segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Culpa



Edite criou os filhos para serem amigos e respeitosos, acreditava que irmãos cresciam, tornavam-se amigos e zelosos e que desentendimentos aconteceriam por bobagens enquanto imaturos. 

Ficara viúva por volta dos quarenta anos e dedicou-se a educá-los de maneira que a falta do pai não lhe tiraria a competência de fazê-lo e na certeza que filhos bem-criados seriam pessoas bem-sucedidas e resolvidas, certamente, sua própria felicidade e paz viria dessa constatação e expectativa. 

Teve quatro filhos: Miriam que tinha uma personalidade forte e casada com Júlio um homem pacato, Irene uma pessoa tranquila, casada com José e de temperamento um pouco mais exacerbado, Carlos Eduardo, músico, morava fora do país e sem muito contato com a família. Luiz Augusto, sem trabalho, era o mais introvertido, morava com a mãe e muito carinhoso com ela. 

Miriam e José divergiam nos pensamentos e muitas vezes se estressavam, cada um queria que sua opinião prevalecesse. 

Uma tarde de sábado, Miriam foi visitar Irene para desabafar sobre uma decisão que havia tomado. 

- Meu casamento não está muito firme e tenho pensado muito em me divorciar, mas sei que nossa mãe pode sofrer com isso por tantos cuidados que ela tem com nossa família e resolvi lhe contar antes. 

- Penso minha irmã, respondeu Irene, que vocês não estão casados há muito tempo e quanto mais você deixar, mais difícil será tomar uma decisão. 

Enquanto conversavam, José chegou e se inteirou de tudo, torceu o nariz e com ironia comentou: 

- Um cara tão pacato, não poderia dar certo com uma mulher como você que está sempre querendo que tudo seja do seu jeito, evidente que ele deverá ficar aliviado quando souber da sua intenção. 

- Acontece caro José, que minha irmãzinha, tão serena, está casada com um truculento como você. Cuidado, vai saber se o desejo dela não é aliviar-se também... 

Irritado com essa conversa, entraram numa discussão mais ofensiva e Miriam saiu batendo a porta, totalmente descontrolada. 

Ao chegar em casa, descontou tudo no marido e foi pra cama decidida a falar com Júlio e não adiantaria a mãe querer lhe chantagear emocionalmente. Assim o fez. 

- Minha mãe, faz tempo que estou tentando resolver um problema que estou passando no meu casamento e, já conversei com Júlio e pedi o divórcio. Saiba que seu genro quando fui pedir opinião para Irene se meteu na conversa, foi grosseiro comigo e não quero mais relacionamento com esse sujeito e nem com minha irmã que não fez nada para me defender diante da grosseria dele. 

- Miriam querida, respondeu Edite, não se resolve os momentos mais difíceis da vida com impulsividade e com a emoção aflorada. Seu marido é bom e sua irmã talvez nem tivesse tempo para reagir a seu favor. Não faça isso, pense melhor, família não pode ser destruída por motivos banais. 

- Mãe! Banal é como você age, se você encarasse mais a realidade a Irene não teria se casado com aquele “bruta monte” que destrata sua filhinha que você criou como uma bonequinha de cristal. 

- Edite recolheu-se para seu aposento com o coração partido e, inconformada ficou pensando nas palavras da filha e achando-se culpada de toda desavença entre eles e essa desavença, perdurou por dez anos e com ele todo sofrimento de Edite. 

Ao longo desse tempo, Carlos Eduardo firmou sua carreira como músico e fazia turnês pelos países afora, comunicava-se com a mãe pelas redes sociais e não se abalava com os problemas da família. 

Luiz Augusto foi morar com uma moça que conhecera e poucas vezes visitava a mãe, era pouco presente na vida dela. 

Certo dia Edite recebeu Irene e o marido em casa para anunciar a chegada do primeiro netinho. Ficou muito feliz por isso, mas, resolveu ter uma conversa com os dois. 

- Meus queridos, agora que serão pais, saberão como é difícil ver irmãos separados e como uma mãe fica com o coração despedaçado e em nome dessa criança que vem como uma bênção peço-lhes então que reconciliem com Miriam para que esse bebê quando nascer estejam todos na paz. 

Envolvidos pela emoção, reconheceram as palavras de Edite como certas e resolveram procurar Miriam que entendeu a situação e reataram o relacionamento. 

A felicidade dessa mãe retomou seu lugar, afinal, vendo seus filhos felizes trouxe a realização e sossego para ela. Sofreu, mas, conseguiu a conciliação.

Na época de eleição, novamente divergindo de opiniões, Miriam e José discutiram novamente, entraram em conflito e não se falaram mais, trazendo novamente a desestabilização da família e, como sempre, nenhum irmão tomou partido e seguiram cada um com suas vidas e indiferentes. 

