terça-feira, 10 de junho de 2025

Perspectivas históricas da Propriedade Intelectual ou Imaterial


 
 © 2025 Maria de Lourdes Colacique Silva Leme

Modernamente, fala-se muito da propriedade industrial, intelectual, artística, literária e científica. Isso leva a iniciar buscas acerca do assunto, sendo certo que a cada dia surgem mais tópicos capazes, por si só, de causarem surpresas e quiçá, curiosidades de natureza social, científica e antropológica.

Durante a Idade Média a produção de artigos de vidro era muito difundida na Europa, sendo certo que Veneza era um centro de produção de vidro. Para evitar que seus mestres artesãos fossem trabalhar em outros países e, por conseguinte, ensinassem a arte vidreira de Veneza a estrangeiros, todos os fornos foram transferidos para a ilha de Murano e os artesãos aprisionados a ela por toda a vida.

Vale ressaltar, segundo relatos de Canalli e Silva (2012), que anteriormente à lei de patente de 1474, foi publicada a seguinte lei em 1454, que dispunha:
"Se um trabalhador levar para outro país qualquer arte ou ofício em detrimento da República, receberá ordem de regressar; se desobedecer, seus parentes mais próximos serão presos, a fim de que a solidariedade familiar o convença a regressar; se persistir na desobediência serão tomadas medidas secretas para matá-lo, onde quer que esteja"”. (CANALLI; SILVA, 2012).
Porém, a primeira lei de patentes conhecida no mundo foi aprovada pelo senado veneziano em 19 de março 1474, visando proteger os artesãos vidreiros da ilha de Murano. Esta lei apresentava princípios e regras que permanecem até a atualidade nas leis internacionais, como, por exemplo, novidade, aplicabilidade, publicidade do segredo, limite de vigência do privilégio e penalidade por violação dos direitos (DURAES; ANDRADE; TOGNETTI, 2013), e, ainda (DOMINGUES,1980).

Vale focar que o denominado vidro de Murano (técnica que chega ao Brasil,no estado de Minas Gerais, especificamente na cidade de Poços de Caldas somente na década de 1950, pelos irmãos Antônio Carlos e Paulo Molinari) era de elevada transparência e de grande matiz de cores, mantendo seu alto padrão de qualidade até a atualidade. Consta que o embaixador veneziano na França matou alguns artesãos que foram levados por um comerciante a este país, para com eles descobrirem as técnicas de fabricação de vidros de Veneza. O matemático escocês James Stirling, após viver por aproximadamente por 10 anos (séc. XIII) em Veneza, fugiu temendo ser assassinado, por deter o conhecimento dos vidreiros de Murano (CANALLI; SILVA, 2012).

Nota-se que a lei de patente de Veneza é bem próxima das leis atuais, estabelecendo princípios básicos de novidade, aplicação industrial, licença e proteção para exploração por dez anos com exclusividade, bem como a proibição de terceiros fabricarem objetos correspondentes ou similares à invenção, acarretando multa na base de ducados ao infrator, assim como a destruição do objeto em questão que fora fabricado sem a autorização do titular. Portanto, ao longo da história, pessoas de diversas classes sociais, de diferentes formações e nível de conhecimento se ocuparam do ofício de inventor, e ao tentar separar o trabalho intelectual do operacional, o mundo viveu um período sem o seu devido progresso (CANALLI; SILVA, 2012).

O Brasil foi um dos primeiros países a conceder patentes a inventores e o único a ter uma lei de patentes antes de sua antiga metrópole. Ao contrário das experiências de outros países, a primeira lei de patentes brasileira surgiu com o objetivo de incentivar o surgimento de invenções em vez de ser uma demanda dos inventores por proteção de seus ganhos. Existe uma lei de patentes, desde o século XIX, correspondente a um alvará de D. João VI, de 28 de abril de 1809, aplicável somente ao Brasil, o que posicionou o país como uma das primeiras nações no mundo a ter uma legislação sobre o tema. O Brasil estava em um momento de necessidade de reforma patrimonial do Estado, juntamente com a chegada da Corte (CABELLO; POVOA, 2016).

