quarta-feira, 8 de junho de 2016

A Valorização da Teoria da Vida Útil do Produto




Em que pese os fornecedores alegarem que o escoamento do prazo de garantia é impedimento para troca ou restituição do valor do produto, a responsabilidade pelo bom funcionamento do bem adquirido não se limita pura e simplesmente ao prazo contratual de garantia.

 A falta de comprometimento das empresas sob o escudo da falta de cobertura da garantia contratual deve ser rechaçada, corroborando com o entendimento, segue alguns julgados: 

RECURSO ESPECIAL.CONSUMIDOR. VÍCIO OCULTO. PRODUTO DURÁVEL. RECLAMAÇÃO. TERMO INICIAL.
1. Na origem, a ora recorrente ajuizou ação anulatória em face do PROCON/DF - Instituto de Defesa do Consumidor do Distrito Federal, com o fim de anular a penalidade administrativa imposta em razão de reclamação formulada por consumidor por vício de produto durável. [...] 3. De fato, conforme premissa de fato fixada pela corte de origem, o vício do produto era oculto. Nesse sentido, o dies a quo do prazo decadencial de que trata o art. 26,§6º [rectius, 3º] do Código de Defesa do Consumidor é a data em ficar evidenciado o aludido vício, ainda que haja uma garantia contratual, sem abandonar, contudo, o critério da vida útil do bem durável, a fim de que o fornecedor não fique responsável por solucionar o vício eternamente. A propósito, esta Corte já apontou nesse sentido. 4. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1.123.004/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 1/12/2011, DJe 9/12/2011)
Quarta Turma - DIREITO DO CONSUMIDOR. VÍCIO OCULTO. DEFEITO MANIFESTADO APÓS O TÉRMINO DA GARANTIA CONTRATUAL. OBSERVÂNCIA DA VIDA ÚTIL DO PRODUTO. 
O fornecedor responde por vício oculto de produto durável decorrente da própria fabricação e não do desgaste natural gerado pela fruição ordinária, desde que haja reclamação dentro do prazo decadencial de noventa dias após evidenciado o defeito, ainda que o vício se manifeste somente após o término do prazo de garantia contratual, devendo ser observado como limite temporal para o surgimento do defeito o critério de vida útil do bem. O fornecedor não é, ad aeternum, responsável pelos produtos colocados em circulação, mas sua responsabilidade não se limita, pura e simplesmente, ao prazo contratual de garantia, o qual é estipulado unilateralmente por ele próprio. Cumpre ressaltar que, mesmo na hipótese de existência de prazo legal de garantia, causaria estranheza afirmar que o fornecedor estaria sempre isento de responsabilidade em relação aos vícios que se tornaram evidentes depois desse interregno. Basta dizer, por exemplo, que, embora o construtor responda pela solidez e segurança da obra pelo prazo legal de cinco anos nos termos do art. 618 do CC, não seria admissível que o empreendimento pudesse desabar no sexto ano e por nada respondesse o construtor. Com mais razão, o mesmo raciocínio pode ser utilizado para a hipótese de garantia contratual. Deve ser considerada, para a aferição da responsabilidade do fornecedor, a natureza do vício que inquinou o produto, mesmo que tenha ele se manifestado somente ao término da garantia. Os prazos de garantia, sejam eles legais ou contratuais, visam a acautelar o adquirente de produtos contra defeitos relacionados ao desgaste natural da coisa, são um intervalo mínimo de tempo no qual não se espera que haja deterioração do objeto. Depois desse prazo, tolera-se que, em virtude do uso ordinário do produto, algum desgaste possa mesmo surgir. Coisa diversa é o vício intrínseco do produto, existente desde sempre, mas que somente vem a se manifestar depois de expirada a garantia. Nessa categoria de vício intrínseco, certamente se inserem os defeitos defabricação relativos a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, os quais, em não raras vezes, somente se tornam conhecidos depois de algum tempo de uso, todavia não decorrem diretamente da fruição do bem, e sim de uma característica oculta que esteve latente até então. Cuidando-se de vício aparente,é certo que o consumidor deve exigir a reparação no prazo de noventa dias, em se tratando de produtos duráveis, iniciando a contagem a partir da entrega efetiva do bem e não fluindo o citado prazo durante a garantia contratual. Porém, em se tratando de vício oculto não decorrente do desgaste natural gerado pela fruição ordinária do produto, mas da própria fabricação, o prazo para reclamar a reparação se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito, mesmo depois de expirado o prazo contratual de garantia, devendo ter-se sempre em vista o critério da vida útil do bem, que se pretende "durável". A doutrina consumerista – sem desconsiderar a existência de entendimento contrário – tem entendido que o CDC, no § 3º do art. 26, no que concerne à disciplina do vício oculto, adotou o critério da vida útil do bem, e não o critério da garantia, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício em um espaço largo de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual. Assim, independentemente do prazo contratual de garantia, a venda de um bem tido por durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de configurar um defeito de adequação (art. 18 do CDC), evidencia uma quebra da boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais, sejam elas de consumo, sejam elas regidas pelo direito comum. Constitui, em outras palavras, descumprimento do dever de informação e a não realização do próprio objeto do contrato, que era a compra de um bem cujo ciclo vital se esperava, de forma legítima e razoável, fosse mais longo. Os deveres anexos, como o de informação, revelam-se como uma das faces de atuação ou operatividade do princípio da boa-fé objetiva, sendo quebrados com o perecimento ou a danificação de bem durável de forma prematura e causada por vício de fabricação. Precedente citado: REsp 1.123.004-DF, DJe 9/12/2011. REsp 984.106-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 4/10/2012.

