Autor: Rogério Alves(*)
Em toda relação consumerista, principalmente na esfera contratual, muitos não se atentam as menções da parte final dos contratos, mesmo estando logo abaixo da parte que assinam, trata-se da "Eleição do Foro Judicial" para dirimir qualquer conflito gerado em virtude da relação ali estabelecida.
Claro que ao concretizar uma relação de consumo entre o fornecedor e consumidor, espera-se que não haja conflitos e nem descumprimentos das cláusulas contratuais, porém a grande demanda de ajuizamentos de processos judiciais desta natureza, demonstra que muitos problemas ocorrem nesse tipo de relação.
Justamente por esses motivos, a eleição de foro se torna algo importante no contrato que envolva relação de consumo, vez que no mundo globalizado que vivemos, bem como a notória comunicação potencializada pelas redes sociais, os entes da relação contratual, embora estejam bem distantes entre si separados até mesmo por bairros, cidades, estados e países, se aproximam pelas ferramentas eletrônicas disponíveis.
Vejamos essas questões atuais na prática, por exemplo, tempos atrás se permitia assinar fisicamente o contrato em determinado local e, logo após, esse era enviado via correio para assinatura da outra parte, que no caso reside em outra cidade, podendo levar dias para se concluir um negócio, hoje em dia se permite assinar eletronicamente com validação digital por entes autorizadores (gov.br) e até com reconhecimento de firma pelo "e-notariado", ou seja, por mais que as partes estejam distantes, não se exige a presença física das mesmas para o estabelecimento de um contrato expresso válido. Estas transações podem se concluir em minutos.
É nesse momento que se torna importante a eleição do foro competente, afinal de contas, se der algum problema, onde ajuizar a ação, perto do fornecedor ou do consumidor?
O Código de Processo Civil (CPC) estabelece a competência das ações judiciais em geral (artigos 42 e seguintes do CPC) e dependendo do tipo da causa, ela se modifica. O "Foro de Eleição" existe em razão do permissivo previsto em Lei (art. 63 do CPC), atribuindo a modificação entre o combinado pelas partes envolvidas em razão do valor e do território onde ocorre o negócio. Exige forma escrita com alusão ao negócio jurídico (§1º do art. 63 do CPC), obriga herdeiros e sucessores (§2º do art. 63 do CPC), pode ser refutado de ofício pelo juiz se considerado abusivo (§3º do art. 63 do CPC) ou pela parte (§4º do art. 63 do CPC), a abusividade da eleição deve ser justificada (§5º do art. 63 do CPC).
Recentemente a Lei nº 14.879/2024, estabelecida no dia 04 (quatro) de junho, alterou algumas regras do art. 63 do CPC no que diz respeito as relações de consumo, não permitindo que a eleição do foro seja mencionada de qualquer jeito. A primeira alteração ocorreu no §1º, acrescentando o texto "e guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação, ressalvada a pactuação consumerista, quando favorável ao consumidor", ou seja, além de ter forma escrita expressando o negócio jurídico, o foro escolhido deve guardar pertinência com o endereço das partes e o local da obrigação, porém, sendo relação de consumo, a eleição do foro pode favorecer o consumidor.
Dessa forma, diante da alteração, por exemplo, em sendo determinado negócio de natureza consumerista e o fornecedor reside em Diadema - SP e o consumidor em Poá - SP e o cumprimento do contrato for uma entrega em São Caetano do Sul – SP, o foro de eleição não pode ser em Guarulhos – SP, salvo se for vantajoso ao consumidor, em sendo Guarulhos – SP o local de trabalho dele e próximo ao advogado que ele costuma contratar.
A segunda alteração ocorreu com a inclusão do §5º no art. 63 do CPC, possuindo assim o seguinte texto "O ajuizamento de ação em juízo aleatório, entendido como aquele sem vinculação com o domicílio ou a residência das partes ou com o negócio jurídico discutido na demanda, constitui prática abusiva que justifica a declinação de competência de ofício". O texto trouxe uma nova modalidade de prática abusiva, auxiliando o juiz no enquadramento da definição legal aos casos práticos no momento da análise e aplicação do disposto no §3º do mesmo artigo, lhe permitindo antes mesmo da citação, refutar ineficaz de ofício a eleição do foro abusivo, determinando assim a remessa dos autos ao foro de domicílio do réu.
Essas alterações visam a dar maior proteção ao consumidor, onde a Lei o trata como parte mais vulnerável da relação, vez que é de notório conhecimento que o foro de eleição muita das vezes está fora do escopo de negociações na esfera de consumo, na maioria dos casos os contratos seguem o modelo de adesão, onde a maioria das cláusulas são fixadas previamente e sem margem de negociação, inclusive a cláusula do foro de eleição enquadra-se nesse modelo.
Empresas com o maior poder econômico, possuem acesso a ótimas assessorias jurídicas que realizam pesquisas no intuito de saber quais Foros e Tribunais emitem decisões mais favoráveis aos seus tipos de negócio, sobrecarregando assim determinados Fóruns com muitos processos, por esta razão o foro de eleição de determinado contrato é bem diferente do domicílio das partes, com certeza a escolha não é aleatória e isso torna desigual a relação jurídica ali estabelecida, cabendo a Lei tornar a relação entre fornecedor e consumidor o mais equitativo possível.
Por outro lado, pode-se construir argumentos que tornam essas alterações legislativas uma verdadeira afronta a liberdade contratual e a autonomia da vontade, portanto inconstitucional (art. 5º, II da Constituição Federal), impondo limites às partes quanto a escolha do foro de eleição. No mais, a aplicação dessas regras em contratos internacionais podem trazer algumas complicações, bem como nos contratos em que o objeto envolver múltiplas jurisdições.
Conforme visto, as alterações legislativas quanto ao foro de eleição coloca na balança de um lado a proteção do consumidor e do outro lado a liberdade das partes no contrato. Por ser recente, como todo texto polêmico que o Poder Legislativo produz, caberá a jurisprudência de nossos Tribunais definir qual a melhor e a mais saudável aplicação do texto no dia a dia das relações consumerista, só o tempo trará as respostas quanto a melhor aplicação.
Fontes:
https://www.migalhas.com.br/depeso/415414/lei-14-879-24-novas-diretrizes-e-implicacoes-de-foro-civil
* ROGÉRIO ALVES
-Advogado Graduado no Centro Universitário Nove de Julho - 2004;
- Especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito - 2007;
- Advogado parceiro da Buratto Sociedade de Advogados e da Shilinkert Sociedade de Advogados e
- Palestrante do Departamento de Cultura e Eventos da OAB Seção São Paulo
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