaixo:

 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CAUÇÃO LOCATÍCIA. BENS IMÓVEIS. CONCURSO SINGULAR DE CREDORES. AVERBAÇÃO. REGISTRO. PREFERÊNCIA. CRÉDITO. BEM EXPROPRIADO. REGISTROS PÚBLICOS. 1. Ação de execução de título extrajudicial ajuizada em 17/07/2019, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 04/02/2020 e concluso ao gabinete em 19/03/2024. 2. O propósito recursal é definir se, em concurso singular de credores, a caução locatícia se configura como direito real de garantia apto a gerar direito de preferência do credor caucionário sobre o produto da expropriação do imóvel. 3. Prevê a Lei do Inquilinato que, no contrato de locação, pode o locador exigir do locatário a caução como garantia, sendo que a caução em bens móveis deverá ser registrada em cartório de títulos e documentos e a em bens imóveis deverá ser averbada à margem da respectiva matrícula (art. 38, §1º). 4. A Lei do Inquilinato e a Lei dos Registros Públicos admitem a caução na forma de averbação na matrícula do imóvel, flexibilizando as formalidades dos direitos reais de garantia típicos. 5. Mesmo se tiver sido averbada apenas à margem da matrícula, o efeito da caução locatícia em bens imóveis deve ser o de hipoteca, a menos que seja expressamente indicado que se trata de anticrese. 6. A caução locatícia devidamente averbada na matrícula do imóvel confere ao credor o direito de preferência nos créditos em situação de concurso singular de credores, em virtude de sua natureza de garantia real que se equipara à hipoteca. 7. Para o exercício da preferência material decorrente da hipoteca, no concurso especial de credores, não se exige a penhora sobre o bem, mas o levantamento do produto da alienação judicial exige o aparelhamento da respectiva execução. 8. Recurso especial conhecido e provido.

 

Contexto da Decisão: Caução Locatícia e Direitos Reais de Garantia

O recurso especial teve origem em uma ação de execução de título extrajudicial ajuizada em 17 de julho de 2019. A discussão girou em torno da natureza jurídica da caução locatícia e de sua eficácia em situações de concurso de credores — quando vários credores disputam o recebimento de seus créditos em relação ao mesmo devedor. A principal questão recursal era determinar se a caução locatícia, devidamente averbada na matrícula do imóvel, poderia ser considerada um direito real de garantia com efeito preferencial em relação a outros créditos.

 

Entendimento Jurídico do Superior Tribunal de Justiça

 

Previsão Legal para Caução Locatícia: A Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/1991) prevê que, nos contratos de locação, o locador pode exigir do locatário uma caução como garantia do cumprimento das obrigações locatícias. Essa caução pode ser realizada em dinheiro, títulos, bens móveis ou imóveis. Quando a caução é constituída em bens imóveis, deve ser averbada à margem da matrícula do imóvel, conforme o artigo 38, §1º da Lei do Inquilinato.

 

Flexibilização das Formalidades: O STJ destacou que tanto a Lei do Inquilinato quanto a Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973) admitem a caução locatícia por meio de averbação na matrícula do imóvel. Essa possibilidade flexibiliza as formalidades exigidas para os direitos reais de garantia típicos, como a hipoteca e a anticrese. A decisão enfatiza que essa flexibilização não afeta a eficácia da caução locatícia como garantia real.

 

Equiparação à Hipoteca: Um dos pontos centrais da decisão foi o entendimento de que, mesmo que a caução locatícia tenha sido apenas averbada à margem da matrícula do imóvel, ela tem o efeito de uma hipoteca, salvo se houver indicação expressa de que se trata de anticrese. Isso significa que a caução locatícia, quando devidamente averbada, confere ao credor caucionário um direito de preferência similar ao da hipoteca em caso de execução do imóvel.

