quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Mediação e Escuta


 Autora:Águida Barbosa(*)

"Ser gentil é mais importante do que ser certo. Muitas vezes, o que as pessoas precisam não é uma mente brilhante que fala, mas sim, um coração especial que ouve."

Lubavitcher Rebe


Mediação é uma comunicação ética entre pessoas vinculadas pelo conflito, tendo como ferramenta a linguagem ternária, qual seja, aquela que não admite julgamento, pois não cabe ao mediador dizer o que é certo ou errado, nem sugerir soluções.

Portanto, a mediação, cujo campo mais propício de aplicação é o conflito familiar, e também aquele oriundo das relações continuadas, a exemplo daquelas decorrentes de vizinhança, não pode ser confundida com conciliação, cujo objeto é, exclusivamente, a celebração de acordo, visando à solução do conflito.

A mediação fundamenta-se em conhecimento de natureza interdisciplinar, dando suporte para uma nova abordagem jurídica dos conflitos, fora do âmbito do litígio. 

Para ser mediador é fundamental que desenvolva a capacidade de escuta, visando ao acolhimento da angústia dos mediandos, que chegam em estado de sofrimento, fragilizados pela desesperança. Porém, para compreender esta atividade é preciso estabelecer a diferença entre ouvir e escutar. 

Ouvir é a função do órgão da audição, capaz de captar sons diversos, simultaneamente, discriminando-os, selecionando-os, seja pela intensidade, seja pela fonte de emissão, enfim, ouvir é uma atividade de orientação espacial e independe da vontade do sujeito.

Escutar pressupõe uma atitude consciente – escuta ativa - pois depende de uma decisão que envolve, em uníssono, pensamento, sentimento e vontade. A psicanalista Françoise Dolto tem uma privilegiada definição para esta atitude humana: A escuta é tudo. Inclusive do silêncio.

A escuta ativa é a essência da mediação, tratando-se de uma atitude de acolhimento na qual o mediador entrega-se aos mediandos, estabelecendo um vínculo de reciprocidade, orientado pela confiança e pela empatia. 

A mediadora francesa Jacqueline Mourret[1] explica a misteriosa, mágica e inefável escuta ativa pela imagem do conto Os violinos do Rei, de Jean Divo: 

"...Luthier de Crémone ia procurar nas florestas as árvores próprias para a construção do violino do rei. Quando encontrava esta raridade ele batia no tronco escolhido, fechando os olhos, e escutava o som produzido, sentindo sua potência e sua clareza. Ele escutava vibrar as cordas dos violinos que ainda não existiam. Com todo o seu ser, numa noção de futuro, ele escutava o som do violino com a nota perfeita, digna da alma do instrumento...". 

A escuta do mediador não decorre de um conhecimento intelectual, embora pressuponha fundamentação teórica capaz de dar parâmetros a esta entrega a uma experiência afetiva.

Portanto, a escuta ativa, na mediação, tem por objeto a afinação dos sentimentos daquelas pessoas que escolheram buscar uma comunicação ética, fundada no respeito à individualidade e ao sentimento do outro. 

Mourret destaca que a cada sessão de mediação – média de cinco – o mediador defronta-se com um novo desafio, afinal, precisa estar munido de coragem para investir na transformação do conflito dos mediandos, numa atitude altruísta. 

A autora em comento descreve que a escuta ativa do mediador visa captar mensagens ditas e não ditas, gestos, entonação da voz, repetições, atos falhos, expressão corporal, olhares, emoções, enfim, trata-se de acolhimento da angústia dos mediandos, que estão ali em decorrência de um sofrimento que os afasta um do outro.

A escuta ativa do mediador, especialmente formado para este mister, contém a magia pedagógica, tendo em vista que os mediandos aprendem a escutar um ao outro, resignificando a comunicação, o que leva ao reconhecimento do sofrimento do outro. 

O mediador é capaz de avaliar se a comunicação ética está emergindo quando os mediandos deslocam-se do tempo passado e são capazes de projetar o futuro. Há um evidente desapego daquilo que é conhecido por ambos – o conflito – desenvolvendo a coragem de se lançar no futuro desconhecido, porém, com a esperança de que não será marcado por uma relação conflituosa. 

Este fenômeno costuma ocorrer na terceira sessão de mediação, pois os mediandos recuperam a coragem e a criatividade. 

A atividade da mediação visa à construção de pontes onde só havia muros. Mediação é a arte capaz de transformar o presente conflituoso em um futuro esperançoso. 

A prática da mediação expressa-se pela escuta ativa do mediador, materializando-se em uma nova relação de afeto, amadurecida durante o rito de passagem promovido pelos envolvidos. 

REFERÊNCIAS

[1] MOURRET, Jacquelie. La médiation familiale. Une culture de paix. Atelier de la Licorne, France 1.996, pág. 47/68

*ÁGUIDA ARRUDA BARBOSA













-Advogada especializada em Direito de Família;
-Mediadora familiar interdisciplinar;
- Doutora e Mestre pela FDUSP(1972)

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

Nenhum comentário:

Postar um comentário