terça-feira, 9 de agosto de 2022

Os Reflexos do Decreto nº 11.075/2022 na Política Ambiental do Brasil


Autora: Verine Veiga (*)



Este artigo tem como objetivo central fazer uma análise do Decreto nº 11.075 de 2022, que estabelece os procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas a que se refere o parágrafo único da lei número 12.187/2009, e institui o Sinare. (art. 1º do Decreto nº 11.075/2022).

O artigo 2º do Decreto nº 11.075, categoriza de forma explicativa, quais são os créditos, compensações, contribuições, agentes setoriais, mensuração, meta de emissão, mitigação, padrão de certificação do SINARE, unidade de estoque de carbono, e por fim, os Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas:
"Para fins do disposto neste Decreto, consideram-se:
I. Crédito de Carbono- ativo financeiro, ambiental, transferível e representativo de redução ou remoção de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente, que tenha sido reconhecido e emitido como crédito no mercado voluntário ou regulado;
II. Crédito de metano- ativo financeiro, ambiental, transferível e representativo de redução ou remoção de uma tonelada de metano, que tenha sido reconhecido e emitido como crédito no mercado voluntario ou regulado;
III. Crédito certificado de redução de emissões – crédito de carbono que tenha sido registrado no SINARE;
IV. Compensação de emissões de gases de efeito estufa- mecanismo pelo qual a pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, compensa emissões de gases de efeito estufa geradas em decorrência de suas atividades, por meio de suas próprias remoções contabilizadas em seu inventario de gases de efeito estufa ou mediante aquisição e efetiva aposentadoria de crédito certificado de reduções de emissões;
V. Contribuições Nacionalmente Determinadas –NDC- compromisso assumido internacionalmente por signatário ao Acordo de Paris para colaborar com o objetivo de limitar o aumento da temperatura global, a ser atingido pelo setor publico, nas esferas, e pelo setor privado;
VI. Agentes setoriais- integrantes dos setores a que se refere o parágrafo único do art. 11 parágrafo único da Lei nº 12.187/2009;
VII. Mensuração, relato e verificação- diretrizes e procedimentos para o monitoramento, a quantificação, a contabilização e a divulgação, de forma padronizada, acurada e verificada, das emissões de gases de efeito estufa de uma nova atividade ou projeto passível de certificação;
VIII. Meta de emissão de gases de efeito estufa- meta de emissão de gases de efeito estufa estabelecida nos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas;
IX. Mitigação- mudanças e substituições tecnológicas ou medidas que reduzam o uso dos recursos e as emissões de gases de efeito estufa por unidade de produção e que promovam o aumento dos sumidouros;
X. Padrão de certificação do Sinare- conjunto de regras com critérios mínimos para monitorar, reportar e verificar as emissões ou reduções de gases de efeito estufa aceitas para registro no Sinare;
XI. Unidade de estoque de Carbono- ativo financeiro, ambiental, transferível e representativo na manutenção ou estocagem de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente, assim comprometidos todos os meios de deposito de carbono, exceto em gases de efeito estufa, presentes na atmosfera; e
XII. Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas- instrumentos setoriais de planejamento governamental para o cumprimento das metas climáticas. (BRASIL, 2022)."
Deste modo, o mercado de carbono foi concebido como uma solução para frear as emissões de gases do efeito estufa, implementando o Princípio do Poluidor Pagador, sendo que, o especialista em Direito Ambiental Fernando de Sales em sua obra "Direito Ambiental Empresarial” diz o seguinte sobre o Princípio do Poluidor Pagador:
"Uma vez que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da CF), as atividades e as atitudes que causam lesão ao meio ambiente não podem ficar impunes. Por isso que aquele que polui tem o dever de pagar por isso." (DE SALES, 2017, p. 81).
Cabe ao Ministério do Meio Ambiente, ao Ministério da Economia e aos Ministérios setoriais relacionados, quando houver, propor os Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas, sendo que os Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas serão aprovados pelo Comitê Interministerial sobre a Mudança do Clima e o Crescimento Verde, instituído na forma prevista no Decreto nº10.845/2021. (art. 3º, parágrafo único do Decreto nº11.075/202).

Destarte, os Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas têm como propósito estabelecer metas gradativas de redução de emissões antrópicas e remoções por sumidouros de gases de efeito estufa, mensuráveis e verificáveis, consideradas as especificidades dos agentes setoriais, sendo que, essas metas serão observadas com objetivo de longo prazo de neutralidade climática informado na NDC e serão monitoradas por meio da apresentação de inventário de gases de efeito estufa. (art. 4º, parágrafo único do Decreto nº11.075/2022).