Os privilégios existentes, monopólios de exploração de indústrias tradicionais, tinham que ser reformulados, de forma a propiciar o desenvolvimento econômico e, principalmente, industrial.

O alvará imperial continha os seguintes dizeres: "Legislação Informatizada"

- ALVARÁ DE 28 DE ABRIL DE 1809" - Publicação Original.

Alvará de 28 de Abril de 1809 – Primeira Lei Brasileira Isenta de direitos às materias primaz do uso das fabricas e concede outros favores aos fabricantes e da navegação Nacional.

Eu o Principe Regente faço saber aos que o presente Alvará com força de lei virem, que sendo o primeiro e principal objecto dos meus paternaes cuidados o promover a felicidade publica dos meus fieis Vassallos; e havendo estabelecido com este designio principios liberaes para a prosperidade deste Estado do Brazil...

Dado no Palacio do Rio de Janeiro em 28 de Abril de 1809.

PRINCIPE com guarda.

Conde de Aguiar.

Alvará com força de lei, pelo qual Vossa Alteza Real é servido isentar de direitos as materias primeiras, que servirem de base a quaisquer manufacturas nacionaes, e conferir como dom gratuito a quantia de sessenta mil cruzados ás fabricas, que mais necessitarem destes soccorros, ordenando outras providencias a favor dos fabricantes e da navegação nacional; na fórma acima exposta.

Para Vossa Alteza Real ver.

João Alvares de Miranda Varejão o fez (BRASIL, 1809).


Vale citar, nesse momento, o movimento das leis de patentes no Brasil

(vide Quadro abaixo):

Quadro 

Propriedade intelectual no Brasil - Movimento das leis no tempo

ANO TÓPICOS LEGAIS

1809

Primeira legislação sobre patentes no Brasil. O Alvará de 28 de abril de 1809, de Dom João VI, representava uma das ações da metrópole portuguesa no desenvolvimento da manufatura no Brasil.

1830

Dom Pedro I assina a primeira Lei de Patentes propriamente dita, com penalidade aos infratores.

1882

Lei 3.129/1882 – Exclusividade ao inventor no Brasil por 15 anos.

1883

Criação da Convenção da União de Paris (CUP), primeiro acordo Internacional relativo à propriedade intelectual.

1924

Decreto 16.264 – Cria o sistema de exame prévio das invenções no Brasil.

1934

Decreto 24.507-Aprova o regulamento para a concessão de patentes de desenho ou modelo industrial, para o registro do nome comercial e do título de estabelecimentos e para a repressão à concorrência desleal no Brasil.

1945 Decreto Lei 7.903

Primeiro Código de Propriedade Industrial, regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial no Brasil.

1947

Surge o Acordo Geral de Comércio e Tarifas (GATT). Trata-se de um foro multilateral de negociação de tarifas alfandegárias e não alfandegárias.

1967

O Bureaux Internationaux Reunis Por La Protecion de La Propriété Intelectuelle (BIRPI) foi submetido a reformas administrativas e estruturais, transformando-se na Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI).

1969

Decreto-Lei 1.005 – Segundo Código de Propriedade Industrial do Brasil.

1970

Cria o Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT) "Trata-se de um tratado multilateral que permite requerer a proteção patentária noutros países.

1970 

Lei 5.648

Cria o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

1970

Institui o Sistema Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, sendo o responsável pelo patrimônio científico-tecnológico e pela estruturação das bases políticas referentes ao tema. (LABIAK JUNIOR; MATOS; LIMA, 2011)

1971

Lei 5.772 – Cria o Terceiro Código de Propriedade Industrial do Brasil.

