Jacinto Luigi de Morais Nogueira(*)
"Eu como do lixo, meu neto não"… dizia a comovente e envelhecida placa de madeira que o pedinte mostrava no semáforo fechado, às 7h de uma manhã de sexta-feira, em um mundo chamado "caminho do trabalho", na calorosa cidade de Fortaleza. Era um senhor que aparentava seus setenta anos, dono de um andar lento e um olhar triste. Esperou por aqueles vinte segundos do sinal vermelho a comoção de algum carro que desse uma esmola. Nada!
E segui num lapso de reflexão: como esta realidade persiste geração após geração?
Há quem diga que o Brasil é um lugar bom para se viver. Quem dirá que não? É humano! Adaptar-se a um ambiente, conhecer um sistema e tentar sobreviver a ele da melhor maneira possível… Quantas vezes escutamos razões, das mais bem elaboradas, que a gente usa para se manter na condição em que está? Eu mesmo. Inúmeras! E, veja, até dos mais iletrados escuto boas e inteligentes explicações para fazerem parte do sistema e defendê-lo. Imagine, então, um cidadão que estudou em boas escolas, concluiu com maestria sua faculdade de direito e, após mais estudos, se tornou o "poder judiciário" Quantos brilhantes argumentos este nobre ser terá para justificar o sistema brasileiro de hoje? Sugiro nem tentar contrariá-lo. Mas a matemática é simples: a resultante de toda a elite dos três poderes tem sido ineficiente para promover desenvolvimento e prosperidade duradouros nesta nossa nação.
Infelizmente virou normal convivermos com impunidade e abuso de poder. Quem combaterá os criminosos que roubam nossa democracia? A maioria de nós, trabalhadores, empreendedores, servidores, quer justiça de verdade e liberdade para ir e vir em segurança. No entanto, simplesmente isto não se realiza. Vida plena não existe no medo. Vou além, quem do alto do seu poder e vaidade reconhecerá que está no caminho errado e corrigirá sua rota? Ninguém, meu amigo leitor. Alguém espera que um ministro do STF admita que tem cometido abusos, apesar de toda as trágicas decisões politicas que temos testemunhado? Que força existe neste pobre Brasil para exigir que assim o façam? Seria a implacável força da cumplicidade e dependência dos outros poderes?
Sem uma justiça séria e imparcial seremos sempre uma sociedade subdesenvolvida. Somos sim, parte do problema… e da solução. Temos escolhido muito mal os representantes dos poderes que devem manter um País propício para as famílias se desenvolverem. Eleição após eleição temos perdido oportunidades de melhorar o sistema e prosperar como sociedade. Falta coragem! Falta honra! Falta livre escolha! Falta justiça! O silêncio da maioria vai sufocando os mais frágeis, mas a vida é dinâmica, e um dia chegará a todos os bairros. Pior, quem consegue andar tranquilo no seu bairro após às 19h? Ora, de dia já se testemunham assaltos e roubos, por vezes com violência proporcional à certeza da impunidade. Pessoas livres presas em casa? (Ainda.)
Instituições fortes, inclusivas e sérias são construídas por pessoas prósperas, livres e esclarecidas. Como nós temos contribuído para formarmos cidadãos autônomos e independentes e que possam integrar aquelas instituições honradas? Quantos adultos ainda não têm a coragem para quererem a verdade, apesar de tudo, e preferem a mentira que mais lhes agrada? O apego à mentira não seria uma culpa?
Volto para o mendigo do caminho do trabalho, que cada um de nós vivencia diariamente. Se fosse arriscar um nome pra ele, imaginaria algo como Jair Luiz Messias da Silva. Um nome meio incomum, mas que representa as oportunidades desperdiçadas que cada brasileiro tem de mudar sua realidade, e de mudar a vida dos filhos e netos, interferindo na vida de muitas outras pessoas que nem conhecemos. Por algum motivo desperdiçamos estas chances de mudar a própria vida, o próprio futuro e o das nossas famílias. Teimamos em ignorar as consequências de nossos atos e perdemos, até o fim, mais e mais momentos de humanidade. O contrafactual Luiz vive uma longa vida e agora luta, ou sempre lutou, da maneira que sabe, para alimentar seu neto.
Sempre haverá tempo para darmos um basta neste sistema que se alimenta de ilusão e pobreza. Comecemos já! Buscar a verdade apesar dos desafios. Recusar a fácil mentira que corrompe.
Finalizo com uma antiga reflexão, quiçá atual, de um velho amigo: "Quantas almas ainda precisam ser pisoteadas por vigaristas impunes no Brasil? A quem cabe ser desumano? À Justiça ou aos que cometem a injustiça? Incrivelmente esta resposta não é clara. Toda a nação clama por uma conduta decente das autoridades sobre a corrupção, e deparamo-nos, por vezes, com decisões mais politicamente confusas do que justas."
Reescrevo: quantas vidas ainda precisam ser destruídas por criminosos impunes no Brasil? Quem será responsável por tanto sofrimento e morte evitáveis? Quanto tempo ainda esperaremos? E quantas vidas ainda serão gravemente prejudicadas por infalíveis juízes, com questionáveis interpretações? Incrivelmente, no máximo, aposentados.
Sem coragem, compaixão, honra e humildade esqueceremos, mais uma vez, a fundamental busca da verdade. Nação frágil é o contrário de democracia e liberdade. Nação frágil é abuso de poder, é injustiça, e é pobreza com o inevitável subdesenvolvimento. Nação frágil é esta impunidade. E, não duvido, é capaz de alguém já ter sentenciado: "Justiça frouxa! Desconhecerão a verdade e a mentira os escravizará…"
*JACINTO LUIGI DE MORAIS NOGUEIRA
-Médico formado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (2003);
-Anestesiologista especializado no SANE-RS / Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul / IC-FUC.; e
- Profissional liberal.
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