quarta-feira, 30 de julho de 2025

Limites e garantias para o consumidor no cancelamento de passagens aéreas

@ Alexandre Henrique dos Santos

Introdução

À primeira vista, pode parecer um tema já consolidado ou de entendimento pacífico. No entanto, decidi escrever sobre a questão do cancelamento de passagens aéreas por iniciativa do consumidor a partir de uma experiência pessoal que me fez refletir sobre as dificuldades práticas que os passageiros ainda enfrentam para garantir um direito aparentemente assegurado pelo ordenamento jurídico.

Cerca de seis meses atrás, embarquei em uma viagem para a Itália com minha família e, por motivos particulares, precisei cancelar parte das passagens adquiridas. Realizei a solicitação com antecedência de aproximadamente 45 dias e, para minha surpresa, a companhia aérea insistiu em aplicar uma taxa de 30% do valor das passagens, ainda que o pacote adquirido previsse expressamente a possibilidade de cancelamento com reembolso integral. As justificativas fornecidas foram diversas e contraditórias: a cada novo contato, as informações mudavam, e os atendentes pareciam não seguir um critério objetivo.

Infelizmente, o caso não pôde ser resolvido administrativamente, e precisei recorrer ao Judiciário para assegurar o que, como advogado, considerava um direito inequívoco garantido pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Confesso que não me agradou a necessidade de ingressar com uma ação judicial, mesmo atuando em causa própria, pois sabia que a questão poderia ter sido solucionada de forma extrajudicial. Não pleiteei indenização por danos morais, apenas exigi o reembolso correto dos valores pagos. A decisão judicial confirmou a ilegalidade da retenção desproporcional e determinou a devolução integral das quantias devidas.

Diante dessa experiência, fiquei pensando: se eu, um advogado técnico e conhecedor da legislação, enfrentei dificuldades para fazer valer um direito claro e objetivo, imagine o consumidor comum, sem formação jurídica? Esse episódio reforçou minha percepção de que o tema, longe de estar plenamente resolvido, ainda exige debate, informação e conscientização.

A Relação de Consumo no Transporte Aéreo

No Brasil, o transporte aéreo internacional é regido por um conjunto de normas nacionais e internacionais. No plano interno, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) (Lei nº 8.078/90) confere proteção ampla ao passageiro, reconhecendo-o como parte vulnerável na relação contratual com a companhia aérea, que é enquadrada como fornecedora de serviços (art. 3º, § 2º, do CDC).

Além disso, as normas da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), especialmente a Resolução nº 400/2016, estabelecem regras específicas para o cancelamento de passagens. Em nível internacional, a Convenção de Montreal (1999) disciplina a responsabilidade das companhias aéreas, mas seu escopo principal está relacionado a extravio de bagagens e atrasos, não se aplicando diretamente ao cancelamento voluntário pelo passageiro.

Cancelamento da Passagem pelo Consumidor e o Direito ao Reembolso

Muitos consumidores não sabem, mas o Código Civil Brasileiro garante o direito ao cancelamento da passagem aérea com restituição do valor pago, salvo a aplicação de multa compensatória razoável. O artigo 740, caput, do Código Civil, dispõe que:

"O passageiro tem direito a rescindir o contrato de transporte antes de iniciada a viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor da passagem, desde que feita a comunicação ao transportador em tempo de ser renegociada."

Isso significa que, se o cancelamento ocorrer com antecedência suficiente para que a companhia aérea possa revender o bilhete, a retenção do valor pago não pode ser excessiva. A multa compensatória aplicada não pode ultrapassar 5% do valor da passagem, conforme previsto no §3º do mesmo artigo.

Portanto, cláusulas contratuais que estabeleçam a perda integral do valor pago ou a retenção de um percentual elevado são consideradas abusivas e passíveis de revisão pelo Poder Judiciário.

