domingo, 17 de setembro de 2017

Por que reduzimos e burocratizamos tanto o afeto?




Parece que vivemos diante de uma bifurcação o tempo todo. Ora desejo me livrar no outro como um efeito descarga sem perceber qual é a minha implicação no que acontece, ora o desejo tem um modo de se retroalimentar podendo expandir em relação , ou seja: aconteço ou não na vida? Como estou acontecendo e existindo nas relações ?

Buscando um pouco o que significa emoção ; Henri Bergson considera as emoções como "gestos ativos que reafirmam o próprio sentido da palavra, onde a emoção é um movimento, portanto, uma ação" . " Quando a emoção nos atravessa, a nossa alma se move" diz Georges Didi-Huberman. Assim como também para Jean-Paul Satre " A emoção é uma maneira de perceber o mundo". Como também para Friedrich Nietzsche a Emoção é uma fonte original que cuja força e importância se manifestam na arte, poesia, literatura meios de expressão onde nada é a verdade ou estático, a diferenciação sempre opera . O afeto não é um conceito em Freud, mas vários. Ele fala em afeto de diversos modos, em vários sentidos diferentes. Ora num sentido mais genérico como sinônimo de emoção e sentimento, ora como quantidade/quota de energia ou excitação, ora como processo de dispêndio de energia. Os afetos relacionam-se ao corpo, às pulsões e às representações e aparecem em toda sua obra. Além disso, para Freud era inquietante constatar que acontece com frequência que uma emoção nos tome, nos toque, sem que saibamos por que, nem exatamente o que ela é. “A emoção age sobre mim. Ela está em mim, mas fora de mim”.(George Didi Huberman ). Por fim Gilles Deleuze diz o seguinte: " A emoção não diz ‘eu’.[...] Estamos fora de nós mesmos. A emoção não é da ordem do eu, mas do evento. É muito difícil captar um evento, mas não creio que essa captura implique a primeira pessoa. Antes é preciso recorrer[...] á terceira pessoa, [pois] há mais intensidade na proposição 'ele ou ela’ sofrem que na proposição ‘eu’ sofro".

Dentro desse organismo ou sistema politico, social, econômico, cultural que existimos , fomos capturados de nossa natureza de acontecer na espontaneidade, que nos traz diversas maneiras, formas, modos singulares com força de agir com diversas intensidades que as adversidades da vida nos atravessam. O amor não tem a condição necessária para se criar quando nos apoiamos na perspectiva de uma forma estática e apolínia apoiada numa base de poder , reconhecimento, culpa e dívida que fomenta nossa subjetividade coletiva e individual ilusória, em detrimento de nossa natureza humana, que constata em todos os acontecimentos, que não somos indivíduos suspensos, mas sim seres em relação. Quando estamos presos em nossos buracos narcísicos, egóicos poderosos ou derrotados, ficamos submetidos por demandas, e a vida se automatiza bloqueando o acesso ao que sentimos , nos perdemos das emoções vindas de nossas naturezas , assim sendo, passamos a se vender ao sistema hierárquico de como se viver, passamos a nos apegar em modelos exatos, absolutos, idealizados, padronizados, possíveis, burocratizados, que roubam a potência de acontecer e diferenciarmos de nós mesmos e dos outros em nossas formas singulares e potentes de existir. Desta forma, a competição acaba sendo o meio de relação onde nos comparamos o tempo todo, movimento invejoso que nos limita de se criar no amor, mas sim na dependência utilitária, nos deixando fora de uma realidade de podermos nos afetar de múltiplas maneiras. Desta forma, negamos e recusamos o movimento da produção como criação de modificação e diferenciação que a potência da vida em nós nos traz e se faz o tempo todo.

