segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Até Quando se Pode Sonhar?


Autora: Beatriz Ramos Mesquita(*)

Estou procurando casa em uma cidade vizinha, e o que deveria ser a celebração de um novo ciclo se transformou em corrida de obstáculos para driblar a velhice que bate às portas.

- Precisa ser térrea – alerta a amiga que acaba de quebrar o pé brincando com os cachorros e descobriu-se ilhada no quarto, até que o médico permita que pise no chão, e nas escadas que levam à sala.
- Lembre-se de checar se a cidade tem hospital, lembra o filho do meio, preocupado com a minha saúde.
- Tem que ser um lugar seguro – grita em silêncio a minha velha interior, não quero virar estatística, em um país que ocupa o desonroso 5º lugar no ranking mundial de maiores assassinos de mulheres.

E agora: paro e grito? Minha renovação não será tão simples quanto esperava, até porque está mais para "velhação". Mudar de vida e de cidade aos 62 anos não é para fracas – pelo menos o coração está em ordem, um check-up a menos -,será que vou conseguir me adaptar?Fazer novas amizades, viver em paz?

Não preciso ser velha para cair em uma casa de dois andares, respondo mentalmente à amiga preocupada, mas concedo que descer escadas vai ficando mais complicado. Como será que as pessoas viviam a vida inteira em casas imensas, com vários andares? Morriam cedo, inclusive partindo o pescoço em degraus escorregadios. Também acabavam enterradas embaixo deles, como parece ter acontecido com Eduardo V e seu irmão Ricardo, na Torre de Londres, mas essa é outra história.

Ter hospital por perto ajuda, sem dúvida, só que se o INSS continuar negando minha aposentadoria devo morrer de inanição em poucos meses, então é besteira me preocupar com internações imaginárias. Para doenças leves a ambulância me traz, para os graves...bom... O nome da cidade é Alto Paraíso, caso me aconteça alguma coisa, estarei bem encaminhada.

Para viver segura, tenho a solução. No caso, uma fêmea dobermann de 4 anos que acha que manda em mim e vira fera, assim que passo pelo portão. Uma vez dentro de casa, minha pequena se encarrega de me manter inteira. "Melhor dois"; rebate a amiga de pé quebrado, oferecendo um filhote ainda não encomendado pelo casal de meliantes responsável por seu infortúnio. Ueba! Adoro a raça e ter um pequeno monstrinho roendo minhas canelas soa bem. Mas será que ainda dá tempo de criar outro cão?

Tudo agora é mais urgente, datado. As metas para 20 anos parecem otimistas demais, o que não é mal, levando-se em conta que meus dentes podem não durar tanto e tenho horror a dentaduras. 

Acho que vou desencanar, aceitar feliz o novo cãozinho, morar na casa que me seduzir – de preferência térrea, vá lá – e mudar de cidade sabendo que, se sou uma eremita em Brasília, provavelmente continuarei sendo antissocial em meu novo pouso, então não preciso perder tempo pensando em novas amizades. 

Vou relaxar, aproveitar a viagem e, para não perder o hábito, me dedicar a novas preocupações. Dizem que Alto Paraíso é a cidade dos ETs, o que será dos cachorros, se me abduzirem? Aceitam pets em disco voador?

*Beatriz Ramos Mesquita


-Cronista; e
Publicitária 
Trabalha com mídias sociais. 









NOTA DO EDITOR :

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Um comentário:

  1. Que delícia de planos! permitir-se um novo ciclo é sabedoria de pucos nessas circunstâncias da vida,- adoro essas ousadias!
    Uma coisa, será impossível ser eremita em Alto Paraíso.
    Boa sirte Bia! Que bom que vc viverá novos ares, e logo ali!

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