quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Os limites da exposição dos filhos nas redes sociais


 

Autora: Gabrielle Gomes Andrade Suarez (*)

Nos últimos anos, a prática de "sharenting" – termo derivado da junção das palavras "share" (compartilhar) e "parenting" (criação dos filhos) – tem ganhado destaque no contexto das redes sociais. Trata-se do ato de pais e responsáveis compartilharem online informações, fotos e vídeos de seus filhos, muitas vezes sem considerar as potenciais consequências dessa exposição digital.

Este fenômeno, aparentemente inofensivo, carrega implicações significativas no âmbito do direito de família e dos direitos das crianças, merecendo uma análise criteriosa.

O "sharenting" tornou-se uma prática comum, especialmente com o crescimento das redes sociais. Os pais, movidos pelo desejo de compartilhar momentos especiais da vida de seus filhos com amigos e familiares, acabam por criar um arquivo digital público da infância de seus filhos.

No entanto, essa prática suscita preocupações sobre a privacidade, segurança e o bem-estar das crianças, que muitas vezes são expostas de maneira desproporcional e sem qualquer controle sobre a própria imagem.

No direito de família, o "sharenting" pode gerar conflitos relacionados à guarda e responsabilidade parental. Em casos de separação, a exposição excessiva da imagem dos filhos por um dos genitores pode ser utilizada como argumento em disputas de guarda, especialmente se essa prática for vista como prejudicial ao bem-estar da criança.

O Código Civil Brasileiro prevê, em seu artigo 1.634, que compete aos pais, em igualdade de condições, o poder familiar, o que inclui o dever de zelar pela integridade moral e psicológica dos filhos. Assim, o "sharenting" pode ser questionado judicialmente quando a prática viola o direito à privacidade da criança ou coloca em risco sua segurança.

Ademais, a falta de consenso entre os genitores sobre a exposição dos filhos nas redes sociais pode levar à judicialização da questão. A divergência quanto à divulgação de imagens e informações dos filhos pode ser objeto de ações de regulamentação do exercício do poder familiar, buscando garantir que a exposição das crianças seja realizada de maneira equilibrada e com o devido cuidado. Influenciadores digitais, como Karoline Lima, que possui uma filha com o jogador de futebol Eder Militão, já foram alvo de disputas judiciais que trouxeram à tona a suposta exposição indevida da criança.

A Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garantem o direito à privacidade e à dignidade das crianças. O artigo 17 do ECA, em especial, assegura o direito ao respeito, que inclui a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança, abrangendo também a preservação de sua imagem, identidade, autonomia, valores, ideias e crenças. Nesse sentido, o "sharenting" pode ser visto como uma violação desses direitos, especialmente quando realizado de maneira indiscriminada e sem a devida consideração dos potenciais riscos.

Além disso, o direito ao esquecimento, ainda em construção no ordenamento jurídico brasileiro, ganha relevância no contexto do "sharenting". A exposição excessiva da criança na internet pode dificultar o exercício desse direito no futuro, uma vez que conteúdos compartilhados online tendem a ser permanentes e difíceis de remover. Isso levanta uma questão importante sobre o papel dos pais na proteção da identidade digital dos filhos e na preservação de sua privacidade ao longo do tempo.

Nesse aspecto, um grande debate foi levantado quando Luana Piovani recusou-se a autorizar o uso das imagens dos filhos no programa Big Brother Brasil, quando ocorreu a participação de Pedro Scooby, pai das crianças.

Diante das potenciais repercussões negativas do "sharenting", é imprescindível que haja uma reflexão sobre a necessidade de regulamentação dessa prática no Brasil. Embora o direito à liberdade de expressão seja garantido aos pais, ele deve ser equilibrado com os direitos das crianças à privacidade e à proteção contra a exposição indevida.

A legislação existente, como o ECA e o Marco Civil da Internet, já fornece algumas ferramentas para a proteção das crianças no ambiente digital. No entanto, pode ser necessária uma regulamentação mais específica que aborde diretamente o "sharenting", estabelecendo limites claros para a exposição infantil online e impondo sanções em casos de violação dos direitos das crianças.

O "sharenting" é um fenômeno contemporâneo que traz à tona importantes questões jurídicas relacionadas ao direito de família e aos direitos das crianças. Embora a intenção dos pais ao compartilhar momentos da vida de seus filhos seja, na maioria das vezes, positiva, é fundamental que se tenha em mente os potenciais riscos dessa prática. O direito à privacidade e à proteção da criança deve prevalecer, e os pais precisam ser orientados e, se necessário, responsabilizados por eventuais excessos.

O debate sobre o "sharenting" e suas implicações jurídicas é urgente e essencial para a construção de uma sociedade que respeite e proteja os direitos das crianças, garantindo que sua imagem e integridade sejam preservadas tanto no presente quanto no futuro.

* GABRIELLE GOMES ANDRADE SUAREZ
















-Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Varginha/MG;
 -Atua como Advogada na seara do Direito de Família em São Caetano do Sul/SP; e 
Membra associada do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família) e comentarista e articulista jurídica.
E-mail: gabrielleasuarez@adv.oabsp.org.br

NOTA DO EDITOR :

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