Todavia, é necessário refletir sobre a extensão da responsabilidade do fornecedor sobre os produtos comercializados, e definir um critério objetivo do prazo médio de duração de um bem de consumo durável, não podendo se pautar apenas no critério subjetivo da expectativa de duração do bem, o que ocasiona uma enorme insegurança jurídica.

Infelizmente, o Projeto- lei PL 5367/2013, que obriga o fornecedor de produtos a prestar informação ao consumidor sobre o tempo de vida útil de bens de consumo duráveis, foi arquivado e não há, atualmente, um critério objetivo para pautar o limite de responsabilidade das empresas. 

Imperioso lembrar que, o marco do nascimento do direito de reparação devido ao consumidor, é a data em que o vício for constatado, porém o consumidor sempre ficará refém do prazo de garantia estabelecido no contrato.

 Ilustrando: atualmente, milhares de smartphones são vendidos, com apenas 1 ano de garantia. Imagine que, após um ano e uma semana depois da compra, o consumidor seja surpreendido um problema que compromete o uso adequado do celular. Note que, no exemplo, a anormalidade sempre existiu, mas nunca foi descoberta, somente aparecendo em momento posterior ao término da garantia. Nesse caso, é de se indagar: qual é o tempo de vida útil de um smartphone com tecnologia de ponta? Não seria o prazo de garantia contratual de apenas 1 ano abusivo? Ou seria natural já que utilizamos o celular, diversas horas do dia? 

Segundo o Professor Leonardo Bessa que oportunamente comentou em sua obra “Vícios dos Produtos: paralelo entre o CDC e o Código Civil", verbis: 
“Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito”. O dispositivo possibilita que a garantia legal se estenda, conforme o caso, a três, quatro ou cinco anos. Isto é possível porque não há, de propósito, disposição, indicando o prazo máximo para o aparecimento do vício oculto, a exemplo da disciplina do CC/2002 (§1º, art.445). O critério para a delimitação do prazo máximo de aparecimento dom vício oculto passa a ser o da vida útil do bem"
Concluindo, a fixação do critério de vida útil do produto é de extrema importância para evitar um litígio, e forçar as empresas e comercializarem os produtos de maneira transparente, deixando o consumidor a par do prazo aproximado de duração daquele produto, em conformidade com os pilares do Código de Defesa do Consumidor, e respeitando a legítima vontade de usufruir do bem por tempo proporcional e razoável ao investimento que fora realizado. 

Por MARIA RAFAELA LEONARDI GALHARDI - OAB/SP 339.109












Bacharel em Direito pela Fundação Armando Alvares Penteado-FAAP (Dezembro/2012);
Graduanda do Curso de Especialização em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica; e
– Sócia no escritório BFGV ADVOGADOS ASSOCIADOS; e
- Áreas de Atuação : Direito Civil, Direito Imobiliário e DireitoTrabalhista.

Um comentário:

  1. Dra. Maria Rafaela, obrigado por suas elucidações: Onde poderia encontrar jurisprudências objetivas quanto ao tempo de vida útil? Por exemplo para eletrodomésticos, celulares, automóveis?
    Obrigado.

    ResponderExcluir