O artigo 5º do Decreto nº11.075/2022, ilustra que os Planos de Mitigação das Mudanças Climáticas poderão definir um tratamento diferenciado para os agentes setoriais, considerados, entre outros critérios, conforme está listado abaixo:

1. Categoria determinada de empresa e propriedades rurais;

2. Faturamento;

3. Níveis de Emissão;

4. Características do setor econômico; e

5. Região de Localização.

Deste modo, os planos a que se refere o caput poderão estabelecer cronogramas diferenciados para a adesão dos agentes setoriais integrantes ao Sinare (artigo 5º, parágrafo único do Decreto nº 11.075/2022). Sendo que, os prazos e as regras de atualização dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas serão definidos quando a sua elaboração pelos órgãos competentes e observarão os compromissos assumidos pelo País na Convenção - Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática por meio da NDC (artigo 6º, parágrafo único do Decreto 11.075/2022).

Assim, o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões constitui o mecanismo de gestão ambiental e será instrumento de operacionalização dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas, com vistas a atuar como ferramenta à implementação dos compromissos de redução de emissões mediante a utilização e transação dos créditos certificados de redução de emissões (artigo 7º do Decreto nº11;075/2022).

Com a instituição do SINARE, que tem a finalidade de servir como central única de registro de emissões, remoções e compensações de gases de efeito estufa e de atos de comércio, de transferências, de transações e de aposentadoria de créditos certificados de redução de emissões, sendo que o Ministério do Meio Ambiente e da Economia estabelecerá as regras sobre:

1. O registro;

2. O padrão de certificação do Sinare;

3. O credenciamento de certificadoras e centrais de custódia;

4. A implementação, a operacionalização e a gestão do Sinare;

5. O registro público e acessível, em ambiente digital, dos projetos, iniciativas e programas de geração de crédito certificado de redução de emissões e compensação de emissões de gases de efeito estufa; e

6. Os critérios para compatibilização, quando viável técnica e economicamente, de outros ativos representativos de redução ou remoção de gases de efeito estufa com os créditos de carbono reconhecidos pelo Sinare, por proposição do órgão ou da entidade competente pelos referidos ativo.

Outrossim, os créditos certificados de redução de emissões poderão ser utilizados para o cumprimento de limites de emissões de gases de efeito estufa ou ser comercializados com o devido registro no Sinare. Desta forma, a operacionalização do Sinare será de competência do Ministério do Meio Ambiente e será disponibilizado em ferramenta digital.

Os Instrumentos do Sinare são:

1. O registro integrado de emissões, reduções e remoções de gases de efeito estufa e de atos de comércio, de transferências, de transações e de aposentadoria de crédito certificado de redução de emissões;

2. Os mecanismos de integração com o mercado regulado internacional;

3. O registro do inventario de emissões e remoções de gases de efeito estufa.

Deste modo, serão reconhecidas como crédito certificado de reduções de emissões registradas no Sinare adicionadas às metas estabelecidas para os agentes setoriais, caso atendam ao padrão de certificação do Sistema. O Sinare também possibilitará, sem necessidade de geração de crédito certificado de redução de emissões e em consonância com as regras estabelecidas na forma prevista no parágrafo 1º do art. 8º deste mesmo decreto, o registro de:

1. Pegadas de Carbono de produtos, processos e atividades;

2. Carbono de vegetação nativa;

3. Carbono no solo;

4. Carbono azul; e

5. Unidade de estoque de carbono.

O texto do Decreto nº 11.075/2022 tem o mérito de dar a partida oficial nas discussões sobre a precificação de gases do Efeito Estufa no Brasil. Mas ainda traz mais dúvidas do que certezas e deixa muitos pontos em aberto sobre como funcionaria efetivamente um Sistema de Comércio de Emissões de Gases do Efeito Estufa Nacional.

Outrossim, existe um projeto de lei número 528/2021 de autoria do Deputado Marcelo Ramos, que antes era do PL do Amazonas, e agora está no PSD. O PL 528/2021 tem como objetivo central regular o Mercado de Emissões de Gases do Efeito Estufa, determinado pela Política Nacional de Mudança Climática, Lei nº 12.187/2009, que incentiva e fomenta o mercado voluntário de créditos de carbono e determina outras disposições.

O que diz o Decreto nº11.075/2022:

Na prática, o decreto estabelece nove setores elegíveis para planos de redução de emissão de efeito estufa, em linha com o que já previa a Política Nacional sobre a Mudança Climática:

1- Geração e distribuição de Energia Elétrica;

2- Transporte público e urbano e sistemas modais de transporte de cargas e passageiros;

3- Industria de transformação de bens de consumo duráveis;

4- Industria química fina e de base;

5- Industria de papel e celulose;

6- Mineração;

7- Construção Civil;

8- Serviços de saúde e agropecuária.

