Autora: Ana Paula Paniza (*)
O conceito de política criminal ainda é celeuma, sendo incerto se esta configura uma ciência autônoma, é ramo da política geral ou ainda ciência dependente e derivada do direito penal.
Entretanto, o objeto de estudo da política criminal é bem definido e essencial, pois importa na estratégia, perfil de produção legislativa e repressão racionalmente programada, a fim de prevenir a criminalidade, retribuir a lesão ao bem jurídico, assim como evitar a reincidência delitiva.
As nações ao redor do mundo necessitam determinar sua política criminal de forma cristalina, para que seus objetivos finais, quanto à criminalidade e sua repressão, sejam alcançados com efetividade.
É certo que com a mudança de mandato governamental, a tendência desta seara pode ser modificada, porém, as bases das decisões político-criminais são comumente demarcadas pela imutabilidade, com o escopo de não gerar insegurança jurídica e estatal.
Os movimentos de política criminal são caracterizados por maior – como o movimento law and order - ou menor intervenção estatal nas condutas consideradas típicas, criminalização de novos comportamentos ou a abolição de dispositivos legais – tendo por exemplo o abolicionismo penal - bem como maior rigor punitivo ou a criação de institutos despenalizantes, formando contraposições e antagonismos entre eles.
Neste diapasão, há de se destacar que para compreender o cenário político-criminal brasileiro, é preciso esmiuçar três movimentos em especial.
Em primeiro plano, deve-se explicar o movimento law and order, situação em que os padrões legislativos penais são recrudescidos, o número de figuras típicas sofre exponencial aumento, ocorre o enrijecimento dos regimes de cumprimento das penas – ou sua progressão – e a impossibilidade de medidas alternativas à pena privativa de liberdade, dentre outras características penais e processuais penais que traduzem perfil rígido e de punição severa.
Já o abolicionismo penal é o polo oposto a este movimento, uma vez que prega a total extinção do direito penal, fundamentando que as condutas consideradas típicas são baseadas em uma consideração humana prévia – muitas vezes comandadas por grupos específicos e minoritários – sugerindo, por consequência, a abolição dos dispositivos penais e na falência completa da pena privativa de liberdade e sua execução.
Por derradeiro, o garantismo penal equaliza ambos os movimentos, trazendo a legitimação da intervenção punitiva através de garantias processuais, utilizando como baliza primordial a Constituição e seus preceitos, protegendo o indivíduo de intervenções estatais arbitrárias, também propagando o desencarceramento e a criação de medidas alternativas à pena privativa de liberdade.
Atualmente, a política criminal brasileira empenha estratégias pertencentes aos três movimentos acima especificados – com tendência ao enrijecimento – o que ocasiona uma falha em atingir os objetivos base, uma vez que os movimentos são conflitantes e opostos entre si.
Para ilustrar o panorama acima exposto, pode-se utilizar como exemplo o Pacote Anti-Crime, promulgado em 2019, que trás o enrijecimento das regras para progressão de regime de pena, trazendo influências do movimento law and order, ao passo que coexiste em nossa legislação a Lei 9.099/95, estabelecendo benefícios processuais como a transação penal (artigo 76, da Lei 9.099/95) e a suspensão condicional do processo (artigo 89, da Lei 9.099/95), a fim de desencarcerar e privilegiar a proporcionalidade da punição à crimes de menor potencial ofensivo, destacando o perfil garantista.
Além disso, há o que se falar da recente decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n.º 635659, entendeu que o porte de drogas não configura crime, sendo passível apenas de punição administrativa, denotando que o abolicionismo penal também exerce suas influências sobre nosso cenário político-criminal.
A estratégia de enfrentamento à criminalidade, a legislação, sua aplicação e a execução das punições divergem entre si, já que não há um perfil concreto de intervenção, muitas vezes causando conflito e dúvidas na aplicação ao caso concreto, tornando ineficaz a persecução penal em completude.
Impossível é combater os níveis de criminalidade, reduzir os níveis de reincidência e uniformizar a aplicação da legislação quando os dispositivos legais possuem comandos e intuitos opostos.
No plano fático, podemos comprovar as assertivas, pois a cada ano presenciamos o aumento de crimes, principalmente os com alto emprego de violência e os níveis de reincidência se elevam a cada dia, demonstrando a imensa ineficácia estatal em sua inexistente política criminal.
Urge a necessidade de unificar a dicotomia que hoje permeia o Poder Público, com o escopo de criar, delimitar e permanecer em linha político-criminal capaz de atingir metas de segurança.
REFERÊNCIAS:
BEZERRA, Alexis Mendes. POLITICA CRIMINAL NO BRASIL? Revista Opinião Jurídica, São Paulo, v. 11, n. 11, p. 46-60, nov. 2009.
Disponível em:
file:///C:/Users/carol/Downloads/1852-Texto%20do%20Artigo-6586-6055-10-20171129%20(1).pdf. Acesso em: 18 fev. 2025;
CIT, Franciele. TENDÊNCIAS DA POLÍTICA CRIMINAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO: ENFOQUE MINIMALISTA CONSUBSTANCIADO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988. Revista da Esmesc, Blumenau, v. 23, n. 17, p. 231-258, jan. 2010.
Disponível: file:///C:/Users/carol/Downloads/biblioteca,+09_ARTIGO+08%20(2).pdf. Acesso em: 18 fev. 2025;
CAMPOS, Marcelo da Silveira; AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. A ambiguidade das escolhas: política criminal no brasil de 1989 a 2016. Revista de Sociologia e Política, [S.L.], v. 28, n. 73, p. 01-19, jan. 2020. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/1678-987320287302. Disponível: https://www.scielo.br/j/rsocp/a/vR44MqkgK4qjHYh6kDbxH5S/. Acesso em: 20 fev. 2025 e
SERRETTI, André Pedrolli. A Teoria do Garantismo Penal e a Constituição da República:Um Estudo sobre a Legitimidade da Tutela Penal Estatal. Revista Jurídica da Presidência, Brasília, v. 12, n. 97, p. 01-30, jul. 2010.
Disponível: file:///C:/Users/carol/Downloads/admin,+Gerente+da+revista,+RJP+97+-+3+-+Andr%C3%A9+Pedrolli+Serretti.pdf. Acesso em: 20 fev. 2025.
* ANA PAULA PANIZA
- Graduada pela Universidade Paulista (2020);
- Advogada e assessora jurídica atuante na seara criminal e direito da saúde;
- Fundadora do escritório Paniza Advocacia;
- Vice-presidente da Comissão da Jovem Advocacia da subseção Praia Grande da OAB/SP; e
- Vice-presidente da comunidade Sororidade Jurídica.
Nota do Editor:
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Parabéns doutora, ótimo conteúdo!
ResponderExcluirParabéns pela matéria, muito valiosa a informação.
ResponderExcluirA impunidade macula toda a sociedade, é preciso garantir uma sociedade mais justa, igualitária e com acesso a todos, mas também punir exemplarmente o criminoso
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