quarta-feira, 23 de março de 2016

Vulnerabilidade do consumidor no e-commerce




A espinha dorsal do sistema consumerista, sempre presente nas relações de consumo, é o princípio da vulnerabilidade (ALMEIDA, 2009). 

E não há mais questionamentos acerca da vulnerabilidade do consumidor. Há notícias de inúmeros casos em que o consumidor é prejudicado por todos os modos e maneiras, e vê serem desrespeitados seus direitos consagrados no CDC e na Resolução nº. 39, da ONU. Em síntese, vulnerabilidade é um estado de fragilidade do consumidor. 

Desta forma, o princípio da vulnerabilidade está elencado no art. 4º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, não sendo apenas parte da estrutura da matéria, mas também elemento informador da Política Nacional de Relações de Consumo. 

Diante disso, 

a vulnerabilidade é qualidade intrínseca, ingênita, peculiar, imanente e indissolúvel de todos que se colocam na posição de consumidor, pouco importando sua condição social, cultural ou econômica [...] É incindível do contexto das relações de consumo, não admitindo prova em contrário por não se tratar de mera presunção legal (ARRUDA; ALVIM, 1995 apud FILHO, 2008, p. 38) 
E a fragilidade decorre por conta do consumidor não dispor do controle sobre os bens de produção, submetendo-se, portanto, aos poderes e jugo dos fornecedores. Tal vulnerabilidade classificada como técnica, 

decorre do fato de não possuir o consumidor conhecimentos específicos sobre o processo produtivo, bem assim dos atributos específicos de determinados produtos ou serviços pela falta ou inexatidão das informações que lhe são prestadas. É o fornecedor quem detém o monopólio do conhecimento e do controle sobre os mecanismos utilizados na cadeia produtiva. Ao consumidor resta, somente, a confiança, a boa-fé, no proceder honesto, leal do fornecedor, fato que lhe deixa sensivelmente exposto (FILHO, 2008, p. 40) 

Outra espécie de vulnerabilidade, a fática, é facilmente perceptível diante do comércio eletrônico, derivando da diferença da capacidade econômica e estrutural dos agentes econômicos, e a condição delicada do consumidor diante da internet. É o exemplo de quando o fornecedor não entrega o produto no prazo acordado, ou que nega garantia ao bem vendido (ALMEIDA, 2009). 

Por último a vulnerabilidade jurídica é consequência da falta de educação do consumidor ao mercado, não tendo este o conhecimento de seus direitos, e de muito menos saber fazer valer as suas prerrogativas em juízo ou fora dele. 

Confiram-se alguns julgados do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que por aplicabilidade do princípio da vulnerabilidade, rechaça as condutas dos fornecedores que aproveitam da fraqueza do consumidor para obter proveitos. 

EMENTA: CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. MULTA APLICADA PELO PROCON. COMPETÊNCIA E REGULARIDADE. VALOR. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. GRAVIDADE DO CASO. SENTENÇA MANTIDA. 

Confirma-se a sentença que julgou legítima a multa imposta pelo Procon Municipal em hipótese na qual, após respeitado o devido processo legal, foi confirmada a conduta ilícita e desrespeitosa da empresa demandante e que opera no comércio virtual e eletrônico. (TJMG, Apelação Cível 1.0701.10.032811-4/002, Relator(a): Des.(a) Alberto Vilas Boas , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/04/2013, publicação da súmula em 25/04/2013) 

Nesta jurisprudência, ressalte-se que a vulnerabilidade do consumidor está na circunstância de que mesmo sendo afirmada por sentença a conduta ilícita do fornecedor, que impeliu o Procon a determinar multa à empresa virtual para força-lo a resolver rapidamente o problema de consumo, este não o fez e ainda, requereu na Justiça mineira a anulação da referida multa. A Primeira Câmara Cível do TJMG entendeu ser legítima a cobrança da pena, mesmo que determinada pelo Procon, visto que a responsabilidade do fornecedor pelo dano foi confirmada através de processo judicial, o que caracterizou como válida, razoável e proporcional a multa cominada, sob a análise concreta. 

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO - APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR -COMPRA E VENDA PELA INTERNET - FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - NÃO ENTREGA DOS PRODUTOS ADQUIRIDOS E QUITADOS - RESPONSABILIDADE DA FORNECEDORA - CABIMENTO - DANO MORAL CONFIGURADO. 
A relação jurídica existente entre as partes litigantes é tipicamente de consumo, atraindo, assim, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor à lide. Assim, a responsabilidade é objetiva, prevista no art. 14 do CDC. 

Comprovada a falha na prestação do serviço, consubstanciada na não entrega dos produtos adquiridos pelo consumidor na internet, a fornecedora deve responder pelos danos experimentados pelo autor, considerando a assunção dos riscos do empreendimento, a falta de previsão de isenção de sua responsabilidade no que diz respeito à entrega do produto e a sua culpa in eligendo em relação à transportadora encarregada da entrega das mercadorias. 

Os fatos narrados na inicial não constituem mero aborrecimento ou dissabor do dia-a-dia. Ao contrário, os fatos relatados configuram um grave desrespeito para com o consumidor que, repita-se, ficou meses impedido de utilizar as mercadorias compradas no site da ré, causando-lhe frustrações e angústia diante da espera da entrega dos produtos. 

