quarta-feira, 7 de agosto de 2024

O STJ e a fila de espera nas agências bancárias


 Autor: José Jair Marques Junior (*)

O presente ensaio falará, de modo breve, sobre o resultado de um importante e recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça e os consecutivos impactos sobre os interesses dos consumidores.

A tese jurídica lá firmada foi assim textualmente enunciada: "O simples descumprimento do prazo estabelecido em legislação específica para a prestação de serviço bancário não gera por si só dano moral in re ipsa (ou, em linguagem livre, "dano presumido decorrente da ocorrência do próprio fato lesivo")" (STJ; REsp nº 1.962.275/GO; Tema Repetitivo nº 1.156; Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva; Segunda Seção; Julgado em 24/04/2024). 

Em outras palavras: a experiência vivenciada pelo consumidor, quando comparece, presencialmente, a uma agência bancária e acaba não recebendo um atendimento tempestivo, ultrapassando o período estipulado em lei específica, não configura hipótese danosa presumida e passível de ser reparada, individualmente, com o arbitramento de uma indenização para si. 

Diante de um cenário, hipotético e hiperbólico, de uma espera do consumidor ao infinito, leitor(a) desta coluna, convido a uma reflexão.

Qual foi a última vez em que você se deslocou de sua residência ou ambiente de trabalho e se dirigiu até uma agência bancária? Se positivo, quanto tempo aguardou numa fila de espera? Ou em várias filas de espera? Ofereceram-lhe água, ou, ao menos, um cafezinho? Um assento numa cadeira, ou num sofá confortável, para (im)pacientemente aguardar? Escutaste alguma música tranquilizante, reproduzida, em bom som, daquelas pacíficas, usadas para acalmar a clientela?

Foi árduo recuperar na memória essa informação do comparecimento presencial bancário, confesso, ao menos à minha experiência. 

Peculiar o detalhe de que, para resolver um problema relativamente simples, necessitei dirigir-me a duas agências bancárias, da mesma instituição financeira.

Tal qual um bumerangue, fui conduzido de uma à outra, sob a promessa de que a primeira não prestava o tal serviço, e, na segunda, distanciada cerca de um quilômetro, seria atendido, com sucesso, obtendo solução pronta à minha necessidade, deveras urgente, às vésperas de uma viagem longínqua.

Ainda mais curioso o fato de inexistir qualquer fila para o atendimento: ambas as agências estavam às moscas, sequer um outro exemplar de cliente à espreita. O meu aguardo foi, então, praticamente irrelevante. Nem me foi exigido agendamento prévio.

De igual forma, senão com uma mesma resposta, acredito deve ter sido fácil a você, caríssimo/a visualizador/a, contabilizar a quantidade de vezes, no último ano ou mês, em que uma agência bancária, independentemente de vínculo contratual, foi presencialmente visitada. 

Atribuo, ao menos, a dois fatores principais esse experimento.

A primeira, inevitavelmente: tecnologia. As soluções criadas pelas instituições financeiras, como meio a viabilizar o acesso universal a seus serviços, estão contando com instrumentos eletrônicos, assegurados pela internet, em larga escala. Mesmo com o comparecimento a uma agência, boa parte das utilidades bancárias pode ser, satisfatoriamente, resolvida com o acesso a terminais de autoatendimento. Ou, ainda, no conforto do lar do correntista, com acesso ao computador, ou então, em qualquer local do mundo, com acesso à internet, nos aparelhos portáteis (celulares, notebook, tablet). 

Num segundo aspecto, a regulação do sistema financeiro e bancário tem incrementado as formas possíveis de transações financeiras. Nesse ponto, a revolução é demarcada, notadamente, pelos seguintes exemplos: a) criação de fintechs, ou instituições financeiras desmaterializadas, desprovidas da exigência de manutenção de balcão de atendimentos presenciais; b) instituição das transferências "Pix", simultaneamente à extinção, ou desuso de outras formas tradicionalmente utilizadas (como a transferência DOC ou emissão de cheques); c) prestação de serviços bancários em casas lotéricas. 

Porém, a experiência do consumidor não é universalizante, mas sim, individual. Existem fatores múltiplos que podem forçar a presença física do consumidor, para resolver problemas de acesso, cadastrais, ou, ainda, determinações governamentais que restrinjam ou condicionem à presença física a liberação de recursos de programas de auxílios financeiros, como a política pública do Bolsa Família. E, irresistível, podem, sim, ocorrer situações péssimas, de anormalidade, que tornem o consumidor vulnerável à prática abusiva de fornecedor de serviço bancário. 

Essas circunstâncias, em conjunto, foram ponderadas ao longo das manifestações dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça. 

Meditemos juntos: o que foi realmente considerado como fator(es) predominante(s) para afastar, por completo, a tese jurídica – até então vencedora em sede de IRDR no TJ-GO – de existência de dano presumido do consumidor pela superação do tempo mínimo de espera a atendimento bancário presencial?

Separo, pela relevância, os três principais fundamentos deste acórdão do STJ ora examinado. 

