Autor: Talles Ribeiro Leites (*)
Desde 30 de outubro de 2023, quando foi publicada a Lei nº 14.711/2023, conhecida como "Marco Legal das Garantias", foram implementadas inovações relacionadas ao acesso ao crédito e à redução da inadimplência.
A lei tem como objetivo principal facilitar o acesso ao crédito e reduzir a inadimplência perante as instituições financeiras. Contudo, na prática, esse propósito tem sido desvirtuado, e a aplicação da norma apresenta irregularidades que serão analisadas a seguir.
Uma das principais inconsistências observadas na prática envolve a atuação das instituições financeiras e dos oficiais de registro de imóveis na notificação ou intimação dos devedores para a quitação de valores inadimplidos (purgação da mora). O Marco Legal determinou que essa notificação seja realizada mediante requerimento do credor fiduciário ao registro de imóveis competente, que passa a ser responsável por esse procedimento.
Essa exigência, na prática, dificulta a renegociação das dívidas entre credores e devedores, além de excluir qualquer comunicação direta entre o financiador e o cliente — relação que anteriormente permitia um mínimo de diálogo e interação.
Um problema estrutural histórico que agrava essa situação é a falta de um cadastro atualizado dos clientes por parte dos agentes financeiros. Geralmente, os cadastros carecem de informações precisas, como e-mails, números de telefone atualizados ou contatos de pessoas próximas. A obrigatoriedade de intermediação pelos registros de imóveis tornou a comunicação ainda mais complexa, pois os oficiais frequentemente se limitam a notificar os devedores no endereço do imóvel financiado, conforme prevê o art. 26 e seus parágrafos. Isso desconsidera outras formas de contato mais efetivas.
Além disso, a efetividade da intimação pessoal tem se mostrado limitada. Muitos devedores não estão em suas residências durante o horário comercial, o que inviabiliza o recebimento da notificação. Soma-se a isso o fato de que grande parte dos imóveis financiados no Brasil pertencem a faixas de preço populares, geralmente localizados em condomínios sem portaria presencial, mas com portaria remota, o que dificulta ainda mais o cumprimento da intimação.
Essas falhas práticas têm levado a um aumento significativo de ações anulatórias no Judiciário. Em muitos casos, os clientes só tomam conhecimento da consolidação de seus imóveis pelos agentes financeiros quando já estão sendo intimados para desocupação da residência, que frequentemente já está com leilão público marcado. Em outros casos, a informação chega por meio de escritórios de advocacia especializados, que identificam as irregularidades e oferecem serviços jurídicos para contestar os atos praticados.
Diante dessas inconsistências, torna-se imprescindível uma reflexão e fiscalização rigorosa sobre a aplicação do Marco Legal das Garantias. Na prática, a norma tem gerado um aumento expressivo nos lucros das instituições financeiras com a consolidação e posterior leilão extrajudicial dos imóveis. Tal cenário reforça a necessidade de revisão dos atos praticados pelos agentes envolvidos — tanto as instituições bancárias quanto os registros de imóveis — para assegurar que os objetivos originais da lei sejam efetivamente alcançados.
*TALLES RIBEIRO LEITES - OAB/RS 95.801
- Bacharel em Direito pelo Centro Universitário
Ritter dos Reis (2014);
- Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do
Trabalho pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (2015);
-Corretor e Administrador de Imóveis CRECI/RS 72.855F
-Avaliador
Imobiliário CNAI 44.812.
-Sócio Fundador do Escritório Ribeiro e Leites Advogados
Rua Dr.
Flores, 245 - sala 602 - Centro Histórico, Porto Alegre - RS, 90020-122 - Telefone:
(51) 3227-6376
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O artigo de Talles Ribeiro Leites é claro e objetivo, destacando os desafios do Marco Legal das Garantias e a importância de ajustes para cumprir seu propósito. Excelente contribuição ao debate jurídico!
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