domingo, 18 de novembro de 2018

Psicanalista & Artista: Entre a Clínica do Ato ao Ato



Precisa-se de artistas!!! Dizia o letrário que o palco habitava. Era uma convocação, para um teatro....só que....MAMBEMBE[1]...ordinário, de pouco valor, um grupo de teatro volante - isso está no dicionário, mas, há tantos outros significantes, construindo significados que podem advir da palavra MAMBEMBE....

MAMBEMBE – é repetição sonora, sintática musical, ...insistente e persistente, no ato em ato, então, pergunto: Não seria esse o ofício de um analista?

Nosso ofício é MAMBEMBE, "mambembeamos" todos os dia, escutamos em nossos consultórios as desavenças, os amores, as dores, os ciúmes, as paixões transgressoras, as mortes, os lutos, o sexo, a droga, o rock in roll;... se escutamos isso e sustentamos isso, esse isso faz toda diferença.

O teatro MAMBEMBE precisava de artistas....; o século XXI precisa de psicanalistas! 

Se andam dizendo por aí que nosso ofício irá acabar, só acabará se nós deixarmos, Freud em Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise (1912) já alertou que todo o tratamento caminha com a transferência e contra-transferência, mas Lacan em sua aula de 17 de janeiro de 1968, Lição 6 do Ato Analítico, nos aprimora, ao dizer: 

"O ato psicanalítico, nós o propomos como consistindo em suportar a transferência. Nós não dizemos quem suporta, quem faz o ato; o psicanalista, então, implicitamente. Essa transferência que seria uma pura e simples obscenidade, eu diria, redobramento de baboseiras se não lhe restituíssemos seu verdadeiro nó, na sua função suposto saber. (p. 89)."

O analista no seu lugar de função...isso inquieta a pensar, questionar, o que podemos chamar, denominar, nomear de função? O analista em sua função suposto saber. 

Quem sabe é o analisante, mas, enquanto o analisante não sabe, operamos. E operamos com quem? De que forma? Somos Mambembe ou não??? Nesse mesmo seminário, na aula 7, Lacan então alerta que a resistência, está ao lado do analista: "A resistência do psicanalista, nessa estruturação manifesta-se em algo que é inteiramente constitutivo da relação analítica, é que ele se recusa ao ato" (p.107)

E quem é esse analista? Um artista! Um artista em eterna Flor da Idade nos Bastidores. 

Por isso que nos BASTIDORES, "Chorei, Chorei, Até ficar com dó de mim" – eis um horror de uma análise que todos nós temos, devemos e precisamos passar para nos tornarmos analistas. Primeiro a gente "canta, canta e pensa como é cruel cantar assim...." até conseguir... "cantar, cantar e jamais cantar tão lindo assim...." e embora... "os homens possam pedir bis, bêbados e febris a se rasgar por mim"...Chico Buarque tem razão;...embora todo esse percurso, ele termina Bastidores dizendo..."Chorei, Chorei, até ficar com dó de mim"...é um eterno vai – volta, tece – costura, corta, re-corta, voltando sempre a um re-começo, e assim nos disse Lacan (1968):

"Todo psicanalista o sabe, e, finalmente, isso acaba sendo sabido até mesmo pelos que não se aproximam de seu campo. O analista é aquele que rodeia toda uma zona, que, freqüentemente, será chamado pelo paciente à intervenção, enquanto ato, e não apenas à medida que possa ser chamado ocasionalmente, a tomar partido, a estar ao lado de seu paciente com relação a um próximo ou qualquer outro que seja, ou até, simplesmente, a fazer essa espécie de ato, que é, de fato exatamente um, que consiste em intervir por uma aprovação ou, ao contrário, em aconselhar; é isso precisamente, o que a estrutura psicanalítica deixa em branco.(p.107) 
E talvez seja, porque, na FLOR DA IDADE de um Teatro Mambembe, 90 minutos passam mais parecendo 90 segundos....e se posterga um pouco, nos faz desejar mais e mais....a companhia encontra seus artistas, monta seu espetáculo e a cena em ato, nos faz lembrar o nosso ato em sermos analistas! 

Nossas sessão são 45 minutos? 45 + 45 = 90 que passam voando e se posterga para além dos 45 minutos. Que também é um tempo de jogo, aonde também, assim como no teatro – to play, há no jogo da vida um talking to play, para quem sabe talvez um dia nos levar um talking cure. E o que é a cura?

Tecendo uma metáfora;...no queijo há um tempo de cura, no vinho há também o tempo de cura, nos fez refletir: E esse tempo de cura em uma análise?

Voltemos a Freud (1914):

"Isso é a cura pelo amor, que via de regra prefere a cura analítica. De fato, ele não pode crer em outro mecanismo de cura, em geral leva a expectativa do mesmo para o tratamento e a dirige à pessoa do médico. Naturalmente a incapacidade de amar do paciente, devido a suas extensas repressões, é um empecilho a esse plano de cura. Se com o tratamento nós a reduzimos até certo grau, é freqüente o resultado inesperado de que o paciente se furte a comunicação do tratamento, para fazer a escolha de um amor e confiar o restabelecimento posterior à convivência da pessoa amada. Poderíamos ficar satisfeitos com essa saída, se ela não trouxesse todos os perigos de uma opressiva dependência de tal salvador." (p. 49 – 50)

E nesses mais de 100 anos que se passaram, talvez, não sei se tenhamos uma cura, SALVAR – UMA DOR = SALVADOR, eis uma missão impossível, mas Chico Buarque nos deu uma possível saída, que nada mais é que um ato analítico quando bem realizado:

"Carlos amava Dora que amava Lia que amava Léa que amava Paulo que amava Juca que amava Dora que amava Carlos amava Dora que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava Carlos amava Dora que amava Pedro que amava tanto que amava a filha que amava Carlos que amava Dora que amava toda a quadrilha."
E assim o espetáculo acaba...deixando o sujeito na falta, no desejo, no ato do ato...ao amor....ainda que seja....um amor....que possa não ser único, porque DORA? AMAVA TODA A QUADRILHA!!!! ...ainda que Dora pague o preço por amar.... 

Bibliografia :

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 1986, p.1074; 

FREUD, Sigmund. Introdução ao Narcisismo (1914). In Obras Completas de S. Freud; ;

FREUD, Sigmund. Recomendações aos médicos que exercem a Psicanálise. In Obras Completas de S.Freud;

LACAN, Jacques. Lição 6. – 17 de janeiro de 1968 In O Ato analítico;

LACAN, Jacques. Lição 7. – 24 de janeiro de 1968 In O Ato analítico; e

MOLLER & BOTELHO. Catálago do Musical – Todos os Musicais de CHICO BUARQUE em 90 minutos, Rio de Janeiro, fevereiro de 2014 – São Paulo, agosto de 2014.

Citação

[1] 1.Lugar afastado, ermo. 

POR CLARISSA LAGO














-Psicanalista; 
-Graduada em Psicologia pela Universidade Salvador (UNIFACS);
Graduada em Pedagogia - Licenciatura Plena e Habilitação em Educação Orientação Educacional & Vocacional pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL);
-Mestre em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA); e
-Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL) 
-Atualmente é Aluna Especial do PPGAC (Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas/UFBA), exerce o ofício de psicanalista e supervisora clinica em psicanálise no consultório particular.
Twitter: @LagoClarissa
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Consultório: 71 3354-9162

Nota do Editor:


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