segunda-feira, 4 de junho de 2018

Direito Natural, o Positivismo e a Justiça – Um Movimento Pendular




As discussões frente ao que foi, é, deve, ou poderia ser o governo, por diversas vezes, fazem-nos sentir como partículas em efervescência, como quando observamos o borbulhar de um sal de fruta em contato com o meio líquido. A construção das linhas gerais do Estado como hoje concebemos passou por uma série de "reações" até que fosse equacionado o que comumente chamamos de teorias contratualistas.

Estas teorias serviram como fundamento para que, séculos depois, o ocidente viesse a observar o nascimento das "ideologias". Estas são usualmente lembradas pelo povo diante da ocorrência do sufixo "ismo"– socialismo, comunismo, anarquismo, liberalismo, conservadorismo, entre tantos outros.

A partir deste fenômeno, o homem ocidental concentrou seus esforços na criação de novas instituições que serviriam de suporte para esses mesmos "ismos", seja em sua concepção formalista, isto é, quanto ao meio de organização destas instituições através de um jogo de regras da qual podemos chamar de Direito, seja por sua concepção subjetiva, fomentada por uma série de princípios e valores nos quais a sociedade se ancorava. Por óbvio que estes (princípios e valores) também viriam a influenciar a forma em si.

Ocorre que, seja na formulação mais objetiva ou mais subjetiva, por diversas vezes nos encontramos em uma "sinuca de bico"para definirmos exatamente por onde passa o "direito" para que se atinja a "justiça". Vejamos, com as revoluções liberais ocorridas no século XVIII e XIX o pensamento ocidental de certo modo pacificou a ideia de que a sociedade deve se pautar por alguns “direitos inalienáveis”, vejamos neste trecho da Declaração de Independência dos Estados Unidos a expressão:  

"We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal, that they are endowed by their Creator with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty, and the pursuit of Happiness" (Declaração de Independência dos Estados Unidos da América) – grifo nosso.
Esta declaração de independência serviu para que o alicerce fundamental da sociedade ocidental fosse ancorado sob a perspectiva de que "todos os homens são criados iguais e dotados de direitos inalienáveis, dentre os quais a vida, a liberdade e o direito à busca pela felicidade".

Alguns séculos se passam e os "direitos naturais" trazidos pela Declaração de Independência dos Estados Unidos e reforçados pela Constituição Americana[1], pouco a pouco se transmutam ao que hoje declaramos como sendo "direitos humanos". Percebemos, portanto, que a Carta Magna americana direciona o pensamento ocidental político para alguns valores tidos como irrefutáveis para a comunidade internacional.

Ocorre que, ainda que a Constituição dos "Yankees" seja, de certo modo, um exemplo da racionalidade jurídica advinda das teorias contratualistas, houve quem se questionou se os valores ali presentes (na Declaração de Independência e no texto Constitucional norte-americano) ainda estariam em voga no mundo contemporâneo.

Foi Leo Strauss, em sua obra "Direito Natural e História", que a partir de uma série de questionamentos nos traz a ideia de que o Direito Natural seria uma consequência imediata do surgimento da filosofia[2], sendo que esta se dedica à categorização e distinção dos elementos oriundos da physis (fenômenos da ordem natural) e da nomos ( fenômenos da ordem humana).

Para tal, a explicação e o condicionamento da sociedade (e suas sociabilidades) sem que se aplique esta distinção entre a physis e nomos, afastaria o surgimento de qualquer direito natural.

Já para Bobbio, o nascimento da corrente positivista está intrinsicamente atrelado ao nascimento do Estado Moderno, já que foi criado um poder para resolver as questões controversas oriundas do órgão legislativo. Contudo, no seu entender, o embate entre direito natural e direito positivo ocorre quando não há mais consenso sobre a concepção do que é o Direito, fazendo com que o direito positivo se torne direito em sentido único.

