terça-feira, 22 de março de 2016

O Brasileiro e o Moleiro de Sans - Souci





Conta-se que na Prússia, antiga Alemanha, o Rei Frederico II, em 1745, resolveu demolir um moinho vizinho de sua propriedade em Potsdam, construído no alto de uma colina muito próxima – a colina de Sans - souci, pelo fato de que aquela construção atrapalhava sua visão do castelo. O moleiro, dono de moinho de Sans-souci, não aceitou a ordem do soberano, tampouco aceitou vender sua propriedade. O rei, com toda a sua autoridade, dirigiu-se ao moleiro: “Você sabe quem eu sou? O moleiro respondeu não pretender demolir o seu moinho, e o rei soberano redarguiu: “Você não está entendendo: eu sou o rei e poderia, com minha autoridade, confiscar sua fazenda, sem indenização!” Com tranquilidade, o moleiro respondeu: “Ainda há juízes em Berlim!

Em tempos de corrupção dos nossos governantes e despautérios de nosso Poder Legislativo, um Poder que tem sobressaído é o Judiciário, ainda impávido às contendas políticas, numa tentativa de se manter imparcial, é a instituição que tem transmitido confiança de dias melhores mediante a responsabilização dos culpados pelas rapinagens em nosso país. O Judiciário, com seu poder decisório e imponível mesmo às autoridades, vem demonstrando a nós brasileiros que ainda resta uma filigrana de esperança numa reviravolta dos pilares podres da Administração Pública corrompida pelos políticos eleitos.

Foi possível observar um Judiciário ativo ao impedir com reiteradas decisões a posse ministerial do ex-presidente Lula, cuja finalidade do ato guardou evidente caráter pessoal de favorecimento odioso e ilegal. Não apenas um, mas vários juízes entenderam pelo mesmo caminho do desvio de finalidade do ato presidencial de nomeação do novo ministro. Em outro aspecto, é árdua a tarefa de julgamento que tem sido empreendida pelo juiz Sérgio Moro na condução da Operação Lava-Jato, uma das maiores do país.

Talvez seja estranho imaginar que a revolução brasileira esteja partindo de uma das estruturas do Estado – o Poder Judiciário.

Francisco Weffort já disse, muito embora de maneira dura, mas verdadeira, que “o Brasil constitui, pelo menos até aqui, o caso infeliz de um país que não fez, nunca, nem uma revolução verdadeira nem uma democracia verdadeira” (1986, p. 23). De fato, um país um que teve sua independência proclamada pelo filho mimado de seu próprio rei colonizador para mais tarde ter sua república inaugurada pela força militar (totalmente oposta ao poder popular), conheceu muito pouco em termos de revolução ou democracia. Os anos seguintes à proclamação da República foram “tão abertos ao povo” que se apelidou o período histórico de República da Espada. Seguiu-se logo após a era Vargas, quase monárquica pelo seu governante, para, finalmente, suspirar o povo brasileiro com regimes presidenciais democráticos - sem imaginar que aqueles dias seriam a calmaria antes da tempestade que faria o país cair nas trevas da ditadura.

Durante este tempo se construiu o mito de que a democracia seria a resposta dos males sociais e econômicos do país. E embora a democracia tenha realmente vindo em 1988, com uma Constituição fabulosa na magnitude dos direitos ali arrolados, o que se viu com desespero foi o despertar de um sonho e o desvendar de uma mentira baseada na “crença de que a democracia política resolveria com rapidez os problemas da pobreza e da desigualdade” (CARVALHO, 2002, 219). 

Continuamos vivendo e convivendo com as velhas práticas políticas de corrupção e detrimento dos interesses sociais. Essa indiferença popular verificada durante a história política brasileira pós 1988 se sedimentou na premissa de que “se deve deixar os problemas da política para os políticos”, ficando estes, logicamente, muito satisfeitos com tal pensamento, afinal, “é mais fácil dominar súditos dóceis ou indiferentes” (BOBBIO, 1987, p. 31)

As tentativas de revolução nas terras brasileiras obedecem a um caminho sistemático: um governante perde o controle da economia e, em meio a uma crise que assola o mercado, surgem notícias de corrupção (já latentes, mas só ventiladas agora de forma muito oportuna). Açula-se o ódio social e a popularidade do governo cai. A população sai às ruas, fragmentada e se digladia. Enquanto isso, um plano já previamente montado de substituição dos dirigentes políticos é posto em prática. Muda-se um regime ali, um governante aqui e lançam-se as mesmas sementes de que um representante inédito (mas velho nos bastidores) é o novo messias da nação. Por fim, para que a população volte à sua casa bovinamente, atribui-se a transformação política ao povo. Crentes de que ajudaram em algo se digladiando nas ruas, os bois voltam ao curral para um novo abate consistente no mesmo arrocho tributário, restrição de direitos sociais, etc. 

A face do Judiciário brasileiro, altivo, feroz no combate às mazelas sociais, garantidor de direitos e determinante à uma mínima ordem, traz novos horizontes. Nem tudo está perdido. Obviamente, não podemos apenas depositar as esperanças nos homens togados e deixar que façam por si sós o trabalho pesado da mudança social. O povo tem seu papel primordial na construção de uma nova faceta do governo que queremos. É preciso a consciência coletiva para perceber que incumbe ao povo ir à luta pelas melhorias de seu próprio corpo social e condições mais dignas de vida.