1974

A OMPI torna-se "uma agência especializada do sistema de organizações das Nações Unidas, com mandato para administrar questões da propriedade intelectual reconhecidas pelos Estados Membros da ONU".

1975 

Decreto 75.572

Promulga a Convenção de Paris para a Proteção da 
Propriedade industrial revisão de Estocolmo 1967 no Brasil

1985

Decreto 91.146

Cria o Ministério da Ciência e Tecnologia que em 2011 acrescentou no final de seu nome a palavra "inovação". (LABIAK JUNIOR;

MATOS; LIMA, 2011)

1994

Decreto 1.355 - Promulga a Ata Final que Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT. Como resultado das negociações e discussões, tem-se a ratificação do Acordo de Marrachkesh de
1994, que constituiu a Organização Mundial do Comércio (OMC), em substituição ao GATT, como organização responsável pela regulação do comércio internacional. O acordo também tem um anexo denominado Acordo sobre os Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPs), que trata da abrangência de proteção sobre a propriedade intelectual, respeitando os acordos e tratados existentes sobre ela e gerenciados pela OMPI.

1994

Lei 8.884 

Dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica.

1995

Criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) – Vera Thorstensen –Revista Brasileira de Política Internacional, 1998.

1996

Lei 9.279

Regula a proteção dos direitos relativos à Propriedade Industrial. Para se adaptar ao acordo TRIPS, o Brasil passa a conceder patentes de medicamentos, alimentos e substâncias químicas, beneficiando a indústria farmacêutica e a de Biotecnologia, sem discriminar nenhuma área tecnológica.

(PÓVOA, 2008)

1998

Decreto 2.553 – "Passou a incorporar a possibilidade de participação dos pesquisadores nos ganhos econômicos decorrentes da exploração dos resultados de suas pesquisas realizadas no ambiente de trabalho protegidas por direitos de propriedade intelectual." (PÓVOA, 2008, p. 49)

2001

Lei 10.196 – Altera e acresce dispositivos à Lei 9.279, que regulam direitos e obrigações relativas à propriedade industrial.

Até hoje ...

Quadro adaptado pela autora 


Referências Bibliográficas:

CABELLO, A. F.; PÓVOA, L. M. C. Análise Econômica da Primeira Lei de Patentes Brasileira. Estud. Econ. [online]. 2016, vol.46, n.4, pp.879-907;

CANALLI, W. M.; SILVA, R. P. Uma Breve História Das Patentes: Analogias Entre Ciência, Tecnologia, Trabalho Intelectual e Trabalho Operacional. In: Congresso Scientiarum Historial. Rio de Janeiro, 2012. p. 742-748;

DOMINGUES, D. G. Direito Industrial: Patentes. Rio de Janeiro. Ed. Forense, 1980;

DURÃES, M. G. ANDRADE, M. T. S. TOGNETTI, S. O histórico controverso da proteção à propriedade intelectual e seu impacto sobre o desenvolvimento nacional: aspectos da desigualdade entre os países do eixo norte/sul. 2013. PIDCC, Aracaju, Ano II, Edição nº 04/2013, p.228 a 252 Out/2013;

VIANNA, T. L. A ideologia da propriedade intelectual: a inconstitucionalidade da tutela penal dos direitos patrimoniais de autor. Revista dos Tribunais. São Paulo;

WIPO 2014; (LABIAK JUNIOR; MATOS; LIMA, 2011, POVOA, 2008

MARIA DE LOURDES COLACIQUE SILVA LEME

















-Advogada graduada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP (1973);

-Mestre pela Pontificia Universidae Católica de Campinas - PUCCAMP(2000);

-Doutora pela Universidade de Mogi das Cruzes UMC (2021);

-Sócia proprietária da empresa MSL - Medicina e Segurança Laboral.

Atualmente é professora de Propedêutica Jurídica e Direito do Trabalho na Universidade de Mogi das Cruzes - UMC

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

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