terça-feira, 1 de agosto de 2017

Compliance Anticorrupção


A humanidade compadece de um esgotamento, cada vez mais generalizado, da prática de corrupção às suas instituições e de suas consequências nefastas à sociedade como um todo. É sabido que esse tipo de conduta não é recente, entretanto, suas dimensões parecem ter expandido sobremaneira nas últimas décadas.

A Organização das Nações Unidas escolheu a data de 09 de dezembro como o dia internacional de combate à corrupção com fito de dar destaque para a necessidade de maior ética e integridade nas relações. Um instituto importante dessa vertente é o que se tem chamado de Compliance Anticorrupção.
Compliance (do inglês to comply) antes de mais nada significa agir de acordo com a lei e as normas. Sua aparente descomplicada terminologia precede um cuidadoso entendimento de métodos com fim de coibirem a prática da corrupção.

Por mais que pareça um novo mecanismo, haja vista os novos adeptos no Brasil, o Compliance surgiu primeiramente nos Estados Unidos, mais precisamente em 1977 em razão do ‘caso Watergate’ que culminou na renúncia do presidente Richard Nixon. Nesse episódio foi revelado um grande esquema de ‘caixa dois’ financiado para colheita ilícita de informações no Comitê do partido Democrático com o propósito de assegurar a vitória de Nixon na reeleição. Como corolário desse evento histórico sobreveio o Foreign Corrupt Practice Act (FCPA) tendo, como foco, o combate da corrupção de agentes públicos internacionais.
Desde então, o mundo já vivenciou inúmeros episódios que demonstram um momento de crise generalizada na ética. Destacam-se, dentre os diversos atores que exerceram função pública, recentemente, e foram condenados por corrupção passiva: a presidente Park Geun-hye, da Coreia do Sul, cuja Justiça aprovou seu impeachment sob a acusação de envolvimento com propinas envolvendo grandes grupos empresariais, incluindo a Samsung; no Brasil, o ex presidente Lula, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro envolvendo propina em contratos firmados entre a empreiteira OAS e a Petrobras a qual teria se beneficiado com um apartamento Triplex, no Guarujá. 

Por aqui, especialmente, a lista é extensa. Onde novo escândalo parece surgir a cada dia, acompanhar todos os casos se torna tarefa árdua e cansativa. A fila de alegações de envolvimento desse mesmo tipo de crime por tantos outros representantes e ex representantes do governo, de variados partidos políticos, é enorme e demonstra a urgência de uma mudança cultural mais ética.
Entretanto, apesar do FCPA ter sido o inspirador basilar da maioria das demais normas estrangeiras sobre o tema anticorrupção, essas só surgiram anos mais tarde, mais especificamente, na primeira década do século XXI, quando os países passaram a se comprometer mais com o referido tema, por passarem a reconhecer que a corrupção não tem como consequência apenas um público alvo, mas sim, um desiquilíbrio a todos, pois culmina na desigualdade de mercado, como, por exemplo, numa licitação fraudada, a qual prejudica toda a livre concorrência.

Assim, sobreveio, em 2010, o Uk Bribery Act e, no Brasil, a Lei  12.846 em 2013, posteriormente regularizada pelo Decreto 8.420/2015. Para melhor contextualizar a inserção da Lei  12.846/2013 no sistema normativo brasileiro, muitos tendem a compreendê-la como uma resposta às manifestações de rua de 2013. As manifestações daquele ano foram, de fato, muito significantes e de grandes proporções, provocando, por sua própria natureza reivindicatória, a reflexão geral da sociedade. Contudo, imaginar que ela, por si só, tenha desempenhado o papel de impulsionar a elaboração de uma Lei, é um entendimento um tanto quanto simplista.

A criação da Lei Anticorrupção estava estreitamente relacionada a compromissos assumidos pelo Brasil como membro de alguns tratados internacionais, dentre eles, da Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE). Esta impõe que seus membros regulamentem a questão criminalizando a conduta de corrupção de funcionários públicos estrangeiros, além de impor a necessidade de requisitos adequados de controles internos, contabilidade e auditoria.


Dessarte, o Brasil apresentou o Projeto de Lei nº 6.826 em 2010, sob análise na OCDE que visava atender essa demanda. Como de praxe, o “PL” se submete a todo um trâmite da Convenção da OCDE que consiste em monitoramentos, fiscalizações e avaliações sobre a implementação da “PL” no país. Assim sendo, a 3ª e última avaliação desse procedimento estava datada já para o ano de 2014, data na qual o país deveria demonstrar, dentre outros, o desenvolvimento e superação dos problemas apontados na avaliação realizada anteriormente, tarefa esta que fez o país apressar a aprovação da referida Lei.

Dessa maneira, o “PL” deu origem à Lei nº 12.846/2013, tendo por finalidade a responsabilização objetiva das pessoas jurídicas, passando o Decreto nº 8.420/2015 a disponibilizar os meios para concretizá-la.

Assim, o ordenamento brasileiro atual conta com uma poderosa norma que objetiva à integridade das empresas, impondo-lhes responsabilidade objetiva administrativa e civil pela prática de atos contra a administração pública nacional ou estrangeira. Vale ressaltar, ainda, que não há exclusão da responsabilização individual dos dirigentes ou administradores, conforme estabelece o Art. 3º da Lei nº 12.846/2013, em textual:
"Art.3° A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito."
Dentre as sanções administrativas previstas em face das empresas, além de não haver exclusão da obrigatoriedade de reparação integral do dano causado, há previsão de multa no valor de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo e publicação extraordinária da decisão condenatória.

No entanto, o Art 7º estabelece alguns parâmetros legais que são levados em consideração na aplicação da sanção, dentre eles:

" Art.7º ............................................................................VIII – a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica."
Logo, isso justifica a crescente corrida pela adoção de programas de compliance entre as grandes empresas com escopo de estabelecerem uma cultura preventiva de riscos e se protegerem de eventuais sanções. 

A um setor de compliance bem estruturado compete a criação de procedimentos como, por exemplo, a elaboração de um Risk Assessment sobre o funcionamento da empresa e atividades nela praticadas, assim como a atuação de seus agentes envolvidos.

Também incumbe ao setor de Compliance a implementação ou aprimoramento de um canal de denúncias efetivo e seu rigoroso acompanhamento, criação ou aperfeiçoamento de um Código de Conduta, treinamentos periódicos, além de diversas outras iniciativas que irão variar de acordo com a natureza, estrutura e porte da empresa.

Contudo, faz-se necessário a adoção de uma estrutura independente e autônoma, com o comprometimento verdadeiro da alta direção e não meramente “de fachada”. O Art. 41 do Decreto  8.420/2015 dispõe que o instituto consiste num "conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira".

Importante ter em mente que somente um programa bem estruturado será levado em conta quanto a sua efetividade em relação ao ato lesivo na busca pela mitigação das sanções impostas.

Portanto, desde que legitimamente criado, a empresa estará fomentando a tendência de um ambiente empresarial mais ético, quando empenhada no seu aprimoramento contínuo, pois em se tratando do tema corrupção já afirmava Montesquieu: "(...) É uma experiência eterna de que todos os homens com poder são tentados a abusar".

POR TAÍSA PEREIRA CARNEIRO










- Advogada atuante nas áreas dos Direitos Administrativo e Constitucional;
- Possui Especialização em Compliance(FGV- SP).


Nota do Editor:

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