segunda-feira, 17 de março de 2025

A inaplicabilidade da Teoria do Domínio do Fato no Direito Penal Brasileiro


 Autor: Allysson Gregorio Alves(*)


1. Introdução

A dogmática penal permite aplicar teorias que analisam a conduta do autor para melhor compreensão dos fatos, haja vista o efeito material observado no findar do iter criminis. No século XX, na Alemanha pós-guerra, Hans Welzel propôs um estudo aprofundado da conduta, fundamentando a teoria do finalismo. Posteriormente, Claus Roxin expandiu essa teoria, diferenciando os tipos de autoria e atribuindo responsabilidade a quem tem controle sobre a execução do crime.

No Brasil, o Código Penal de 1940, reformado em 1984, adota um modelo unitário de autoria nos artigos 29 a 31, sem discriminar tipos específicos de participação. A aplicação da Teoria do Domínio do Fato esbarra na legalidade e na falta de previsão legal. Casos como a AP 470 (Mensalão) demonstram a utilização controversa da teoria. Este artigo analisa sua compatibilidade com o direito penal brasileiro.

2. Origem da Teoria do Domínio do Fato

A teoria surge com Welzel, que rompe com as escolas clássica e iluminista, focando no controle da ação criminosa. Roxin amplia esse conceito, defendendo a responsabilidade penal de quem detém poder de decisão, independentemente da execução direta. A teoria influenciou julgamentos internacionais, como os Tribunais de Nuremberg e o Tribunal Penal Internacional para o Ruanda, responsabilizando líderes por crimes sem envolvimento direto na execução.

3. Teoria do Domínio do Fato segundo Roxin

Roxin classifica a autoria em:
  • Domínio da Ação: autor imediato que realiza a conduta criminosa;
  • Domínio da Vontade: aquele que controla a execução do crime sem praticá-lo diretamente; e 
  • Domínio Funcional do Fato: coautores que possuem papel essencial na execução do crime.
No Brasil, Alaor Leite e Luís Greco adaptam essa classificação, diferenciando autor imediato, autor mediato, coautor e partícipe. A teoria ajuda a distinguir responsabilidades, mas sua aplicação no Brasil encontra barreiras na legislação vigente.

4. Código Penal Brasileiro e a Teoria do Domínio do Fato

O artigo 29 do CP trata a autoria de forma ampla, permitindo que qualquer participante do crime seja responsabilizado conforme sua culpabilidade. Essa abordagem é incompatível com a diferenciação proposta por Roxin, que exige um modelo funcional de autoria. Além disso, a teoria esbarra em princípios fundamentais da Constituição, como legalidade, culpabilidade e individualização da pena.

5. Inaplicabilidade da Teoria de Roxin

A teoria de Roxin pode violar a legalidade ao atribuir responsabilidade penal sem previsão expressa na legislação brasileira. O caso do Mensalão (AP 470) ilustra o uso controverso da teoria, com interpretações diversas por ministros do STF. A falta de clareza na aplicação compromete a segurança jurídica e pode levar a condenações indevidas.

6. Dificuldade Prática e Exemplo Internacional

A teoria exige análise subjetiva sobre o controle da ação criminosa, dificultando a produção de provas. No Brasil, sua aplicação pode inverter o ônus da prova, fragilizando garantias processuais. No Tribunal de Nuremberg e no Tribunal Penal Internacional para Ruanda, a teoria foi utilizada para responsabilizar líderes por crimes de guerra e genocídio. Contudo, aplicar esse modelo no Brasil, sem considerar as diferenças normativas, pode gerar distorções e injustiças.

7. Conclusão

A Teoria do Domínio do Fato não se encaixa na estrutura do direito penal brasileiro, que adota um modelo unitário de autoria. Seu uso deveria ser restrito à identificação de autores ocultos, sem flexibilizar o princípio da legalidade. A aplicação irrestrita da teoria compromete a segurança jurídica e pode levar a condenações sem provas concretas. Assim, seu uso deve ser complementar, não determinante para decisões judiciais.

8. Referências

·Claus Roxin, "Autoría y dominio del hecho en Derecho penal", Madrid: Marcial Pons, 1997. – Livre tradução;
·Hans Welzel, "Derecho Penal Alemán", Buenos Aires: Depalma, 1970. – Livre tradução;
·Günther Jakobs, "La imputación objetiva en el Derecho Penal", Madrid: Marcial Pons, 2003. – Livre tradução;
·Alaor Leite, "A Teoria do Domínio do Fato no Direito Penal Brasileiro", Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 26, n. 102, 2018;
·Luís Greco, Alaor Leite, Adriano Teixeira e Augusto Assis, "Autoria como Domínio do Fato", Marcial Pons, Coleção Direito Penal e Criminologia, 2014;
·Cláudio Brandão, “Teoria Jurídica do Crime”, 6ª edição, D’Plácido, 2022;
·Victor Trajano de Almeira Rodrigues, "Crimes empresariais e teoria do domínio do fato", 1ª edição, D’Plácido, 2023; e
·Supremo Tribunal Federal, "Ação Penal 470 (Mensalão)", Brasília: STF, 2012.

* ALLYSSON GREGORIO ALVES














-Advogado graduado pela Universidade Zumbi dos  Palmares (2018) ;
-Pós Graduando em direito penal e processo penal pela EPD;
-Atua na área do Direito Criminal;
-Integrante da comissão de direito criminal da OAB seção SP


Nota do Editor:

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