quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

A Consolidação do Ativismo Judicial no Brasil


 Autor: Marcelo Duarte Palagano (*)

Os últimos dois anos foram marcados por inúmeros problemas que derivaram das mais variadas fontes. A começar pela pandemia do COVID 19 que atingiu a todos e que fez com que muitos perdessem a vida, como também a polarização política que se instalou e que transformou o debate público em palco para as maiores atrocidades que o cidadão comum já testemunhou. Passou pelo palco questões como as "Fakes News", "COVID 19", "Amazônia", etc. A verdade é que nesses dois últimos anos assistimos atônitos pelo expansão do poder judiciário sobre as mais variadas questões.

Recentemente a pauta dos julgamentos da Suprema Corte no primeiro semestre de 2022 foi divulgada. Nela podemos encontrar que os ilustres ministros decidirão questões relacionadas a pandemia e à vacinação contra a Covid-19; exigência do passaporte da vacina para viajantes; possibilidade de demissão de funcionários que não se vacinarem contra a doença; questões jurídicas do agronegócio; ação que discute a validade de uma norma coletiva de trabalho que retirou alguns direitos ligados ao tempo gasto pelo trabalhador em seu trajeto de casa para o trabalho; debate se servidores públicos que são pais solos podem se beneficiar da licença maternidade de 180 dias; constitucionalidade de ser considerada infração de trânsito a recusa do teste do bafômetro; marco temporal; substituição de sacolas plásticas; e proibição de fogos de artifício com barulhos, etc.

Como se pode notar, o Supremo Tribunal Federal terá de se debruçar sobre questões que vão além da sua competência. Isto porque a Suprema Corte é o guardião da Constituição Federal, logo, possui status de Tribunal Constitucional, portanto, não deveria se dar ao trabalho de discutir questões como "fogos de artifício com barulhos" que, de longe, nada tem a ver com a Constituição Federal.

É verdade que a Constituição Federal de 1988 é uma Constituição totalmente diferente das constituições que existem no mundo. Pois ela abarca as mais variadas questões, como por exemplo que o Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal (§2º, art. 242 CF). Os estudiosos do direito constitucional nos ensinam que há na nossa Constituição normas eminentemente constitucionais ao passo que há também normas que estão na constituição, de forma que estas não possuem a natureza de princípios, essência de toda constituição.

Porém, o fato de a Constituição Federal abarcar os mais variados assuntos não dá carta branca ao guardião para que saia decidindo sobre todas as coisas, como pudemos ver no ano de 2021. A questão é que hoje em dia falar de STF é perigoso, podendo, inclusive, render àquele que ousa criticar a corte uma bela visita da Polícia Federal no primeiro horário do dia.

Mas a final de contas, o que foi que aconteceu para que chegássemos ao evidente caos jurídico instalado no Brasil?

As respostas são as mais variadas. Temos desde problemas na carta Magna que deu muito poder à corte, como também prevê um esquisitíssimo procedimento para que partidos políticos com representação no congresso nacional possam “rediscutir” matérias sancionadas em Lei, criando uma verdadeira instabilidade jurídica e institucional, uma vez que quando os partidos de oposição "perdem" no debate, estes promovem diversas ações no STF com o fim de julgar inconstitucional as matérias democraticamente discutidas e sancionadas.

Temos hoje no Brasil a consolidação daquilo que outrora era apenas um tema de estudo, de dissertação de doutorado ou mestrado, temos a consolidação do ativismo judicial. E pior do que qualquer outra tirania já vista, o ativismo judicial no Brasil promove absurdas ilegalidades e violações contra os direitos humanos. E pior, o silêncio de todos os juristas do país mostra o quanto este poder é absoluto, pois, quem ousará ir ao encontro dos mandos e desmandos da mais alta corte? A qual instância recorrer? Ninguém sabe exatamente o que fazer.

