segunda-feira, 21 de setembro de 2015

A verdade de cada um




Pode ser a gripe, que me abateu nos últimos dias e me alterou o humor, habitualmente otimista, mas ando meio descrente da humanidade. São tantos os dogmas, chavões, críticas e desrespeitos que a vontade que sinto é de hibernar uns mil anos, para ver se acordo em um planeta melhor, ou peço asilo à primeira nave espacial que tiver a péssima ideia de aparecer por aqui.

Guerras, indiferença, xenofobia, corrupção, trabalho escravo...tem de tudo, para todos os desgostos, em um mundo completamente diferente do sonhado pela minha ingênua geração, nos idos da década de 70. 

Não vou discutir aqui todos os casos e as soluções que a mim parecem as melhores, embora as tenha, em cada situação. De opiniões, as mais diversas, as redes estão cheias, o que anda me incomodando, muito, é a tranquilidade, para dizer o mínimo, com que todos se acham no direito de impô-la na página alheia. 

Ninguém se preocupa mais em ouvir, em perceber a verdade do outro. Um caso recente me impressionou profundamente. 

Conheço uma moça que herdou um casal de dobermans do pai e, inadvertidamente, se viu às voltas com uma ninhada de onze filhotinhos. Minha amiga não é rica, longe disso, e qualquer pessoa que goste de animais sabe que a gestação e o cuidado de onze cãezinhos sai muito caro. 

Obrigada a vender a ninhada para pagar a conta do veterinário, a dona dos cachorros, graças a Deus de raça pura, registrou a ninhada e anunciou a venda. 

Certa de haver encontrado a solução para um problema enorme, minha amiga achou foi o caminho certo para uma gastrite e noites insones. Bastou anunciar nas redes, para começar a receber mensagens raivosas de ambientalistas defendendo a doação, sem sequer ouvir os argumentos dela. Alguns ameaçaram ir até o endereço que, sem pensar muito, ela havia colocado no anúncio, para fazer manifestações diárias. 

Nenhum se ofereceu para ajudar a encontrar lares para os cachorrinhos, que crescem a olhos vistos em uma casa sem quintal. Ou a levar ração para ajudar nos gastos. Também não levaram em conta o fato da raça ser uma das mais estigmatizadas, com elevado índice de abandono entre adotantes. O importante é se fazer ouvir e impor. 

Minha amiga imediatamente retirou o anúncio, passou a anunciar de maneira reservada e está com filhotinhos espalhados pela casa, que já poderiam ter encontrado novos lares se pessoas tão “bem intencionadas” não tivessem resolvido interferir. 

Ah, a eterna hipocrisia humana, que chora a foto do pequeno morto na praia de Bodrum ao mesmo tempo em que ignora as crianças asfixiadas longe da vista, no caminhão frigorífico da estrada austríaca; que ameaça uma moça que tenta vender os filhotes de seus cães para não falir enquanto lhe vira as costas, ignorando o que virá depois; que julga o post do dono de um espaço nas redes com a sem-cerimônia de quem se acha em casa, ignorando que a face que expõe, tão cruamente, nada mais é do que o espelho de suas próprias incongruências e limitações. Melhor fariam se ouvissem mais, observassem mais, calassem mais. 

Quanto à ninhada, assim que me curar da gripe vou à casa deles, escolher e comprar o meu. Estava mesmo querendo um novo filhote. Os três cachorros que tenho em casa, todos adotados, já estão velhinhos, vão gostar de um bebê em casa.

Por BEATRIZ RAMOS












- Jornalista & Cronista - Brasília-DF

Um comentário:

  1. Bia, infelizmente vivemos num mundo dos "politicamente corretos", somos todos cidadãos de bem, antes e depois das reuniões de condomínios, na hora de estacionar nas vagas de idosos, na hora de furar a fila do banco, na hora de comer algum produto nas compras do supermercado(dx embalagens vazias entre as prateleiras, onde ninguém nos vê), e na hora de postar na web então em diversas redes, somos exímios "corajosos julgadores/as" da verdade...rsrsrrs #infelizmente é isso... quiça! quiça! não estejamos sozinhos...rsrsrrs Parabéns pelo texto

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