Assim sendo, não há que se falar em direito positivo já não haveria outro senão este. Tratar-se-ia de um pleonasmo, vejamos suas considerações:

"(...) e impõe ao próprio juiz a resolução de controvérsias sobretudo segundo regras emanadas do órgão legislativo ou que, de qualquer modo (tratando-se de normas consuetudinárias ou de direito natural) possam ser submetidas a um reconhecimento por parte do Estado. As demais regras são descartadas e não são mais aplicadas: eis por que com a formação do Estado moderno, o ‘direito natural’ e o positivo não são mais considerados de mesmo nível; eis por que sobretudo o direito positivo (o direito posto e aprovado pelo Estado) é tido como o único verdadeiro direito: este é o único a encontrar, doravante, aplicação nos tribunais" (BOBBIO, 1999) – grifo nosso.

Ora, mas afinal, O que seria o Direito? Esta é uma pergunta que se possa responder? Decerto que este é um tema de grande discussão e que deve ser aprofundado em outro momento. Todavia, a partir das considerações ora apontadas, conseguimos traça no plano o que possa vir a ser Justiça.

Notamos que, dependendo do seu ponto de partida, esta concepção pode adquirir os mais distintos sentidos e significados. Por exemplo, enquanto que para alguns é justo haver pena de morte para outros é injusto. Enquanto alguns entendem ser justo o uso de drogas, a realização do aborto, o direito ao casamento homoafetivo, existem (tantos) outros tantos que veriam nestes atos uma tremenda afronta aos seus princípios e valores.

Neste embate entre jusnaturalismo e positivismo acreditamos que ambos partem de um imagético de justiça vazio e, sendo benevolente, que no máximo exprimem o seu formato, mas jamais sua matéria. E se desviássemos o foco da materialidade da justiça e passássemos ao seu acesso? Será que ao realizar este desvio e olharmos para os que vão em busca dela conseguiríamos obter um panorama mais aprofundado? Não posso responder estas perguntas e as deixo para quem queira esta bola (pois ao certo, não sei sequer se desejo um dia (tentar) respondê-las), contudo, entendemos que: ainda que a lei seja igual para todos, ela não aparece para todos de forma igual.

Porém, se não há resposta absoluta na descrição do que seja Direito ou Justiça, o que fazer? Proponho que identifiquemos seus dispositivos (FOUCAULT, 1989), sua estrutura, seu desenho e, não só, mas principalmente, tomar nota que este circuito (ou sistema) de direito, de justiça, de estado, incorre no constante aperfeiçoamento da arte de governar, seja em sua continuidade ascendente ou descendente (Idem). Pois, na melhor das palavras: "aceito com entusiasmo o lema – ‘O melhor governo é o que menos governa; e gostaria que ele fosse aplicado mais rápida e sistematicamente" (THOUREAU, 1985).

Referências Bibliográficas:

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico. Tradução e notas de Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995;

EUA. Declaração de Independência. 1776;

EUA, Constituição. 1787;

FOUCAULT, Michel . Microfísica do poder. 8ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1989;

STRAUSS, Leo. Natural right and history. Chicago, Chicago University Press, 1965 e

THOREAU, Henry David. Desobedecendo: Desobediência Civil e outros escritos, Rio de Janeiro, Rocco, 1984.

[1] “We the People of the United States, in Order to form a more perfect Union, establish Justice, ensure domestic Tranquility, provide for the common defence, promote the general Welfare, and secure the Blessings of Liberty to ourselves and our Posterity, do ordain and establish this Constitution for the United States of America.” (Constituição Americana); e

[2] Em contraponto às teorias positivistas, em alta na época do lançamento de sua obra.

POR IVAN CHAGAS SIQUEIRA

-Advogado OAB/RJ 209.228;
-Mestrando em Ciência Política no PPGCP/UFF.










Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

Um comentário:

  1. Caríssimo, no Brasil podemos observar que o direito natural foi transmutado pela ideologia que basta nascer e você já tem direito a tudo sem necessidade alguma de arcar ou prover de deveres sua vida.

    "– ‘O melhor governo é o que menos governa; e gostaria que ele fosse aplicado mais rápida e sistematicamente" (THOUREAU, 1985).", num país em que os tais mais pobres se escoram na sociedade invadindo, destruindo e com slogans que os definem detentores do direito inalienável de serem felizes?

    A lei é para todos. A justiça é para os tolos, pois os donos dos recursos abusam dela...

    ResponderExcluir