E isto porque, diferente de um órgão político, em tese, a mais alta corte não é composta por membros eleitos pelos cidadãos brasileiros, de modo que uma mobilização social pudesse alterar o rumo das mais variadas questões. O que dá mais receio ainda, pois, nota-se a verdadeira instrumentalização do Poder Judiciário por aquele que indica os membros da corte.

Sabemos que os membros dos tribunais superiores, incluindo o STF, são indicados pelo Presidente da República e passam por uma sabatina no Senado Federal.

Faz parte da história contemporânea do Brasil os mais absurdos escândalos de corrupção que visavam angariar votos no congresso nacional para promover uma "segura" governabilidade ao governante que ocupava a cadeira da Presidência da República. O episódio conhecido como "mensalão" mostrou o modus operandi da suposta "articulação política" operada entre os representantes do governo e parlamentares do congresso nacional.

Oras, a atual composição da alta corte teve a sua formação nesse período da história obscura do nosso país. Recentemente presenciamos estes mesmos membros do judiciário operando uma verdadeira “ginastica hermenêutica” com o objetivo de rever entendimentos recentes adotados pela corte. Entre uma dessas decisões assistimos a anulação de uma das mais importantes operações de combate a corrupção já realizadas neste país, que teve como consequência a libertação de condenados por corrupção.

Essa mesma composição hoje é responsável pela mais absurda insegurança jurídica que marcará a história jurídica da república. Eles são responsáveis pela consolidação do ativismo judicial no Brasil.

Está expresso na Constituição Federal que um dos direitos fundamentais para a sociedade brasileira é a LIBERDADE. Oras, ao que parece, a liberdade é garantida para os desonestos ao passo que para os honestos a prisão é certa. Foi exatamente isso que presenciamos nestes dois últimos anos. Decisões que mandavam prender todos aqueles que ousassem usar da sua liberdade, seja a de locomoção como também a de expressão e pensamento. Inclusive prerrogativas constitucionais foram ignoradas pela corte, que colocou de joelhos um dos poderes para que fosse possível a prisão de parlamentar com imunidade prevista na constituição.

A situação é grave e alarmante.

A mais alta corte, atuando de forma ativa e sem escrúpulos, produziu um dos episódios mais absurdos já visto na história jurídica brasileira, quiçá, mundial, ao dar início ao famigerado Inquérito 4781, que promove de maneira sorrateira a investigação de todos aqueles que se opõe à corte. No inquérito, que nem os advogados dos investigados tem acesso à informação constante nele, o que por si só já contraria entendimento sumulado do Supremo Tribunal Federal, membros da corte promovem um verdadeiro "caças as bruxas", formando entendimentos, tais como o "flagrante perpétuo", que faz saltar os olhos de todo jurista honesto que tem comprometimento com o Direito e com aquilo que existe de mais nobre, a própria Justiça.

Ironia ou não, foi sob a gestão do atual presidente da mais alta corte que todas essas coisas foram feitas. Sendo que em dado momento o próprio Ministro Luiz Fux destacou que "...merece crítica a prática epidêmica de se transferirem voluntariamente conflitos políticos para a arena judicial, o que tem exposto o Poder Judiciário, em especial este Tribunal, a um protagonismo danoso para a sustentabilidade do sistema constitucional". E prosseguiu alertando que "não compete ao Poder Judiciário funcionar como atalho para a obtenção facilitada de providências perfeitamente alcançáveis no bojo do processo político-democrático, ainda mais quando, para tal mister, pretende-se desprestigiar a regra constitucional em vigor".

O ativismo judicial existe e acontece todos os dias e muitos, como destacado acima, tem noção do perigo que isso representa para a sociedade. A pergunta que fica é "Até quando esperar a plebe ajoelhar? Esperando a ajuda de Deus?".


* MARCELO DUARTE PALAGANO

-Advogado, graduado em Direito pela Universidade de São Caetano do Sul(2015);

 -Pós Graduado em Processo Civil pela Academia Jurídica em 2020; e 

Atua nas áreas do direito Civil, de Família, Sucessões, Consumidor e do Trabalho.



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