 

Direito de Preferência em Concurso Singular de Credores: A decisão do STJ assegura que a caução locatícia devidamente averbada na matrícula do imóvel confere ao credor caucionário o direito de preferência nos créditos em situações de concurso singular de credores. O Tribunal entendeu que a caução locatícia, em virtude de sua natureza de garantia real equiparada à hipoteca, garante ao credor caucionário uma posição privilegiada para o recebimento de seu crédito.

 

Exercício da Preferência e Execução: Para o exercício da preferência decorrente da hipoteca, em um concurso especial de credores, o STJ esclareceu que não se exige a penhora específica sobre o bem caucionado. No entanto, o levantamento do produto da alienação judicial requer o aparelhamento da respectiva execução. Essa orientação é importante para garantir que o credor caucionário possa exercer seu direito de preferência de maneira eficaz e adequada.

 

Decisão Final: A Terceira Turma do STJ, ao conhecer e prover o recurso especial, concluiu que a caução locatícia em bens imóveis, quando averbada na matrícula do imóvel, é um direito real de garantia apto a conferir preferência ao credor caucionário em caso de expropriação do imóvel, equiparando-se, portanto, à hipoteca para fins de concurso de credores.

 

Impactos Práticos da Decisão

 

A decisão do Superior Tribunal de Justiça tem diversos desdobramentos práticos para o mercado imobiliário e para a prática do direito locatício:

 

Segurança Jurídica: A decisão reafirma a segurança jurídica para os locadores, garantindo-lhes que a caução locatícia, quando devidamente averbada, assegura uma preferência em concursos de credores. Essa proteção é fundamental para que os locadores possam se resguardar contra eventuais inadimplências dos locatários, sabendo que sua garantia terá efeito preferencial em situações de insolvência.

 

Orientação para o Mercado Imobiliário: A decisão do STJ serve como um importante precedente para o mercado imobiliário, orientando os agentes sobre a necessidade de observar rigorosamente as formalidades legais na constituição e averbação da caução locatícia. O cumprimento dessas formalidades é essencial para assegurar a eficácia da garantia em eventuais disputas judiciais.

 

Impacto nos Registros Públicos: O entendimento do STJ reforça a importância do registro e da averbação das garantias nos registros públicos. Isso destaca a função essencial dos cartórios de registro de imóveis em garantir a publicidade e a segurança jurídica das transações imobiliárias e das garantias locatícias.

 

Precedente Relevante para Futuras Disputas: O julgamento cria um precedente relevante que pode influenciar futuras decisões judiciais envolvendo disputas entre locadores e outros credores do locatário, especialmente em cenários de execução de títulos extrajudiciais e expropriação de imóveis.

 

Conclusão

 

A decisão do STJ no REsp nº 2.123.225/SP reforça a importância da caução locatícia como instrumento de proteção ao credor caucionário. Ao reconhecer que a caução locatícia devidamente averbada confere um direito de preferência equiparado ao da hipoteca, o Tribunal proporciona maior segurança jurídica e clareza para as relações contratuais imobiliárias. Esse entendimento beneficia não apenas os locadores, mas também todo o mercado imobiliário, ao assegurar a eficácia das garantias locatícias em situações de disputa judicial.

 

Essa decisão consolida a interpretação de que a caução locatícia pode ser uma ferramenta eficaz para garantir o cumprimento das obrigações locatícias, trazendo maior estabilidade ao mercado de locações de imóveis.

 

*WILLIAM CINACCHI GRACETTI - OAB 288.584
















-Graduado em Direito pela Universidade Cruzeiro do Sul. (2005);
-Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica(2013);
-É especialista em Direito Imobiliário; 
-Gerenciou por anos o núcleo jurídico imobiliário de grandes empresas, como Assaí Atacadista S/A e Helbor Empreendimentos S/A.;
-Possui cursos na área de Direito Médico e da Saúde, Direito Civil e do Consumidor e
-Sócio fundador do escritório WILLIAM GRACETTI ADVOCACIA E CONSULTORIA JURÍDICA 

Nota do Editor:

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