terça-feira, 14 de julho de 2020

Considerações sobre o Estupro de Vulnerável



Autor: Sergio Luiz Pereira Leite(*)


Em recente artigo aqui publicado, falei sobre os crimes hediondos, asseverando naquela oportunidade e enfatizando isso agora, que os crimes com essa designação são aqueles considerados mais cruéis para e pela a sociedade.

 O CONCEITO DE VULNERÁVEL

Pois bem, o estupro de vulnerável é um desses crimes que a sociedade abomina, vê nele uma repulsividade muito grande e a legislação penal, sempre atenta aos clamores populares, fê-lo inserir nessa categoria.

Em primeiro lugar e para a melhor compreensão do tema, cumpre definir o que é vulnerável.

Vulnerável é algo ou alguém que esta suscetível a ser ferido, ofendido ou tocadoVulnerável significa uma pessoa frágil e incapaz de algum ato. O termo é geralmente atribuído a mulheres, crianças e idosos, que possuem maior fragilidade perante outros grupos da sociedade.

Na sociedade, um indivíduo vulnerável é aquele que possui condições sociais, culturais, políticas, étnicas, econômicas, educacionais e de saúde diferente de outras pessoas, o que resulta em uma situação desigual. O fato de existirem indivíduos em uma situação vulnerável faz com que exista uma desigualdade na sociedade.

Vulnerável é um termo que também está presente no direito penal brasileiro relacionado ao estupro. Estupro de vulnerável é um crime que consta no Código Penal e designa um tipo de violência ao indivíduo vulnerável, por exemplo, crianças e idosos.

A FIGURA PENAL PUNÍVEL

Na seara do Direito Penal e, em especial no estupro, o apenamento aos crimes praticados contra tais pessoas, está incluído no artigo 217 A da legislação substantiva penal, que diz:

"ARTIGO 217 A -  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
§ 2º (VETADO)
§ 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4º Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos."
Pela leitura da norma acima descrita, advinda com a promulgação da Lei de número 12.051/2009, se percebe que ela enquadra como vulnerável não somente a pessoa menor de 18 anos, mas também quando essa prática criminal envolve vítima portadora de enfermidade ou deficiência mental.

Se da ação resulta lesão corporal de natureza grave, o agente se submete a uma pena de reclusão de 10 a vinte anos e, se da ação delitiva resultar a morte da vítima, a pena reclusiva será fixada em um mínimo de 12 e máximo de 30 anos. 

A JURISPRUDÊNCIA

A jurisprudência, desde a edição da lei nº 12.051/2009, sempre puniu, de forma rigorosa, mas dentro dos limites legais, o infrator que cometeu um crime dessa espécie.

Esse é o entendimento da jurisprudência pacificada no STJ sobre o tema, como ficou estabelecido em recurso repetitivo julgado em agosto de 2015 na Terceira Seção, sob relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz (Tema 918).

Naquele julgamento, foi consignado que, "para a caracterização do crime de estupro de vulnerável previsto no artigo 217-A, caput, do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos".

O repetitivo foi ainda um dos precedentes que deram origem à Súmula 593, publicada no Diário da Justiça Eletrônico em novembro de 2017, segundo a qual "o crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente".

A título de informação e para os leigos, as súmulas sintetizam o resumo de entendimentos consolidados nos julgamentos do tribunal e servem de orientação a toda a comunidade jurídica sobre a jurisprudência firmada pelo STJ, que tem a missão constitucional de unificar a interpretação das leis federais. Nesse mesmo diapasão se elencam inúmeros julgados, um dos quais me permito transcrever a ementa, assim expressa, verbis:
"[…] 1. A literalidade da Lei Penal em vigor denota clara intenção do Legislador de proteger a liberdade sexual do menor de catorze anos, infligindo um dever geral de abstenção, porquanto se trata de pessoa que ainda não atingiu a maturidade necessária para assumir todas as consequências de suas ações. Não é por outra razão que o Novo Código Civil Brasileiro, aliás, considera absolutamente incapazes para exercer os atos da vida civil os menores de dezesseis anos, proibidos de se casarem, senão com autorização de seus representantes legais (art. 3.º, inciso I; e art. 1517). A Lei Penal, por sua vez, leva em especial consideração o incompleto desenvolvimento físico e psíquico do jovem menor de quatorze anos, para impor um limite objetivo para o reconhecimento da voluntariedade do ato sexual. 2. A presunção de violência nos crimes contra os costumes cometidos contra menores de 14 anos, prevista na antiga redação do art. 224, alínea a, do Código Penal, possui caráter absoluto, pois constitui critério objetivo para se verificar a ausência de condições de anuir com o ato sexual. Não pode, por isso, ser relativizada diante de situações como de um inválido consentimento da vítima; eventual experiência sexual anterior; tampouco o relacionamento amoroso entre o agente e a vítima. 3. O Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento ‘quanto a ser absoluta a presunção de violência nos casos de estupro contra menor de catorze anos nos crimes cometidos antes da vigência da Lei 12.015/09, a obstar a pretensa relativização da violência presumida". (HC 105558, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 22/05/2012, DJe de 12/06/2012). […]" (EREsp 1152864 SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/02/2014, DJe 01/04/2014).
Com estas anotações, percebemos o quão grave e repulsivo para a sociedade é o crime em análise, não sem razão inserido nos crimes ditos hediondos. Devemos ainda considerar que expressivo número de delitos desse naipe são praticados em ambiente familiar á vítima.

*SERGIO LUIZ PEREIRA LEITE


 -Advogado militante nas áreas cível e criminal na Comarca de Tietê, Estado de São Paulo.

 Nota do Editor:

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