sábado, 4 de novembro de 2017

Sobre a precarização da educação



É inegável o estado precário da educação brasileira. O acesso ao ensino não é democrático, está sujeito ou às graças do capital ou à boa vontade de governantes, a quem pouco interessa um povo instruído. Frente a essa situação, o cidadão de classe média, que sonha em ter um filho doutor, um advogado na família ou, ao menos, ver seus descendentes desfrutando de melhores chances, é submetido à surreal meritocracia, que coloca em franca vantagem os alunos da rede privada com melhores condições econômicas. Perante essa situação, resta o questionamento: o que se pode fazer pela educação do país? O que resta ao estudante sem condições de bancar um estudo de primeira linha, em colégios elitistas?

O exame internacional do PISA aponta níveis extremamente baixos para a performance do aluno de quinze anos no Brasil, temos a média de 407 pontos frente à média mundial de 493. Nossas garotas em média superam os garotos em 23 pontos. Temos 51,0% de alunos de baixa performance (abaixo do nível 2 de proficiência em leitura) e apenas 1,4% de alunos de alta performance (acima do nível 5), a média do exame é de 20% e 8,4%, respectivamente.

Há no Brasil cerca de 8 milhões de alunos no ensino superior, dos quais mais de 75% estão matriculados em instituições privadas. 47% de todas as instituições superiores estão localizadas na região sudeste. São números da desigualdade onipresente na educação brasileira. O acesso à educação superior está condicionado aos processos seletivos que colocam em vantagem alunos de escolas particulares, basta observar a lista das 10 melhores instituições em resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de 2015 são privadas e com predomínio de público com perfil socioeconômico “muito alto”. 

Além disso, o modelo atual de educação privilegia o saber enciclopédico e meramente absorvido, característico da educação da idade industrial. Os indivíduos provenientes desse sistema de ensino são capacitados para resolver questões nas quais esses diversos saberes se aplicam. Não são, porém, adequados em questionar esses saberes e ir atrás de novos. Isso reflete a posição anticrítica adequada à formação de trabalhadores como rebanho porém imprópria à criação de cientistas, filósofos, sociólogos, enfim, cientistas de áreas que necessitem a arte do se questionar.

Pouca importância é dada, hoje, ao estudo da língua. O que poucos percebem, é que com a língua minguante, desaparecem, gradualmente, tudo o que nela foi construída, suas músicas, seus livros, seus falantes. Hoje, o que foi composto há cinquenta anos já é de muito difícil compreensão, nem se questione as velhas cantigas do rádio, os poemas, nossos grandes romances. Escritores, que, outrora, tornaram-se polêmicos por usar linguagem mais próxima do falado, como Lima Barreto, tornam-se ano a ano mais e mais próximos da linguagem culta. Com o descaso para com a língua portuguesa, tornamos restrita à nossa elite intelectual a nossa própria cultura.

Ainda como golpe de misericórdia à educação pública, a nova reforma apresentada pelo governo exclui de uma vez por todas o ensino de filosofia e sociologia, matérias cruciais ao desenvolvimento do pensamento crítico. Citando Maquiavel: “há três tipos de pessoas, os que pensam, os que são ensinados a pensar e os que não pensam” e complementa afirmando que o terceiro tipo não tem utilidade. Qual seria a utilidade para o governo de algo sem utilidade? Ora, toda! Justamente por não ser capaz de pensar criticamente, não questionará ações absurdas, consumirá políticos como consome um serviço. Bastará que lhe sejam oferecidas vantagens para que passivamente aceite as barbaridades que lhe sejam propostas.

Observando como alguém que assiste a um acontecimento incrédulo, concluo que estamos distantes de um ideal e andando em marcha-a-ré e se algo não for feito imediamente, no sentido de recriar a educação brasileira, em pouco tempo seremos uma nação de analfabetos. Por que, em vez de nos inspirarmos nos modelos de sucesso no mundo inteiro, temos que nos afundar em nossos próprios erros? Por que, em vez de investirmos em educação adequadamente, remuneramos como reis os funcionários de nosso sistema político? Justamente, por não termos tido uma educação voltada ao questionar, ao procurar, ao pesquisar e sim algo voltado ao saber enciclopédico que nos apassiva diante do conhecimento, que nos mantêm fiéis ao carrasco na iminência da morte, que nos mantêm obedientes ao poder impróprio, ao exercício político centrado no próprio umbigo de nossos governantes.

POR MÔNICA FALCÃO PESSOA













- Professora Universitária de Português e de Literatura Brasileira, formada pelo Mackenzie;
- Mestre e Comunicação e Semiótica pela PUC/SP;
- Tutora em programas de leitura como "Quem Lê Sabe Por Quê".

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