segunda-feira, 29 de maio de 2017

Amor demais


─ Para Katia Duarte ─

Você se lembra? Eu bem que lhe avisei naquele final de tarde, quando a opção que você jogou entre as quatro paredes do quarto, foi a de amarrar na pele a dor da separação ou chorar pela futura angústia da solidão.

Você se lembra? Eu bem que lhe avisei que o nosso amor, esfarelado naquele final de tarde tal qual o pão nosso de cada manhã, iria voltar faminto dos tresloucados momentos de todos os nossos ontens.

Iria voltar, tenebrosa fera faminta, e iria devorar, um a um, os pedaços do que fomos nós.

Devoraria nossa cama, nossos lençóis, nossos travesseiros, para depois escancarar os guarda-roupas e devorar as suas calcinhas, suas saias e seus vestidos. E minhas camisas, minhas calças, meus ternos com todas suas velhas e descoradas gravatas. Nossos sapatos e nossas meias.

Depois, em sua fome desmedida pelo tempo em que estivemos juntos, comeria os meus e os seus livros; o seu diário de capa grená. e todos os álbuns de vinil. Ah!... E tem mais: devoraria os porta-retratos repousados em cima da mesinha de centro. E avançaria sobre todos os quadros pendurados nas paredes, e os tapetes e as cortinas da sala.

Eu bem que lhe avisei que o nosso amor esfarelado naquele final de tarde tal qual o nosso pão de cada dia, iria voltar com uma fome desmedida. Iria avançar cozinha a dentro e iria devorar as panelas, os pratos, os garfos, as facas e as colheres. Comeria todo o estoque da dispensa e o conteúdo da geladeira.

Eu bem que lhe avisei. Você se lembra? Eu bem que lhe avisei ─ e insisto neste ponto! ─ eu bem que lhe avisei naquele final de tarde, quando a opção que você jogou entre todas as paredes da nossa casa, foi amarrar na pele a dor da separação ou chorar pela futura angústia da solidão. Eu alertei que o nosso amor destroçado em cacos iria voltar com as entranhas famintas de todos os momentos das tantas noites mal dormidas pelos desesperados desejos de cada um de nós.

Fera ferida, nosso antigo amor iria voltar e, junto com todas as flores do jardim, iria devorar um a um, os pedaços do que um dia fomos nós. E também a nossa paz, a nossa alegria, a nossa dor, as nossas lágrimas, para no final devorar a nossa morte.

Eu bem que lhe avisei. Você se lembra?

POR LUÍS LAGO











- Acriano, por criação ─ Paulistano, por adoção ─ Cearense, por paixão;
- Cronista, por obsessão ─ Artista plástico e fotógrafo, por distração ─ Psicólogo, por formação e
-Autor de "O Beco" (poesias) e de "São tênues as névoas da vida" (romance EM estilo de "realismo fantástico")

Nota do Editor:

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