Neste artigo venho questionar
para onde estamos caminhando, visto que hoje passamos do status de um país com
grande número de analfabetos para uma estagnação no índice de analfabetismo
funcional.
A motivação para esse texto reside na matéria recém-publicada no jornal a Folha de São Paulo, por Isabela Palhares, em 06 de maio pp. Intitulada: 29% DOS BRASILEIROS DE 15 A 64 ANOS NÃO ENTENDEM TEXTO E CONTA SIMPLES.
Muito embora haja essa motivação, na verdade, essa matéria veio a calhar para elucidar muita coisa, evidenciando algumas das consequências previsíveis, resultantes de uma política de acesso deliberado (porém solto) ao ensino superior, com foco quase que exclusivo na quantidade e pouca preocupação com a qualidade, contexto esse cujos reflexos venho criticamente acompanhando nos últimos anos.
Portanto, para mim, o conteúdo do texto supracitado não foi uma surpresa, e me traz esperança; esperança de que possamos reverter, de alguma forma, esse quadro assustador, cujos impactos estão visíveis na nossa experiencia cotidiana, sendo que não posso afirmar que sejam eles perceptíveis para todos; para mim, na minha prática docente, certamente têm sido.
Um breve retrospecto, sob a ótica do ensino superior:
Nas últimas décadas do século passado, a preocupação com os altos índices de analfabetismo no Brasil foi um tema recorrente, cujas ações e políticas púbicas adotadas resultaram em significativo declínio em 2022, com a redução do analfabetismo para 7% da população, antes representada por 25,5%, nos anos 1980 (Dados do IBGE).
Nesse interim, por volta dos anos 2000, verificou-se um crescimento expressivo dos cursos em nível superior por instituições particulares (de 3.150 cursos, em 1994, para 12.360 cursos em 2004 – segundo Jornal da Câmara dos Deputados). A justificativa, à época, era bastante positiva, visto que a iniciativa privada estava atendendo a uma demanda que as instituições públicas não estavam conseguindo absorver.
Ocorre que no início de 2007, acompanhei perplexa, a notícia sobre o primeiro grupo educacional a abrir o seu capital ao mercado (Bolsa de Valores), propiciando o espaço para o que hoje se denomina, não sem um matiz pejorativo, Educação S.A (denominação essa com a qual concordo em muito, visto que retrata de forma contundente o caráter mercantil que, em muitos casos, passou a prevalecer na educação).
No contexto das Educação S.A., têm-se estudantes que ingressam sem qualquer tipo de processo seletivo estruturado, que serve apenas para estabelecer o percentual de desconto que o “cliente” receberá - Política de Marketing (isso se dá em função de uma engenharia financeira que parte do valor “cheio” da mensalidade); em que se tem professores, na sua grande maioria capacitados, digo que em sua grande maioria doutores em suas áreas de conhecimento, mas que mal conseguem abordar o conteúdo mínimo de suas disciplinas, simplesmente por falta da base que os ensinos fundamental e médio deveriam ter propiciado aos estudantes, aliada à falta de postura e da consciência sobre o que significa estar em uma faculdade/universidade, além das políticas de incentivo à permanência de alunos não capacitados, por parte das instituições que precisam manter o seu fluxo de caixa.
Mas o que se esperar? Esses alunos que estão lá foram selecionados, se afirma. Pois bem, já disse de qual forma.
A Educação S.A., bem como qualquer outra organização empresarial, visa o lucro (lucro com qualidade de seus produtos a guisa de perderem mercado), óbvio, visto que é o que lhes propicia a própria continuidade das operações. Porém, eu estou falando sobre instituições de ensino; estarão elas preocupadas com a qualidade do "produto" (pessoas) que estão capacitando? Nesse contexto, devo inserir a banalização do EAD, uma fonte garantida de caixa.
Consequências? Analfabetismo Funcional, cujos resultados estão muito bem explicitados na matéria de Isabela Palhares.
Nesse contexto, devo fazer jus a algumas universidades privadas, sendo elas confessionais ou não, que mantêm o foco na educação com qualidade no tripé ensino, pesquisa e extensão, propiciando aos seus estudantes a experiência única de vivenciar a vida universitária. Da mesma forma, as universidades públicas, que mesmo sem a totalidade dos recursos necessários, primam pela excelência.
Vejo com bons olhos algumas medidas (poucas, mas já é um começo) que estão sendo tomadas para mitigar esse problema, como as restrições ao EAD e o anúncio, recentemente, pelo Ministério da Educação, quanto ao aumento do rigor nas avaliações dos estudantes no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE).
De fato, o melhor dos mundos é ter uma população que pode vivenciar a experiência de uma universidade com ensino de qualidade, mas a esse preço? Bom, bonito e barato, não existe. Essa é uma expressão que se utiliza muito na área de marketing, cuja experiência, nesse caso, vem sendo comprovada na prática.
Por fim, devo destacar que o motivo aqui apontado, e que nos leva à essa situação atual, elucidei apenas considerando as Educacionais S.A., mas ciente que outras variáveis interferem no comportamento e na capacidade cognitiva dessa geração que hoje está entrando no mercado de trabalho, com uma formação profissional de qualidade técnica bastante questionável. Um exemplo é o uso da Inteligência Artificial, tema já abordado aqui neste Blog.
Referências:
PALHARES, Isabela. 29% dos
brasileiros de 15 a 64 anos não entendem texto e conta simples. Folha de São
Paulo, 6 de maio de 2025, Caderno Cotidiano, A35.
*MARIA THEREZA POMPA ANTUNES
-Graduação em Administração pela PUC/RJ (1984), com Especialização em Finanças pelo IAG/PUC/RJ (1985), e em Ciências Contábeis pela FEA/USP (2002);
-Mestrado em Ciências Contábeis pela FEA/USP (1999);
- Doutorado em Ciências Contábeis pela FEA/USP(2004);
Atualmente é professora de finanças do Curso Graduação em Administração na Escola Paulista de Política, Economia e Gestão (EPPEN) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e
Tem 26 anos de experiência na área da educação, atuando como docente, pequisadora e gestora.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6278852648499064
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Parabéns Professora. Excelente reflexão.
ResponderExcluirObrigada, Prof. Octavio. Considero que compartilhamos das mesmas angústias. Forte abraço
ExcluirParabéns! A sua jornada profissional no mundo do ensino superior merece um reconhecimento no nível Diamante Doutora e Professora 👏
ResponderExcluirObrigada, caro amigo! Fico feliz em trazer esse tema para a discussão. Forte abraço.
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