domingo, 30 de abril de 2017

Um olhar para além da Baleia Azul



O Baleia Azul (Blue Whale) é algo que tem preocupado as autoridades e as famílias no momento. Isso porque é um suposto “jogo” onde o participante precisa cumprir uma série de tarefas ditadas por um curador, como se auto -mutilar, tirar fotos em locais perigosos, e inclusive tirar a própria vida.

Há um tipo específico de perfil que entra nesse jogo, e não é à toa que o recrutamento é realizado nas redes sociais e em chats online específicos. Adolescentes que sofrem de depressão ou de outros transtornos psiquiátricos são o público alvo. Inclusive, há uma considerável probabilidade de não haver um “curador” humano que dita as tarefas, mas sim um programa (chatbot) que cumpre esse papel.

Diante dessa questão, pode-se refletir sobre a importância das redes sociais e da tecnologia para as gerações mais jovens. É de suma importância problematizar sobre o papel desse tipo de realidade paralela em nossas vidas e sobre o quanto não estamos preparados para nos proteger de crimes cibernéticos e das dificuldades de diferenciar afetivamente o mundo virtual do mundo palpável.

Além disso, é curioso notar a reação de algumas pessoas frente ao Blue Whale, alegando que esses adolescentes que participam não tiveram uma educação “rígida” o bastante (leia-se “rígida” como um eufemismo para castigos corporais).

O Blue Whale, apesar de lamentável, pode servir de alerta para o modo como os relacionamentos têm se desenvolvido. Tirando o fato de as relações humanas estarem em constante evolução e mudança, e da importância das mídias sociais para a facilitação do cotidiano, ficam algumas perguntas: até que ponto a importância dada às relações virtuais tem crescido? Por que, para os adolescentes, a realidade virtual é algo tão crucial? É possível que uma relação virtual possa suprir todas as necessidades que uma relação do plano palpável satisfaz? 

O suicídio é um triste fenômeno que ocorre nas mais diversas faixas etárias (crianças, adolescentes, adultos e idosos), sendo a segunda maior causa de morte entre adolescentes no mundo. Pouco se fala do suicídio infanto-juvenil, talvez por conta de um tabu, talvez por conta de uma visão cultural romantizada da criança e do adolescente.

Não é uma educação rígida e coercitiva que irá impedir que os sentimentos de vazio uma pessoa aflorem, ou ainda que uma pessoa deixe de adoecer. Uma educação que propicie ao adolescente a expressão de seus sentimentos e opiniões, ou seja, diálogo, troca afetiva e que ponha limites, irá auxiliar o adolescente a enfrentar esse momento de sua vida. É na adolescência que o sujeito se desprende de uma visão infantil do mundo e ao mesmo tempo constrói uma visão particular, mais madura. Esse processo é doloroso, pois ele precisa elaborar uma série de perdas da infância e construir uma nova identidade. Por isso, os pais deixam de ser o centro de seu universo e ele passa a buscar outras referências, como os amigos.

Frente ao fato de colocar-se em situações de extremo risco por conta de um imperativo de um suposto chatbot ou de um ameaçador desconhecido, brota o sentimento de impotência. O ser humano necessita de contato, valorização, troca, reconhecimento e pertencimento. 

A reação do público frente à notícia desse fenômeno “Blue Whale” é de incompreensão, chacota, indignação. Há grande desinformação em relação às doenças mentais no Brasil. Infelizmente a população crê que doença mental tem haver com falta de caráter, o que revela que ainda existe uma visão cultural de que o louco é “mau”, “perigoso” ou “fraco”. As doenças mentais são muito comuns, e as suas origens são multideterminadas, não tendo relação nenhuma com o “caráter” da pessoa. Infelizmente, apenas 20% das pessoas que sofrem de transtornos mentais buscam tratamento, muito provavelmente devido a essa visão cultural negativa. Por isso, é importante olharmos para além do fenômeno Baleia Azul e colocarmos em prática atitudes acolhedoras, amáveis e compreensivas diante daquele que sofre de um transtorno mental. Isso é o mais correto a se fazer, tanto em termos terapêuticos como preventivos.

POR DÉBORA GOMES VICTORINO-CRP 06/122832



















-Graduada em Psicologia nas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU);

-Pós-graduada em Psicologia Hospitalar pelo Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein; e
-Psicóloga na Casa de Repouso Sabra em Várzea Paulista, onde atende idosos residentes na instituição.
Atua na área clínica utilizando-se da perspectiva psicanalítica. Consultório em Jundiaí/SP – Rua Capitão Ricardo de Toledo 191 / 10 andar – sala 1002 Chácara Urbana - Edifício Golden Office - Telefone: 11 95341-5813.
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Um comentário:

  1. A mente humana é uma incógnita...
    Penso que não exista no universo conhecido, ser mais INFLUENCIÁVEL, MANOBRÁVEL e MANIPULÁVEL que os seres humanos...

    A vida é uma dádiva DIVINA. Nós humanos nos desprendemos dela com muita facilidade. Morremos e matamos sempre em função de alguma necessidade coletiva.

    Estamos confundindo adultos e jovens tolos com crianças com algum grau de deficiência.Só um tolo se atira ao precipício para sair do anonimato.

    As redes sociais proliferam ilusões, mas o cérebro humano também tem a sua disposição soluções sadias para viver em paz. Por algum motivo que não a demência nos impulsionamos à crateras sem fundo...

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