Apesar de todo o contexto nebuloso atual, as constantes decepções políticas advindas de rotineiras descobertas das mais variadas falcatruas perpetradas por aqueles que deveria representar o povo brasileiro, finalmente, parecem ter encontrado uma forte muralha de contenção, capaz de proteger os cidadãos não eternamente, mas por tempo suficiente para que estes ganhem vigor de protestarem por conta própria.

À tirania e despotismo dos nossos soberanos, a sociedade brasileira, ao menos por enquanto, encontrou uma resposta à altura. Os brasileiros não devem mais temer mais as aberrações de um governo. Se ergues da Justiça a clava forte, verás que um filho teu não foge à luta, como canta nosso hino. Não fujamos também da responsabilidade de ajudar a Justiça no combate à corrupção que se assola. Somos todos como o moleiro de Sans - Souci, pois podemos acreditar que “ainda existem juízes no Brasil!”.

REFERÊNCIAS:

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: Uma defesa das regras do jogo. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

Por LUCAS CORREA DE LIMA



-Graduado em Direito pela UEFS
- Sócio do Escritório de Advocacia Neves, Lima & Rios
-Conciliador do TJBA
EMAIL:lucascorreia303@gmail.com

2 comentários:

  1. Um contra ponto.
    .
    Oxalá fosse inteiramente real essa visão de imparcialidade e impavidez as contendas políticas praticadas pelo nosso poder judiciário. Uma instituição que salvo exceções tem se mostrado grata a nomeações canhestras de filhos aos cargos de desembargadores(AS), bem como cobradas por suas indicações pelos seus patronos como o vemos em gravações.
    .
    Vejamos:
    .

    Filha de Marco Aurélio,Ministro do STF, Letícia Mello, derrota profissionais mais experientes e se torna Desembargadora do Tribunal Regional Federal 2 ª Região...
    .
    Mariana Fux Filha do Ministro Fux é cotada a desembargadora para o Tribunal Regional Federal 2 ª região...
    .
    Sem Joaquim Barbosa, STF absolve João Paulo Cunha de Lavagem de dinheiro.
    .
    Cesare Battisti, condenado a prisão perpétua na Itália, tem seu pedido de extradição aceito pelo STF, mas transferiram a decisão final ao então Presidente Lula, que não só o acolheu no Brasil como logo em 2011 concederam liberdade a ele ferindo tratados bilaterais.
    .
    Rosa Weber, citada por Lula,em escutas, terá saco para salvar Lula de Moro?
    .
    Isso sem objetarmos as ações do Procurador da República, cobrado por Lula, pelos pseudos ministros da injustas injustiças que açodam a discrepância da honradez do cargo.
    .
    Sermos pró ativos. Incitarmos a nação a luta e a não desistir é algo salutar para a nossa democracia. Mas confiar cegamente na nossa injusta justiça é deveras arriscado.
    .
    Nosso STF tem nos dado mostras gritantes que a Lei lá não é a RAZÃO LIVRE DA PAIXÃO. O que vemos é que a IDEOLOGIA esta interagindo nas ações...
    .

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado pela sua participação Álvaro, fico muito contente com a leitura e principalmente pelo diálogo.
      É bem verdade que as filhas dos ministros do STF foram recentemente agraciadas pela benesse do sangue azul para serem escaladas e galgarem postos os quais não lhe cabiam pelo currículo pífio que ainda possuem. Este certamente é um grave vício de moralidade decorrente do processo de seleção dos membros de nossos tribunais. Entretanto, este não é o foco desse artigo. O foco aqui discutido é a reação judicial e o ativismo de juízes frente desmandos, despautérios e delitos cometidos pelos membros dos outros poderes e as autoridades representantes do povo.
      O despotismo verificado com as filhas dos ministros não macula o trabalho dos juízes citados pelo artigo, quem se empenham cotidianamente para conduzir processos de grande risco e notoriedade em nosso país. Essa mácula pertence só aos próprios ministros do STF e devemos combater também. Esta não é uma face da Justiça propriamente, mas dos homens corruptos em si. Portanto, não recomendo que culpe o Judiciário, mas determinados componentes dele.
      No que tange ao caso Cesari, é bom que tenhamos em mente que o STF é um órgão de natureza mais política do que jurídica e isso infelizmente repercute nas decisões ali tomadas. Desta forma, STF não é parâmetro para falarmos de atividade técnica e puramente jurídica, pois o direito nem sempre é o objetivo de concretização por este Tribunal.
      Observe que o artigo fala dos magistrados de primeira instância, aqueles providos pela sua meritocracia e independentes de escolhas políticas para estarem onde estão. Nem por isso devemos perder a fé no STF. Aliás, tomando seu questionamento como exemplo, coincidentemente, a Ministra por você citada manteve Lula sob a competência de Moro hoje mesmo (ver notícia: http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/03/22/rosa-weber-nega-pedido-de-lula-para-suspender-decisao-de-gilmar-mendes.htm).
      Tenha esperança por dias melhores e lutemos por esses dias. Corruptos estão em todo lugar, mas ainda existem razões para acreditarmos. Ainda há Juízes em Berlim (e no Brasil também!)

      Excluir