quarta-feira, 10 de agosto de 2022

O dano moral oriundo da interrupção do fornecimento de água


 Autor: Rômulo Ovando(*)

Inicialmente, para a análise do assunto proposto, necessário esclarecer a natureza da relação jurídica existente entre os consumidores e as empresas concessionárias do serviço público, tendo em vista as peculiaridades inerentes à incidência da legislação consumerista.

Assim, em análise ao artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor, que conceitua o fornecedor para todos os efeitos legais, torna-se evidente que as concessionárias enquadram-se perfeitamente neste conceito, vez que se configuram como pessoas jurídicas, de caráter privado, desenvolvendo atividade de prestação de serviços públicos, de forma a atender às necessidades dos consumidores.

Por outro lado, há a figura dos consumidores, devidamente preceituada no artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor, como aqueles que buscam contratar os serviços como destinatários finais.

Feitas essas considerações, pertinente destacar que o fornecimento de água corrente é um serviço público de natureza essencial, e por isso, deve ser prestado de forma contínua. Tal assertiva não decorre de uma simples manifestação volitiva, mas de imposição legal, nos termos do artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:
"Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código. (Grifo nosso).
Com o advento da Constituição Federal de 1988, o princípio da dignidade da pessoa humana e do bem estar social elevaram-se à categoria de princípios constitucionais (art. 1º, inciso III e art. 193), de forma que o serviço de fornecimento de água, em sendo essencial e de obrigatória prestação pela concessionária de serviço público, não pode ser suspenso ou interrompido, porquanto, em sendo obrigatório, não pode suprimi-lo sem motivo justificável.

Nessa conjuntura, a suspensão ou interrupção no fornecimento de água potável pode configurar meio de coação abusivo, independentemente do motivo que porventura possa ser apresentado pela concessionária do serviço, além de se mostrar ilegal, injusto e irrazoável, visto que a água potável é, na atualidade, um bem essencial à população, tanto humana como animal, constituindo-se serviço público indispensável, subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção.

E neste ponto, imprescindível a observação para anotar que a concessionária do serviço público tem a prerrogativa de suspender ou interromper o fornecimento de água, principalmente quando há inadimplência do consumidor, todavia, ela não é absoluta, de maneira que deve ser utilizada com parcimônia diante das peculiaridades do caso.

Atualmente, a suspensão ou interrupção no fornecimento de água pode ser considerada ainda mais grave, pois, como é sabido, a manutenção desse serviço básico torna-se essencial e indispensável para o enfrentamento da pandemia, em especial, quando a grande maioria da população tem a sua mobilidade afetada ao permanecer cumprindo isolamento social para evitar a propagação do coronavírus (COVID-19).

Com efeito, o cidadão usuário dos serviços encontra-se em posição de inferioridade em relação às concessionárias do serviço público, vez que não possui alternativas para suprir a suspensão ou interrupção do serviço essencial de água, situação que denota uma das vertentes da hipossuficiência do consumidor protegida pela Legislação Consumerista.

Dessarte, de acordo com a legislação aplicável à espécie (art. 37, § 6º, CF/88; art. 14, CDC), a concessionária de serviço público possui responsabilidade civil objetiva, ou seja, para a configuração do dever de indenizar, basta que o consumidor comprove a conduta, seja ela dolosa ou culposa, o dano e o liame entre estes elementos (nexo causal).

Paralelamente, convém consignar que, na hipótese de suspensão ou interrupção injustificada do serviço contínuo de água, a jurisprudência e os fundamentos jurídicos possuem a inteligência de abranger que o prejuízo moral que o consumidor alega ter sofrido, é provado in re ipsa, ou seja, pela força dos próprios fatos, desnecessário, portanto, produção probatória no que tocante ao dano moral.

Dessa forma, pode-se concluir que a suspensão ou interrupção imotivada no fornecimento de água ao consumidor pode ser consubstanciada como uma falha na prestação de seus serviços, de modo que trata-se de um ato ilícito hábil a ensejar a reparação por danos morais decorrentes de todos os transtornos porventura ocasionados.

*RÔMULO GUSTAVO MORAES OVANDO


























-Graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Católica Dom Bosco (2012); 
-Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus (2014);
-Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Direito/SP(2015);
-Especialista em Direito Médico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito/SP (2016);
-Mestrado em Desenvolvimento Local pela Universidade Católica Dom Bosco (2019);
Doutorando em Direito pelo Centro Universitário de Brasília - UniCeub;
-Advogado no Escritório Moraes Ovando Advogados; e
-Professor Universitário na Universidade Católica Dom Bosco.
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Contatos: 67 99238 5742/ 67 3382 0663
E-mail: romuloovando@hotmail.com

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