Primeiro, a teoria do desvio produtivo do consumidor não constitui em fundamento jurídico suficiente para justificar a ocorrência de dano. Esse fundamento do julgado se pauta no raciocínio de que a mera ultrapassagem do período máximo de atendimento até pode gerar a perda do tempo útil do consumidor, porém, não como repercussão danosa necessária e imediata. Essa perda de tempo deve estar associada a outros fatores que dificultem ou impeçam ao consumidor receber a efetiva prestação de serviço, e lhe causem aborrecimento anormal.

Segundo, a verificação da ocorrência de dano ao consumidor deve ser analisada concretamente, com a efetiva demonstração, casuística, de sofrimento de dano moral relevante e merecedor de reprimenda pecuniária específica. O dano, em tais circunstâncias, não pode ser presumido.

Como ressaltado de trecho do voto do E. Ministro Relator, "o fator decisivo para definição da existência de prejuízo indenizável é a regra da experiência e as nuances fáticas, aplicáveis também às relações de consumo (...), assim como o preenchimento dos pressupostos basilares da conduta, do dano e do nexo de causalidade entre eles". 

A manifestação da Procuradoria-Geral da República, igualmente, foi expressamente mencionada no acórdão, salientando, no que interessa: “não é possível afirmar que o simples fato da espera em fila de banco, supermercado, farmácia e em repartições públicas tenha o condão de afetar direito inerente à personalidade (...). Admitir como suficiente a mera demonstração da relação de causalidade entre a espera na fila e a lesão ao direito individual seria afirmar que todo ato ilícito ou todo descumprimento de norma legal seria passível de indenização a título de dano moral individual, o que configuraria, evidentemente, um contrassenso”.

Enfim, expõe-se o terceiro fundamento: a obediência às leis locais e estaduais, que estipulam o tempo máximo à fila de espera no atendimento presencial, continua necessária. Porém, o descumprimento da referida obrigação pelas instituições financeiras deve ser fiscalizado e, eventualmente, coibido, prioritariamente, por meio de outras medidas sancionatórias. 

Isso quer dizer que as instituições (estatais – PROCON; ou não-estatais, como a FEBRABAN) que, de alguma maneira, conformam a regulação incidente sobre a atividade das empresas financeiras atendem presencialmente em agências bancárias, têm o ônus de criar e manter um sistema de vigilância, fiscalização (prévia e posterior) e orientação da atividade empresarial bancária, objetivando neutralizar ou minimizar a ocorrência desses episódios. Para a tarefa, podem se valer de diversos instrumentos, inclusive, de natureza sancionatória.

Discorde-se ou se manifeste em concordância ao entendimento do STJ, é inafastável a conclusão de que o entendimento do STJ promove um freio à litigância e cria restrições à tutela do consumidor, até então historicamente construída com amplitude. Contudo, não elimina a possibilidade de o consumidor, lesado, obter a adequada reparação de seu prejuízo.

Por força da aplicação obrigatória do entendimento firmado (artigo 927, III, CPC/15), passa a se exigir do consumidor, efetivamente sofredor de dano relevante, o cumprimento de ônus na narrativa adequada dos fatos, manifestação de motivos idôneos para justificar eventual inversão de ônus processuais (como a demonstração de hipossuficiência técnica para a produção probatória) e, principalmente, a utilização racional do Poder Judiciário, como última ratio, preferindo-se, se o caso, a adoção de meios conciliatórios ou de mediação (como a inserção de reclamação específica perante a plataforma consumidor.gov.br, viabilizando contraditório e correção de conduta, de forma extrajudicial, pela própria instituição bancária). 

Por fim, o posicionamento do STJ, vale ressaltar, não foi proferido com unanimidade de votos dos Ministros. Anote-se o pronunciamento vitorioso, do Eminente Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva e, de outro vértice, divergente e vencido, da Eminente Ministra Nancy Andrighi.

Como consideração conclusiva, arrisco a dizer: o tempo do atendimento nas agências bancárias, seja ele máximo ou mínimo, não deve ser o principal foco de atenção ao consumidor, para a avaliação e satisfação com o serviço prestado ou à autoavaliação, individual, a respeito de eventual atingimento, indevido, à sua esfera de personalidade. A jurisprudência, possivelmente a partir de agora dominante, já deu o seu (enfático) recado! 

Qual seria, então, o fator a ser considerado, prioritariamente, nessa avaliação? Fica a dúvida, especialmente se haverá algum tipo de resposta, por exemplo legislativa, à altura!

A conferir, ansiosamente, os próximos desdobramentos. De preferência, com um cafezinho, cheiroso, amornado, encorpado e adocicado, à mão. Com o registro final de que, como numa sintonia de pensamento inesperada, acabei de receber, há pouco, um contato, atento, de minha gerente bancária, excelente, prestigiada e elogiosa profissional! Num átimo, revelador de privilégio, escutou meus anseios, e, enfim, não me deixou numa fila de espera, aguardando. 

*JOSÉ JAIR MARQUES JUNIOR














- Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da  Universidade de São Paulo (2010);

- Mestre pela Faculdade de Direito da  Universidade de São Paulo (2016);

-Doutor pela Faculdade de Direito da  Universidade de São Paulo (2022);

-Assistente Jurídico no TJ-SP; e

-Pesquisador acadêmico, com experiência nas áreas de Direito Público e Privado. 

Nota do Editor:

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