O valor da indenização deve ser fixado com prudência, segundo os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, mostrando-se apto a reparar, adequadamente, o dano suportado pelo ofendido, servindo, ainda, como meio de impedir que o condenado reitere a conduta ilícita. (TJMG, Apelação Cível 1.0284.10.004133-4/001, Relator(a): Des.(a) Evandro Lopes da Costa Teixeira , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 31/05/2012, publicação da súmula em 06/06/2012) 

Neste outro julgado, a vulnerabilidade do consumidor se demonstra fática, visto a não entrega dos produtos comprados pelo e-commerce ao consumidor, o que a 17ª Câmara Cível do TJMG entendeu ser passível de indenização por danos morais, por não se caracterizar os fatos em questão como mero dissabor do dia-a-dia. 

Interessante é o entendimento de Fábio Ulhoa Coelho acerca da vulnerabilidade do consumidor no comércio eletrônico. Para ele, e ao contrário do que entende Cláudia Lima Marques, o consumidor virtual sofre da mesma vulnerabilidade de como se estivesse comprando em um estabelecimento comercial físico, e podendo este até ser menor. Transcrevo, pois, seu parecer: 

Alguns autores consideram que o consumidor está mais vulnerável no comércio eletrônico do que no físico. Cláudia Lima Marques, entre eles, anota: ‘a importante pergunta que se coloca é se este meio eletrônico realmente aumentou o poder decisório do consumidor/cibernauta. A resposta é novamente pós-moderna, dúbia (claroscuro, em espanhol), porque a Internet traz uma aparência de liberdade, com o fim das discriminações que conhecemos (de cor, sexo, religião etc) e o fim dos limites do mundo real (fronteiras, línguas diferentes, riscos de viagens etc), mas a vulnerabilidade do consumidor aumenta. Como usuário da net, sua capacidade de controle fica diminuída, é guiado por links e conexões, em transações ambiguamente coordenadas, recebe as informações que desejam lhe fornecer, tem poucas possibilidades de identificar simulações e ‘jogos’, de proteger sua privacidade e autoria, de impor sua linguagem. Se tem uma ampla capacidade de escolher, sua informação é reduzida (extremo déficit informacional), a complexidade das transações aumenta, sua privacidade diminui, sua segurança e confiança parecem desintegrarem-se em uma ambiguidade básica: pseudo-soberania do indivíduo/sofisticação do controle!’ (MARQUES, 2004, p. 71/72). 

Não concordo com esse enfoque. A vulnerabilidade do consumidor, no comércio eletrônico, é a mesma a que se expõe no físico; e, em alguns casos, é até menor. Compare a situação do consumidor interessado apenas em se informar sobre determinado produto para ponderar se lhe convém a compra. Ao pedir informações na loja, será certamente atendido pelo vendedor, que, ao responder às dúvidas, se esforçará para convencê-lo a adquirir o produto. Para o vendedor comissionado, premido pela necessidade de produzir, quanto menos tempo for gasto com cada consumidor, melhor. Sua tendência será a de apressar a decisão de compra. 

Agora, pense no mesmo consumidor, em seu computador doméstico, visitando calmamente páginas na internet, para comparar preços e checar informações. Nesse caso, ninguém o força a absolutamente nada. Pode gastar o tempo que quiser; salvar arquivos para voltar a consultá-los no dia seguinte; ouvir a opinião de familiares. 

A exposição do consumidor a constrangimentos é visivelmente maior no comércio físico do que no eletrônico. Sua vulnerabilidade, nesse sentido, tende a ser um tanto menor neste último ambiente de consumo. (COELHO, 2006, p.1-2) 

Diante dos conceitos acima apontados, pode-se verificar que o comércio eletrônico possui vantagens, como a efetivação de uma compra de serviço ou produto sem sair do espaço físico onde o consumidor se encontra, e também, a possibilidade de pesquisar preços e informações pela internet, como apontado por Coelho (2006) no trecho acima. 

Não obstante, estas vantagens não sobrepõem ao risco que o consumidor assume ao comprar pelo comércio eletrônico. Desta forma, a conclusão a que se chega é que a vulnerabilidade do internauta nas compras via internet é maior, visto que ele pode ser alvo de estelionatários passados por fornecedores, que recolhem o pagamento da compra, mas não entregam o produto; ou então pode ser que ao efetuar a aquisição do produto ou serviço, o consumidor não receba a sua contraprestação, apesar de pago o valor correspondente, fatos estes que não aconteceriam caso o consumidor adquirisse algo em um estabelecimento físico. 

Assim, não há como se coadunar com o pensamento do ilustre doutrinador Fábio Ulhoa Coelho, a vulnerabilidade do consumidor virtual não pode ser menor, diante da maior possibilidade de haver uma ocorrência de um acidente de consumo. 

FONTES

ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 7ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. 


BRASIL, Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <htps://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 02 de Outubro de 2013. 

BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível 1.0701.10.032811-4/002, Relator(a): Des.(a) Alberto Vilas. Disponível em: 
<http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.0701.10.032811-4%2F002&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar>. Acesso em: 10 de outubro de 2013. 

BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível 1.0284.10.004133-4/001, Relator(a): Des.(a) Evandro Lopes da Costa Teixeira. Disponível em: 
<http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.0284.10.004133-4%2F001&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar>. Acesso em: 10 de outubro de 2013. 

FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008. 

COELHO, Fábio Ulhoa. Direitos do consumidor no comércio eletrônico. Disponível em: < http://www.ulhoacoelho.com.br/site/artigos/doutrina/54-direitos-do-consumidor-no-comercio-eletronico.html#nota1 >. Acesso em: 18 out. 2013. 

TÁVIA LORENZO MOTA





-Graduada pela Faculdade Três Pontas - Grupo Unis; e
-Advogada do Escritório Décio Freire & Associados
E-MAIL: tavialorenzo@gmail.com

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