Autora: Maria Rafaela de Castro(*)
Mal nos recuperamos da angústia do
POÇO 1, filme da Netflix, de produção espanhola, de 2019, e a plataforma lança
nesse ano o POÇO 2.
Mas
vamos com calma. Afinal, estamos, todos (e isso, em nível mundial) no fundo do
poço com uma sociedade cada vez materialista e com perda de valores esquecendo
a noção de solidariedade coletiva e espontânea.
No
filme, trata-se de um estranho, exótico e sinistro experimento, em que 666
pessoas estão no poço, de 333 andares (2 pessoas por andar), e todos os dias,
por apenas uma vez e por alguns minutos, desce uma mesa de comida que é
distribuída de cima para baixo.
Quem
está nos andares de cima come à vontade. Quem está embaixo fica com fome.
Mas
a situação de todos é dinâmica, pois, nesse experimento, todos os meses, as
pessoas mudam de andares no POÇO. Então, quem, em determinado mês, pode comer o
que quiser nos primeiros andares, pode, simplesmente, ir para o 333o andar e
ficar sem comida por 30 dias e até morrer, literalmente, de fome.
E
esse experimento do filme traz diversas interpretações políticas, sociológicas,
filosóficas, humanas, religiosas.
Isso
porque o POÇO é uma representação do mundo em que as pessoas estão escalonadas,
forçadas dentro de uma hierarquia em que a miséria é profunda e cíclica.
O
POÇO mostra a sociedade em que estamos inseridos nesse momento. Uns se
alimentam do que resta dos demais ou nem se alimenta, pois nem os restos e
migalhas chegam para os que estão mais abaixo. E não estamos falando só de
comida, mas de direitos e dignidade.
Um
dos pontos que mais chama a atenção no filme e na sociedade contemporânea é a
força do egoísmo que nos afasta do senso de humanidade e solidariedade uns com
os outros.
Quem
está em cima (mesmo consciente que sua condição é transitória) não se preocupa
com quem está abaixo e, assim, sucessivamente, pois as pessoas só se preocupam
em suprir sua necessidade naquele momento. E, além disso, as pessoas não
desenvolvem empatia, mesmos cientes de que o sistema é cíclico.
Até
que uma das soluções apontadas no filme é distribuir a comida por igual para
que todos pudessem se alimentar, mesmo sem abundância.
Será isso possível?
Trazendo para a auto – reflexão: seríamos capazes de renunciar algumas de nossas oportunidades e privilégios para que os que estão abaixo de nós possam usufruir de um pouco de dignidade?
Não me diga que a resposta é SIM de forma fácil, porque, na verdade, não é.
Estamos num movimento alucinante de materialismo em que esquecemos os valores mais significativos capazes de despertar nossa humanidade.
O POÇO nos traz uma alegoria de como as classes mais abastadas não se preocupam com os que estão abaixo, alienando-se a uma preocupação coletiva, esquecendo que a humanidade deve ser compreendida num âmbito grupal e não, individual.
A hierarquização do POÇO nos leva a compreender que essa hierarquia distancia as pessoas e os seres humanos são forçados a cultivar o egoísmo, afastando a ideia de espontaneidade na solidariedade entre nós.
É
esse sistema vertical que molda as nossas vidas, do qual apenas o "EU", o "MEU"e o "MIM" são importantes. Desconsideramos os pronomes "NÓS, NOSSOS, CONOSCO".
O filme tem como mensagem, entre outros, e sem conferir spoiller, que somente pela solidariedade e o altruísmo a humanidade conseguirá evoluir e até sobreviver.
E,
sem mais especulações, com todos os abusos cometidos no mundo de hoje, convido
a todos para nos imaginarmos no fundo do poço e de como nos sentiríamos se por
30 dias fossemos privados de todos os privilégios.
Será
que a dor da fome nos tornaria mais sensíveis caso chegássemos no mês seguinte
no primeiro ou segundo andar?
Será
que não chegaríamos nos primeiros andares revoltados e com a vontade de
consumir o máximo que pudéssemos em razão da ausência que tivemos ou será que
subiríamos com empatia e aprendido na dor que deveríamos pensar aos que estão
abaixo?
Temo
pelas respostas rápidas, mas reconheço o quanto nos é difícil desapegar de bens
materiais em prol de um coletivo ou de um bem maior do grupo.
O
filme é angustiante e nos traz essa terrível reflexão.
Se
você ainda não o assistiu, tome muito cuidado com os gatilhos que podem ser
disparados. E para os que já viram, boa sorte com o POÇO 2. Eu, pelo menos, não
estou ainda pronta.
Muitos
de nós, conseguirão, durante a sua vida, manter-se nos primeiros andares do
poço, comendo as melhores iguarias e os pratos que chegam sem serem os restos
dos que já comeram. Mas, meus amigos, até isso é uma ilusão.
Enquanto
nossa sociedade for tão desigual e injusta, não se enganem: estamos todos
falhando na nossa humanidade e, literalmente, estamos todos, querendo ou não,
conscientes ou alienados, ainda no fundo do poço, no 333o andar.
Quando
vamos subir todos juntos?
* MARIA RAFAELA DE CASTRO
-Graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará(2006);
-Pós -Graduada em Direito do Trabalho pela Faculdade Estácio de Sá (2008);
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