Passados cinco anos, Edite checou sua saúde e estava tudo bem, só não entendia uma agonia, espécie de angústia que lhe parecia ser um nó no peito que a acompanhava dia e noite. Refletiu bem sobre isso, entendeu que lhe faltava a competência de unir a família, acreditava que se os filhos estavam distantes uns dos outros, era por falta de iniciativa dela por não ter reaproximado os filhos e que esse era seu papel. 

Enviou então, uma mensagem para todos:

- Meus filhos e família querida! Aproximando-se de completar meus setenta e cinco anos, gostaria de marcar uma celebração desta data e aproveitar para comemorar. Ficarei feliz se puderem estar presentes e deixo a data em aberto para que eu possa abraçá-los no melhor momento para todos. 

Reconheceram que seria importante esse encontro para a mãe e que valeria agradá-la, pois a certeza de estarem juntos tão logo, seria bem difícil. Marcaram a data. 

Edite organizou comes e bebes, decoração bonita e músicas alegres para recebê-los e soubessem o lugar que cada um ocupava em seu coração. 

Todos compareceram. Alguns alegremente, outros quase que sem conversar e aqueles que há tempos não se falavam, respeitaram a mãe, mas mal se olhavam. 

Edite então lhes dirigiu algumas palavras: 

- Filhos, filhas, genros, noras e netos. Esse encontro é um desejo que tenho acalentado nos últimos anos e me sinto feliz por tê-lo realizado com êxito. Perdoem-me se errei em algum momento na edificação dessa família, mas, tenho certeza que vocês trilharão seus caminhos sempre unidos. Não deixem o orgulho, a melancolia, o desamor invadir vocês e que a discórdia não derrube implacavelmente o sonho belo do cônjuge que cada um escolheu e cuidem bem dos filhos que tiveram que é o que irá garantir a continuidade de vocês. 

- Sei que o tempo um dia terminará para mim, porém, enquanto estiver aqui, essa família estará de pé com a certeza que eu os criei bem. Olhou atentamente para cada um e pode sentir que suas palavras ecoavam como a onda que vem de longe, sacode num vai e vem e segue sem eira nem beira... 

Um sentimento a inebriou com uma sensação que não era tristeza e nem se parecia com alegria, derramou lágrimas e sentiu o desamor e com o coração apertado e com melancolia pensou ter falhado na criação dos filhos e, subitamente teve um infarto. Era o fim! 

Todos se desesperaram e buscaram por socorro.

A ambulância chegou e a levou rapidamente para a emergência. Na recepção todos se abraçaram comovidos choraram e pediram perdão uns aos outros. 

A família se reconciliou novamente e estão juntos até hoje, reconhecem serem culpados por essa morte e, Edite morreu sentindo-se culpada por essas vidas. 

Tantas emoções acumuladas a levaram à morte? Ou, a decepção do frio e duro reencontro a desapontou e o coração não aguentou? 

A família agora que ela não vive mais, está em harmonia e unidos, mas, sentem o peso da culpa. 

Edite viveu a dor e a angústia de ter perdido o marido tão cedo e essa dor invadiu sua alma e entregou-se à melancolia e à solidão que tentava curar apostando na felicidade dos filhos, pois não acreditava mais na sua e sem medir consequências, entregou-se a esse roteiro de ser feliz através dos filhos. 

Cada filho segue seu caminho, mas, não precisa do carimbo de mãe para ser feliz e a família nem sempre precisa seguir juntos eternamente, mas, respeitar o jeito de cada um e aproveitar cada um o seu tempo. 

Heroína é a morte que te leva quando a dor está insuportável e deixa em paz aqueles que compreenderão a trama da vida até se libertarem de suas culpas. 

POR GENHA AUGA













-Bacharel em Comunicação Social, com Habilitação em Jornalismo Impresso -(MTB: 15.320);
-Cronista do Jornal online “Gazeta Valeparaibana” - desde fevereiro de 2012;e
-Direção Geral da Trupe de Teatro “Seminovos” – Sede de ensaios no Teatro João Caetano de São Paulo (Secretaria Municipal de Cultura-Prefeitura de São Paulo) – autora de textos e roteiro - desde 2015 com apresentações em Teatros, CEUs, Saraus, Hospitais, Escolas, Residenciais para Idosos, Centros de Convivências, Eventos, Instituições de Apoio às Crianças Especiais.

Nota do Editor:


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5 comentários:

  1. A vida é um fio ...que forma uma teia, infelizmente unir e fortalecer essa teia é impossível nessa conjuntura moderna.

    Minha bisa dizia:
    Se querem fazer algo por mim, facam-no enquanto eu estiver viva...

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    1. Infelizmente nos tempos modernos nem se faz e mal se falam.

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  2. Excelente texto muito proprio para o momemto

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  3. Que uma vida depende de varias vidas para acontecer.Muito bom o texto

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