quarta-feira, 9 de novembro de 2022

A Validade do Empréstimo Consignado por Biometria Facial: Tecnologia a serviço da Fraude


 Autora: Silvana Cavalcanti(*)

No celular, uma mensagem do "INSS" avisa : "você foi selecionado para realizar a prova de vida" – mas, não se preocupe... a prova de vida poderá ser realizada via reconhecimento facial. Entre na página do INSS, coloque seu login e senha e siga as instruções, em breve você receberá uma mensagem, siga todos os passos e ... plin.. sua prova de vida foi concluída.

Tudo seria tão simples e tão prático, a serviço dos milhares de aposentados de todo o país, idosos, pessoas nas mais diversas situações e comorbidades... A intenção da Autarquia Federal foi excelente, entretanto esta opção pode trazer maiores dores de cabeça do que benesses.

Explicamos: fraudadores inescrupulosos, não se sabe de que maneira, conseguem acessar os dados biométricos de milhares de pessoas e vendem estes dados, para outros fraudadores, que repassam esses dados para a realização de empréstimos consignados, sem a autorização do beneficiário – e, pior, o dinheiro vai para a conta do aposentado...

Os leitores devem se perguntar : Mas por qual motivo os supostos fraudadores transfeririam o valor do empréstimo diretamente para a conta do aposentado ou pensionista?

Simples... dali há alguns dias... outra mensagem é enviada para o celular do aposentado e do pensionista, informando que o INSS (obviamente que não é o INSS), detectou um empréstimo fraudulento e para tanto, o dinheiro deve ser devolvido ao banco..

O interlocutor por telefone ou por Whatsapp ainda informa que será enviado um boleto para que o pagamento seja realizado e o dinheiro supostamente devolvido – aí o golpe idealiza as condições jurídicas necessárias para que a fraude, infelizmente, seja descartada pelo judiciário fazendo com que muitas ações sejam julgadas improcedentes.

Explicamos... o interlocutor,  então acessa a localização geográfica do tal aposentado ou pensionista, inclusive pede para que o mesmo ative a localização. Confirma o endereço e todos os dados. Envia o boleto e ainda informa que para realizar o cancelamento do tal empréstimo, é necessário que o aposentado faça o reconhecimento facial – a tal biometria facial.

Pronto. O fraudador tem nas mãos tudo que precisava para , teoricamente, validar a sua fraude, ou seja, a fotografia do aposentado, um SIM, digitado no whats app, e a geolocalização do aposentado com o seu número de telefone  no seu CPF , obviamente.

Continuando o golpe, o fraudador envia um boleto para o ingênuo aposentado, que para se livrar do empréstimo não solicitado pelo consumidor,  paga o boleto  com o dinheiro depositado do suposto empréstimo . Entretanto, esses boletos contém algoritmos  que não são do banco onde o empréstimo foi disponibilizado e vão para as contas dos fraudadores. 


O aposentado fica com a dívida descontada de seu benefício mensalmente. Ao reclamar perante a justiça, a defesa do banco  escancara os logs – com a geolocalização  do aposentado... o print do SIM... e  a  fotografia do aposentado. Em defesa, conclui a instituição financeira que o empréstimo foi realizado pelo aposentado.

Em nosso trabalho na defesa dos interesses do consumidor, temos nos amparado a legislação consumerista, como forma de rever os valores descontados, porque muitas das vezes, o aposentado e pensionista só se apercebe do golpe, tempos depois mas esta missão tem sido muito dura.

Vimos aconselhando a que os nossos clientes depositem em juízo o valor depositado a revelia do consumidor e não faça uso deste dinheiro – porque a instituição, em sua defesa, sempre alega que "embora  o consumidor afirme que não autorizou o empréstimo – usufruiu do numerário disponibilizado."

Mesmo assim, não tem sido fácil  a vida dos juízes.

Isto porque é difícil lhe dar com provas concretas apresentadas pelas instituições financeiras, que confirmam a realização do empréstimo – ou seja, o que parece – não é.

O sistema fraudulento é tão ardiloso que em face de todas as provas apresentadas pelas instituições financeiras, os juízes vêm pedindo perícia tecnológica, para não serem injustos em sua decisão – poucos profissionais existem para a realização desse trabalho e, fadado ao insucesso, muitos consumidores desistem de ingressar na justiça e reaver os descontos efetuados, acabando por concluir que é melhor ficar com o dinheiro depositado ... a enfrentar uma longa batalha jurídica.

