segunda-feira, 25 de novembro de 2024

O fundo do poço


 

Autora: Maria Rafaela de Castro(*) 

Mal nos recuperamos da angústia do POÇO 1, filme da Netflix, de produção espanhola, de 2019, e a plataforma lança nesse ano o POÇO 2.

Mas vamos com calma. Afinal, estamos, todos (e isso, em nível mundial) no fundo do poço com uma sociedade cada vez materialista e com perda de valores esquecendo a noção de solidariedade coletiva e espontânea.

No filme, trata-se de um estranho, exótico e sinistro experimento, em que 666 pessoas estão no poço, de 333 andares (2 pessoas por andar), e todos os dias, por apenas uma vez e por alguns minutos, desce uma mesa de comida que é distribuída de cima para baixo.

Quem está nos andares de cima come à vontade. Quem está embaixo fica com fome.

Mas a situação de todos é dinâmica, pois, nesse experimento, todos os meses, as pessoas mudam de andares no POÇO. Então, quem, em determinado mês, pode comer o que quiser nos primeiros andares, pode, simplesmente, ir para o 333o andar e ficar sem comida por 30 dias e até morrer, literalmente, de fome.

E esse experimento do filme traz diversas interpretações políticas, sociológicas, filosóficas, humanas, religiosas.

Isso porque o POÇO é uma representação do mundo em que as pessoas estão escalonadas, forçadas dentro de uma hierarquia em que a miséria é profunda e cíclica.

O POÇO mostra a sociedade em que estamos inseridos nesse momento. Uns se alimentam do que resta dos demais ou nem se alimenta, pois nem os restos e migalhas chegam para os que estão mais abaixo. E não estamos falando só de comida, mas de direitos e dignidade.

Um dos pontos que mais chama a atenção no filme e na sociedade contemporânea é a força do egoísmo que nos afasta do senso de humanidade e solidariedade uns com os outros.

Quem está em cima (mesmo consciente que sua condição é transitória) não se preocupa com quem está abaixo e, assim, sucessivamente, pois as pessoas só se preocupam em suprir sua necessidade naquele momento. E, além disso, as pessoas não desenvolvem empatia, mesmos cientes de que o sistema é cíclico.

Até que uma das soluções apontadas no filme é distribuir a comida por igual para que todos pudessem se alimentar, mesmo sem abundância.

Será isso possível?

Trazendo para a auto – reflexão: seríamos capazes de renunciar algumas de nossas oportunidades e privilégios para que os que estão abaixo de nós possam usufruir de um pouco de dignidade?

Não me diga que a resposta é SIM de forma fácil, porque, na verdade, não é.     

Estamos num movimento alucinante de materialismo em que esquecemos os valores mais significativos capazes de despertar nossa humanidade.

O POÇO nos traz uma alegoria de como as classes mais abastadas não se preocupam com os que estão abaixo, alienando-se a uma preocupação coletiva, esquecendo que a humanidade deve ser compreendida num âmbito grupal e não, individual.

A hierarquização do POÇO nos leva a compreender que essa hierarquia distancia as pessoas e os seres humanos são forçados a cultivar o egoísmo, afastando a ideia de espontaneidade na solidariedade entre nós.

É esse sistema vertical que molda as nossas vidas, do qual apenas o "EU", o "MEU"e o "MIM" são importantes. Desconsideramos os pronomes "NÓS, NOSSOS, CONOSCO".

O filme tem como mensagem, entre outros, e sem conferir spoiller, que somente pela solidariedade e o altruísmo a humanidade conseguirá evoluir e até sobreviver.

E, sem mais especulações, com todos os abusos cometidos no mundo de hoje, convido a todos para nos imaginarmos no fundo do poço e de como nos sentiríamos se por 30 dias fossemos privados de todos os privilégios.

Será que a dor da fome nos tornaria mais sensíveis caso chegássemos no mês seguinte no primeiro ou segundo andar?

 Será que não chegaríamos nos primeiros andares revoltados e com a vontade de consumir o máximo que pudéssemos em razão da ausência que tivemos ou será que subiríamos com empatia e aprendido na dor que deveríamos pensar aos que estão abaixo?

Temo pelas respostas rápidas, mas reconheço o quanto nos é difícil desapegar de bens materiais em prol de um coletivo ou de um bem maior do grupo.

O filme é angustiante e nos traz essa terrível reflexão.

Se você ainda não o assistiu, tome muito cuidado com os gatilhos que podem ser disparados. E para os que já viram, boa sorte com o POÇO 2. Eu, pelo menos, não estou ainda pronta.

Muitos de nós, conseguirão, durante a sua vida, manter-se nos primeiros andares do poço, comendo as melhores iguarias e os pratos que chegam sem serem os restos dos que já comeram. Mas, meus amigos, até isso é uma ilusão.

Enquanto nossa sociedade for tão desigual e injusta, não se enganem: estamos todos falhando na nossa humanidade e, literalmente, estamos todos, querendo ou não, conscientes ou alienados, ainda no fundo do poço, no 333o andar.

Quando vamos subir todos juntos?

* MARIA RAFAELA DE CASTRO





















-Graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará(2006);

-Pós -Graduada em Direito do Trabalho pela Faculdade Estácio de Sá (2008);

-Mestrado em Ciências Jurídicas na Universidade do Porto Portugal(2016);

-Doutoranda em Direito na Universidade do Porto/Portugal;

-Juíza do Trabalho Substituta da 7a Região; 

-Formadora da Escola de Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará;

-Professora de Cursos de Pós Graduação na Universidade de Fortaleza - Unifor;

-Professora de cursos preparatórios para concursos públicos;

-Professora do curso Gran Cursos online; e

-Professora convidada da Escola Judicial do TRT 7a Região; Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; e
-Palestrante.

- Instagram @juizamariarafaela

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

Nenhum comentário:

Postar um comentário