terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Abuso de autoridade e as consequências da exposição de supostos infratores na mídia


 Autora: Greice Serra(*)

Antes de adentrar no mérito, é importante ressaltar que abuso de autoridade é gênero, no qual abrange excesso de poder e desvio de finalidade. Ou seja, configura-se abuso de autoridade ou de poder quando há ato ou atos que vão além da sua competência (excesso de poder) ou então desvio da finalidade pública (desvio de finalidade). Conforme lição de Caio Tácito:

O abuso de poder surge com a violação da legalidade, pela qual se rompe o equilíbrio da ordem jurídica. Tanto da legalidade externa do ato administrativo (competência, forma prevista ou não proibida em lei, objeto lícito) como da legalidade interna (existência dos motivos, finalidade). A cada um desses elementos de legalidade corresponde uma causa de nulidade do ato administrativo. São vícios de legalidade externa a incompetência (em cujo conceito se inclui a usurpação de poder) o vício de forma e a ilicitude do objeto. São vícios de legalidade interna a inexistência material ou jurídica dos motivos e o desvio de poder.

É cediço que em face à publicidade e à segurança pública, os elementos e características, inclusive sobre o suposto autor de crime, são de domínio público. Mas isto é mitigado.

Ocorre que a publicidade dos atos e a segurança pública entram em colisão com o direito de imagem, intimidade e honra dispostos no art. 5, X, da Constituição. 

A solução ideal que se aprende hermeneuticamente é a ponderação e aplicação do metaprincípio da proporcionalidade. 

Ocorre que atualmente no Brasil, há a banalização da violência e o descaso com a imagem e a honra de supostos infratores em programas policiais televisivos, bem como em outras mídias. 

Em relação aos servidores, a lei de abuso de autoridade de 2019 é determinante, pontual e mais rigorosa. Mas é claro que alguns casos estão fora de controle do servidor e, portanto, devem ser relativizados. Mas é atualização da antiga norma e uma visão além do art. 322 do Código Penal.

Podemos aduzir que quando um suposto infrator encontra-se sob custódia policial e, por exemplo, tem seus dados e características divulgados em mídias (inclusive a do caso concreto) antes de concluída apuração e formalizada a acusação, pode responder o policial por abuso de autoridade com detenção de 6 meses a 2 anos e multa conforme o art. 38 da lei 13869/2019, in verbis: 
Art. 38. Antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Ademais, a mera exibição do corpo ou parte do corpo do preso ou detento à curiosidade pública e submissão à situação vexatória já configura crime segundo o art. 13,I,II do 13869/2019, abaixo descrito: 

Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a: 

I - exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública; 

II - submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei; 

(...)

 

E convenhamos, submeter o suposto infrator a uma exposição maçante e com objetivos deturpados e executados que fogem ao interesse público, é e deve ser tratado como um ilícito penal. 

Vemos diariamente casos de supostos infratores que foram "capturados" e dentro do ambiente da delegacia, o delegado e policiais o exibem como um troféu mesmo quando não há necessidade de reconhecimento pessoal por outros supostos outros delitos. Nestes casos, configura-se o abuso de autoridade e todos os servidores envolvidos devem responder pelo crime. 

A condenação nestes casos abrange a obrigação de indenizar o suposto infrator, reparando os possíveis danos causados pelo abuso de autoridade e demais prejuízos correlatos, conforme o art. 4º, I do diploma legal supracitado. 

Outrossim, em caso de condutas reincidentes pode o agente público ficar inabilitado para o cargo ou função pública de 1 ano a 5 anos. Além de perda do cargo ou função, conforme entendimento o art. 4º, II, III, parágrafo único da lei 13869/2019.

 

Art. 4º São efeitos da condenação: 

I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, devendo o juiz, a requerimento do ofendido, fixar na sentença o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos por ele sofridos; 

II - a inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos; 

III - a perda do cargo, do mandato ou da função pública. 

Parágrafo único. Os efeitos previstos nos incisos II e III do caput deste artigo são condicionados à ocorrência de reincidência em crime de abuso de autoridade e não são automáticos, devendo ser declarados motivadamente na sentença.
Além dos servidores, as emissoras dos programas devem ser responsabilizadas criminal e civilmente. 

*GREICE PAULA MIRANDA SERRA - OAB/PA nº 24.294 

 

-Graduação em Direito pela Universidade da Amazônia (2015);
-Pós-graduação em Direito Público pelo Complexo Educacional Renato Saraiva(2019);
Advogada sócia do Escritório  Serra & Xavier Advocacia
-Áreas de atuação: Civil, Penal e Administrativo;
-Endereço profissional:Av. Governador José Malcher, nº 1805 Altos- Belém -PA;
-E-mail: greicepserra@gmail.com

Nota do Editor:


Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores. 

 







Nenhum comentário:

Postar um comentário