sábado, 29 de julho de 2023

A utilização da tecnologia na infância para fins recreativos é benéfica?


 Autora: Márcia Stochi(*)


As memórias afetivas que veem da infância são recheadas de lembranças que nos remete a antigas brincadeiras onde corríamos, jogávamos bola, desenhávamos, imitávamos os adultos. Esse universo de experiências, nascem no seio familiar e no ambiente escolar, inseridos em uma determinada época, com brinquedos, fatos e recursos característicos, envolvendo aspectos culturais e sociais. Tudo isso forma um mundo de cores, odores, sabores que contribuiu com nosso desenvolvimento e que guardamos em nossa memória. Recordamos nossas vivências, em momentos da vida adulta, para lembrarmos de onde viemos, quem somos, o que nos identifica e o que partilhamos com os indivíduos de uma mesma geração.

Mas e se essas vivências não forem reais, mas sim virtuais? Como será esse desenvolvimento?

Para tentar responder esses questionamentos, iniciamos recorrendo à um documento oficial do Ministério da Educação, verificando o que nos recomendam para essa faixa etária. A Base Nacional de Conteúdos Curriculares – BNCC, reforça que a Educação infantil, deve ser partilhada pela família e pelo ambiente escolar, respeitando os aspectos culturais de cada comunidade, promovendo o diálogo entre os atores de ambos os ambientes, para que interajam e troquem informações sobre o desenvolvimento de cada criança. Nessa faixa etária, o ato de brincar é do que mais se ocupa uma criança, assim momentos de aprendizagem de modo lúdico potencializa o seu desenvolvimento. Portanto, deve-se ter atenção para esses momentos de lazer, proporcionando situações e atividades que sejam benéficas para sua formação. Não se trata apenas de distrair a criança, mas sim de lhe proporcionar oportunidades que além de agradáveis sejam enriquecedoras, pois é impossível repor esse tempo, mesmo para uma criança.

As interações humanas com adultos ou com outras crianças desenvolvem a socialização, permite a criação de laços afetivos, a mediação de frustrações a resolução de conflitos e a regulação das emoções. O lazer compartilhado por uma tela não é capaz de proporcionar tais experiências. Daí, temos jovens que criados em demasia nesse mundo digital, não aceitam frustrações, não controlam suas emoções, culminando numa geração deprimida, que mergulha em um mundo virtual em detrimento ao real.

Para que sejam respeitados os momentos de aprendizagem das crianças a BNCC (2017), descreve os diretos de aprendizagem na Educação infantil que passamos a comentar, baseado nesse documento. Assim, toda criança:

  • precisa conviver com outras crianças e adultos, em duplas ou em grupos, em atividades lúdicas, podendo cantar, dançar, se expressar, ou simplesmente se manifestar oralmente, com seu próprio vocabulário, promovendo o autoconhecimento, aprendendo a ter empatia, encontrando similaridades e diferenças, respeitando culturas e pessoas distintas.;
  • necessita brincar cotidianamente de formas diversas, em diferentes espaços e tempos, utilizando sua imaginação, sua criatividade, expondo suas experiências emocionais. Deve expressar-se por meio de palavras, de movimentos corporais, de produções culturais, de modo que deixe transparecer suas emoções e medos, para que os adultos em seu entorno possam acompanhar seu desenvolvimento, e socorrê-la em suas dificuldades;
  • deve atuar de modo participativo expondo suas vontades e desejos e ouvindo também as vontades e desejos dos outros, de maneira que aprenda a se expressar e que entenda a necessidade de viver em grupo respeitando e se fazendo respeitar em suas emoções; sentimentos; dúvidas; hipóteses; descobertas; opiniões; questionamentos; e
  • conhecer-se e construir sua identidade pessoal, social e cultural, constituindo uma imagem positiva de si e de seus grupos de pertencimento. (BRASIL, 2017).

Diante do exposto, é necessário refletir sobre o lazer proporcionado por uma tela, com experiências virtuais ao invés de reais e se esse recurso é capaz de proporcionar as experiências descritas. Como se dá o desenvolvimento e quais são as lembranças de um mundo virtual que já vem criado, pronto, sem chance para que as crianças possam construir suas imagens mentais?

Assim, sugerimos que adultos utilizem menos telas diante de suas crianças, pois a aprendizagem também ocorre por imitação. Desejamos que o lazer diante de uma tela, seja a exceção, e não a regra. Segundo o livro A Fábrica de Cretinos Digitais (Desmurget, 2022), o qual recomendo a leitura a todos aqueles que tenham filhos menores de 18 anos, discorre sobre o excesso de utilização de telas e tecnologia para o lazer de crianças e jovens. Em sua obra o autor afirma que há um consenso sobre a utilização de telas, por crianças, entre os executivos do Vale do Silício. Esses profissionais altamente capacitados no mundo digital estão matriculando seus filhos em escolas nas quais não se utilizam telas digitais. O texto ainda apresenta a afirmação do doutor em sociologia, Guillaume Erner: "A moral da história é a seguinte: deem telas aos seus filhos, os fabricantes de telas continuarão dando livros aos deles." (Desmurget, 2022, p.12).

Bibliografia:

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular, 2017;

DESMURGET, Michel. A Fábrica de Cretinos Digitais. São Paulo: Vestígio, 2022. Tradução: Mauro Pinheiro.

* MÁRCIA STOCHI

















- Bacharel e Licenciatura em Matemática pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1993);
- Mestra em Educação pela Pontifícia Universidade católica de São Paulo  (2003) ; 
- Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade católica de São Paulo (2016);
-Atua por mais de 25 anos  na docência em vários níveis: Educação Básica; Graduação e Pós-graduação.

Nota do Editor:

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