A suposta regularidade do empréstimo consignado tem sido confirmada pelos Tribunais, já que o "aceite dos termos do contrato a partir do envio dos dados biométricos solicitados e a fotografia obtida através da biometria facial é idêntica à de documento pessoal e correntista..."

Ocorre que os juros que são utilizados para estes empréstimos são absurdos . Por exemplo, em recente caso, um empréstimo fraudulento no valor de R$ 15.000,00 foi realizado por 80 parcelas de R$ 330,00 o que significa quase 7 anos de parcelas, a juros compostos...

Infelizmente, alguns julgados, desconhecem a verdadeira função destes empréstimos consignados que, dentre outros predicativos tem o objetivo  de enriquecer os fraudadores, causar prejuízos  a economia, e causar danos ao erário público, inclusive, porque na maioria das vezes, os pensionistas e aposentados, não tem condições de arcar com as custas processuais sem prejuízo de seu próprio sustento e o de sua família – e fatalmente recorrem a máquina judiciária, já  exacerbada de processos.

O sistema é bruto...

O próprio sistema cria o problema e não consegue se livrar dele. Biometria facial, geolocalização, endereço de IP... tudo isto é muito complexo para pessoas humildes, que em sua grande maioria são os beneficiários do INSS .

A intenção de facilitar a prova de vida e a contratação de empréstimos através da tecnologia é muito boa – entretanto,  inescrupulosamente, os fraudadores conseguem burlar a segurança dos bancos, a segurança da autarquia federal, emitem boletos falsos,  e a conclusão a que se chega é que  foi "vendida a facilidade para os fraudadores..."

A nós, operadores do direito, resta-nos estudar soluções cada vez mais criativas, do ponto de vista hermenêutico para explicar aos julgadores o inexplicável porque, infelizmente, as recentes decisões dos mais variados tribunais do país não estão  do lado do consumidor  e acabam por validar tais empréstimos, mesmo que diante da inexistência de um contrato assinado e da afirmativa inegável do aposentado ou pensionista que definitivamente não contratou a operação :  é a tal tecnologia a favor dos estelionatários que induzem a erro suas vítimas.

A teoria da liberdade das formas, previstas no art. 107 do Código Civil que reza: "A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir", tem sido muito utilizada nos dispositivos das decisões.

A ausência de declaração explícita de vontade da parte,  prevista no Código do Consumidor, que disciplina no capítulo VI a relação das instituições financeiras a esta legislação especial, tem sido  relativizada, não pela vontade dos julgadores, mas pela dificuldade que há em refutar as provas que são apresentadas pelas instituições bancárias, enquadrando o aposentado na validação da operação bancária.

De qualquer forma, é preciso alertar e coibir este tipo de prática, alertando parentes e pessoas próximas para não fornecerem informações particulares, muito menos enviar fotografias, terem cuidado com as postagens em redes sociais, porque há casos que os fraudadores conseguem, utilizando também a tecnologia mapear o rosto do consumidor e tornar verossímil a contratação.

As decisões, no entanto, não são uníssonas, devendo-se analisar o caso concreto frente a imensidão de consumidores lesados, que acabam por se vincular a uma dívida impagável,  e havendo explícita abusividade na técnica utilizada a justiça deve ser acionada.

*SILVANA CRISTINA CAVALCANTI






















Advogada, MBA em Business Law pela FGV, especialista em Direito do Consumidor e em Direito Internacional.

Seu escritório atua nos ramos do direito de família, direito do consumidor, direito internacional,  direito trabalhista  empresarial e direito imobiliário, consagrando sua experiência como  Membro do Conselho de Compliance e LGPD da OAB/SP .

 WhatsApp  11 96136-12167

E-mail cavalcantiadv@aasp.org.br

Nota do Editor:

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3 comentários:

  1. Os maiores bancos privados do país registraram quedas em seus lucros no último trimestre devido a alta inadimplência, consignado; zero inadimplência! Eis que zero será a preocupação dos bancos.

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  2. Excelente artigo. Domingo foi tema de reportagem no Domingo Espetacular da Record. A polícia federal prendeu uma quadrilha.
    Entende-se que o golpe inicia-se na captação dos dados da vítima dentro das instituições financeiras e isso elas nunca irão assumir.

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  3. Silvana Cristina Cavalcanti de Lima9 de novembro de 2022 às 16:24

    O ideal é antes de ingressar com a ação procurar o INSS e informar que não reconhece o empréstimo. Também é possível bloquear o benefício para empréstimos consignados. E atenção a disponibilização dos dados nas redes.

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