Nesse sistema de relações que o mundo está vivendo em prol de uma ilusão que o poder nos traz segurança quando estamos apoiado na acumulação de pessoas, de bens estáticos, trazendo valores que camuflam as diferenças, são piramidais, onde vivemos a guerra politizada pela luta de classes em todos os âmbitos da vida. Nessa perspectiva, o afeto está preso na potência triste de um limite trazido pelo poder que não se compõe com as diversas maneiras de existir. Desta forma, nos tira a condição de um limiar que nos convida para o acontecimento, que nos traz duração no desejo intensivo e não em um desejo com finalidades. Estamos vivendo no esvaziamento do afeto quando esse está sob a condição da finalidade, portanto, quando não queremos despertar para outros modos de amar, se afetar, se construir, desejar, criar e acontecer na vida, mesmo que seja com as mesmas coisas de fora , mesmo que o sistema e o organismo opere no engessamento, o trabalho para não trairmos nossa natureza humana que acontece como afetivo e não comparativo de como se efetuar na vida, tem que operar com a força de criar linhas, maneiras de experimentar a vida fora dos modelos prontos, assim sendo: primeiramente, já que estamos imobilizados pelo sistema, a criação começa em como se relacionar diferentemente comigo mesmo, criar um outro modo de me olhar de me experimentar de acontecer de outros modos que os que percebo em hábitos , nos automatismo de como agimos na vida. Precisamos criar linhas de fuga ,experimentando outros modos de funcionar . Podendo assim se desapegar da esperança que faz com que acreditamos em uma mágica em que seremos felizes se encaixarmos exatamente o desejo com o objeto, e nessa crença em que vivemos, achando que o tempo todo, estamos na falta por esse encaixe ser um ideal afogado na forma, porque esse ideal é uma armadilha do sistema ou organismo que nos engana que ao desejo falta algo. Onde ao desejo não há falta quando está sob a perspectiva de potencia onde o desejo sempre gera desejo pois esse é o movimento de manutenção da vida, porém quando apoiamos nossos desejos em objetos e sujeitos, ou seja: com alguma finalidade, o afeto manipulado e burocratizado se apresenta e a falta será o que imperará para consumirmos modos de vida. Viramos marionetes de um circuito fechado e manipulado por um modelo de relacionamento que cria finalidades para existir dentro de um modelo com dinâmicas sistemáticas poderosas ou fracassadas, assim tirando nosso discernimento sobre o que desejamos, pois acreditamos que ao desejo exista qualquer necessidade de escolha tendo que eliminar ao invés de coexistir com tudo ao que acontece. Como se o vazio de objetivos estivesse na condição de ser lido por uma perspectiva do bem e do mal . Onde o bem e o mal já são finalidades que operam no esvaziamento da potencia de nos afetarmos ou amarmos em uma perspectiva horizontal ,que se constitui a partir de um horizonte sem finalidades, mas sim em um acontecimento de potência que é não se confundir com nossos estados mentais e corporais, mas sim na intensidade de como acontece. Poder estar fora dos estados que buscam finalidades e formas para que “o objeto” de desejo seja o meio de acontecer nas relações com tudo, e que não seja a finalidade do acontecimento, mas sim o evento. Quando encaramos o ‘Eu’ que nós acreditamos ser como preposto de poder delegado de funções sociais, politicas, econômicas e também que estamos operando em torno de uma subjetividade construída como modelo de como acontecer na vida de forma utilitária e descartável. Na medida em que nos afetamos pelos valores, objetivos, significações e linguagem do preposto ideal e poder, onde o ‘Eu ‘ tenho que ser uma função que agrega para existir ao invés de acontecer como força potente que emerge no meio de qualquer relação que permite a modificação da força de reação para de relação criativa que se diferencia o tempo todo não buscando possibilidades ou impossibilidades, mas sim a intensidade no como me relaciono, com o que acontece em mim no encontro com o fora que cria dentro e que cria fora... ,portanto, o afeto trazido pela espreita e não pela esperança, quando não controlamos as relações no poder que evoca a dívida e culpa , mas sim investimos em relações onde podemos nos surpreender com o acontecimento do encontro investindo na duração das variáveis do desejo de criação, movimento e diferenciação infinita, criamos o amor não adicto, prisioneiro e reduzido, mas sim o amor do movimento que nos coloca na vida ,nos tirando das confabulações, para nos colocar  na existência do acontecer afetivo.


POR FABIANA BENETTI













-Psicóloga, Psicanalista, Esquizoanalista e, Especialista em Psicossomática.
Consultório: Rua Barata Ribeiro 380 conj 115 Bela Vista São Paulo. Tel/what´s 11 985363035.

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