Cláusulas Abusivas e o Direito do Consumidor

Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso, resulta a conclusão de que é abusiva a retenção do preço das passagens ou a restituição de percentual mínimo, como aconteceu. Deve-se ter em vista o contido no artigo 6º, V, do CDC, que dispõe:

"São direitos básicos do consumidor: V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas."

Na mesma senda, restam violados os seguintes dispositivos do CDC:

Art. 39, V – Veda a exigência de vantagem manifestamente excessiva por parte do fornecedor;

 Art. 51, II – Considera nula a cláusula que retire do consumidor a opção de reembolso;

 Art. 51, IV – Proíbe obrigações iníquas e abusivas que violem a boa-fé contratual;e

 Art. 51, §1º, III – Presume-se exagerada a vantagem que se mostra excessivamente onerosa para o consumidor.

Além disso, a ANAC em sua Resolução 400/2016, permite que as companhias aéreas alterem ou cancelem voos sem penalização, desde que avisem os passageiros com 72 horas de antecedência. A mesma lógica deve ser aplicada ao consumidor que decide cancelar sua passagem dentro de um prazo razoável.

A Jurisprudência Brasileira Sobre o Tema

O entendimento dos tribunais tem sido favorável ao consumidor, reconhecendo a abusividade na retenção de valores elevados em casos de cancelamento com antecedência. Sentenças recentes determinam que a retenção deve ser proporcional e justificada, permitindo apenas a aplicação de multa razoável.

Em casos analisados pelo Judiciário, já se reconheceu que:


1.Se a companhia aérea teve tempo hábil para revender a passagem, a retenção de valores elevados é ilegal;
2.A aplicação de multas superiores a 5% do valor da passagem viola o artigo 740, §3º, do Código Civil; e
3.É dever da empresa reembolsar o passageiro de forma justa, sem enriquecimento ilícito.

Conclusão

O cancelamento de passagens aéreas por iniciativa do consumidor é um direito garantido pela legislação brasileira, sendo vedada a retenção abusiva de valores pagos. O consumidor que precisar desistir da viagem deve exigir o reembolso adequado, com dedução de multa limitada a 5%, salvo se houver justificativa concreta para uma penalidade maior.

O Poder Judiciário tem reafirmado a proteção ao passageiro, garantindo que cláusulas abusivas sejam anuladas e que as empresas aéreas cumpram seu dever de respeitar a boa-fé contratual. Assim, caso o consumidor se veja prejudicado, pode recorrer administrativamente via o canal do consumidor da empresa, ao Procon ou até mesmo ao Judiciário para exigir seus direitos.

Atualmente, o sistema Consumidor.gov tem se mostrado uma ferramenta célere e eficaz para a solução de conflitos entre consumidores e empresas prestadoras de serviços. A plataforma permite que os consumidores registrem reclamações de forma direta, obtendo respostas das companhias envolvidas de maneira mais ágil e transparente. Além disso, possibilita o acesso a documentos essenciais, como contratos, extratos e outros registros fundamentais para a comprovação da relação de consumo, proporcionando uma alternativa administrativa eficiente antes da judicialização do conflito.

A informação é a maior ferramenta de defesa do consumidor. Estar ciente dos seus direitos ao cancelar uma passagem aérea pode evitar prejuízos e garantir um tratamento mais justo na relação com as companhias aéreas.

 

ALEXANDRE HENRIQUE DOS SANTOS












-Advogado graduado pelo  Centro Universitário de Cascavel -  UNIVEL(2018);

-Pós Graduado em direito do Trabalho e direito Previdenciário no Centro Universitário de Cascavel -  UNIVEL  ( 2024);

 - Especialista em direito do Trabalho

- Sócio fundador do escritório Santos & Santos advogados associados. 

Rua Rio de Janeiro, 1887, sala 202, centro de Cascavel /PR (45) 9 8815-5793 - 

E-mail: ar.santosesantosadvs@gmail.com

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