O que está claro é que as metas de redução não serão impostas de forma imediata, mas sem serem discutidas com os setores regulados, na forma de acordos, sendo que, cada setor terá o prazo de 180 dias para apresentar suas propostas, sendo prorrogáveis por mais 180 dias, para apresentar suas propostas. Desta forma, a palavra final caberá ao Comitê Interministerial sobre Mudanças Climáticas.

O Decreto nº11.075/2022 ainda fala sobre um mercado onde seriam transacionados os créditos de carbono: o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões, que é uma ferramenta de implementação dos compromissos de redução de emissões de setores, via créditos certificados de reduções de emissões dos Setores.

Outrossim, cria o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SINARE), uma central de registro único que serviria tanto para abrigar os inventários de emissões quanto para o comércio e transferência de créditos de carbono.

Ainda não está claro como funcionarão esses dispositivos, e como eles se comunicarão para formar efetivamente um mercado e tampouco as sanções para quem não cumprir o que determina o decreto.

Acordos Setoriais:

Desta forma, uma das principais dúvidas é como o funcionariam os acordos setoriais para definir as metas de redução de emissões de cada um dos setores – o que não encontra nenhum respaldo em nenhuma experiência internacional. Deste modo, no mercado europeu, o mais consolidado do mercado, as metas são definidas pelo órgão regulador.

A ideia de ter a participação ativa dos setores que bebem da mesma fonte da Política Nacional de Resíduos Sólidos, usada para a logística reserva – e que demorou mais de 10 anos para efetivamente ganhar alguma tração. E ainda assim, os índices de destinação adequada de resíduos são baixos.

No caso do carbono, com os acordos, o governo abre a possibilidade de o setor privado se adiantar, se organizar e apresentar as suas metas, planos e cronogramas. A questão é, que por ora, não há nada mandatório.

Destarte, ao analisar o Decreto nº 11.075/2022 verifiquei que, ele não deixa claro quais são as sanções caso os setores relacionados neste decreto vão sofrer caso não cumpra os determinados, e quando o governo vai assumir a sua responsabilidade.

Mercado de que?

Outra grande dúvida e como funcionaria o Sistema de Comércio de Emissões. O texto faz pouca distinção entre os conceitos bastantes caros aos mercados de carbono.

Outrossim, os créditos que são gerados entre os setores regulados normalmente num esquema de "cap and trade": quem emitiu mais do que o teto permitido pode comprar créditos de quem emitiu menos. A lógica nesse tipo de desenho é que em algum momento haja escassez de créditos que sejam altos o suficiente para estimular os participantes do mercado a reduzir suas emissões.

Deste modo, em paralelo, há os créditos para offsets ou compensações, em que, os créditos são comprados fora dos setores regulados, utilizados principalmente no Mercado Voluntário, em que as empresas definem a sua própria meta.

Conclusão:

Desta forma, A prolação do Decreto em questão é uma ótima sinalização de avanço do tema na pauta do Governo, mas não substitui os Projetos de Lei (PL) voltados à regulamentação do SBCE, sendo que, no mesmo último dia 19 de maio, a Deputada Carla Zambelli apresentou um novo substitutivo ao PL 528/2021, tido como o verdadeiro criador e regulamentador do Mercado Nacional de Carbono. Atualmente, ainda estão sob análise do Congresso Nacional, os PLs 10.073/2018, 5.710/2019, 290/2020 e 528/2021, os quais, muito possivelmente trarão novas diretrizes orientativas ao SBCE e, quem sabe até, finalmente, possibilitar a sua implementação.

A conclusão que chegamos é que o Decreto nº 11.075/2022 ainda precisa de uma regulamentação ainda maior, no qual, deve ser encarado como um passo rumo ao cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris.

BIBLIOGRAFIA:

BOLSONARO, Jair Messias et al. Decreto nº 11.075, de 19 de maio de 2022.

SALES, Fernando Augusto de Vita Borges de. Direito Ambiental Empresarial. São Paulo: Rumo Legal, 2017.

FLORESTAL, Código. Código Florestal Brasileiro. Brasília, Brazil, Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, Ministério da Agricultura, Brasília, Brazil [www document]. URL http://www. planalto. gov. br/ccivil_03/Leis L, v. 4771, 2001.


VERINE STOCHI VEIGA
















-Estudante de Direito pela Universidade Paulista (UNIP), 
-Estagiária na área de Direito Tributário no Escritório Mesquita Neto Advogados, desde setembro de 2021.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

2 comentários:

  1. As metas estabelecidas em se tratando de redução de gases poluentes são ainda insuficientes e preocupantes. Um exemplo de fácil compreensão é o prazo estipulado para a redução dos lixões a céu aberto. A grande maioria dos municípios sequer realiza a coleta seletiva do lixo nos domicílios. O que a criança aprende nas escolas, não vê acontecer no seu cotidiano. Um tema essencial.

    ResponderExcluir