domingo, 13 de março de 2022

Superfundos eleitorais: cobiça ou opção política?


 
                                                      Autor: Caio Vitor Barbosa(*)

No último dia 03 de março, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento do pedido liminar da ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido Novo (ADI nº 7058) contra a parte da lei orçamentária (LOA) de 2022 que fixou o valor do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para a eleição desse ano. Para além de aspectos formais sobre competência de alteração da LOA, iniciativa legislativa, poderes do Parlamento de supressão do veto presidencial em matéria orçamentária: o pano de fundo da discussão travada centrou-se na análise da proporcionalidade dos valores fixados para constituição desse fundo, estimados em 5,7 bilhões.(1) Seria essa quantia desarrazoada? E, mais, poderia o STF alterar a decisão do Congresso sobre a definição dessa verba orçamentária? Trata-se de cobiça da classe política ou uma opção política legítima?(2)

O ministro André Mendonça, relator do caso, havia deferido a liminar para restringir tal valor à mesma quantia estabelecida para a eleição municipal de 2020 (3), mas, no plenário, essa posição restou vencida, tendo o STF decidido que seria constitucional o que foi decidido pelo Congresso Nacional acerca do assunto. Nesse cenário, cabe a reflexão sobre os rumos do modelo jurídico de financiamento das campanhas eleitorais assim como do custeio das atividades político-partidárias no país e como chegamos a esse contexto de destinar uma quantia tão significativa para pagar gastos de campanha.(4)

Essa discussão remonta 2015. Naquele ano, na ADI nº 4650, ajuizada pela OAB desde 2011, o STF decidiu que seria inconstitucional o financiamento empresarial de partidos e campanhas. O julgamento inseriu-se no contexto das revelações, apurações e noticiário da chamada operação Lava Jato. Nas discussões e votos, expressa e implicitamente, a investigação era citada pelos ministros.

Enquanto isso, a Câmara dos Deputados, então presidida pelo deputado Eduardo Cunha, nesse mesmo contexto, conduzia o debate em torno da reforma eleitoral de 2015, que resultou na edição da Lei Federal n.º 13.165/2015. Cunha defendia o financiamento empresarial, creditando os atos de corrupção expostos pela Lava Jato aos altos custos das campanhas. Com isso, a proposta que saiu do Congresso, liderada por Eduardo Cunha, reduziu significativamente os gastos eleitorais, diminuindo o tempo das campanhas, impondo um efetivo teto de gastos aos candidatos, dentre outras medidas. Porém, mantinha o financiamento empresarial. Sendo que, com a decisão do STF na ADI nº 4650, Dilma Rousseff vetou (5) os dispositivos que estavam em desacordo com o julgamento do Supremo.

As eleições municipais de 2016, assim, foram disputadas sem financiamento empresarial, que, até então, representava a principal forma de custeio das candidaturas. Com isso, houve uma queda de cerca de 71% dos gastos declarados das campanhas eleitorais. Segundo levantamento do Estadão, amparado em dados do TSE, "o custo das campanhas para vereador e prefeito no primeiro turno caiu de R$ 7,7 bilhões em 2012 para R$ 2,2 bilhões em 2016".(6) Já as eleições gerais de 2014 haviam custado aos candidatos e partidos o valor declarado de R$5,1 bilhões.(7)

Sem financiamento empresarial, o Congresso aprovou a criação do FEFC em 2017, junto com a autorização do financiamento coletivo (crowdfounding), por meio da Lei Federal n.º 13.488/2017. Esperava-se que o financiamento coletivo, com o envolvimento da população, fosse uma forma de compensar as perdas de arrecadação com o fim do financiamento empresarial e, junto com o FEFC, possibilitar os gastos que envolvem uma campanha eleitoral. Porém, o crowdfounding nas eleições de 2018 e 2020 mostrou resultados pífios frente às expectativas criadas.(8)

Somado a isso, o Congresso limitou uma outra fonte de arrecadação de recursos para campanhas eleitorais: o autofinaciamento, isto é, a doação do candidato para sua própria candidatura. Por meio da Lei Federal n.º 13.878/2019, a partir das eleições de 2020, os candidatos somente poderiam doar para suas campanhas o valor de 10% do limite total de gastos de cada candidatura. Visou-se impedir que candidatos com maior quantidade de recursos fossem mais favorecidos nas disputas eleitorais. Porém, como consequência, houve mais uma restrição de orçamento para as campanhas.

Diante de todo esse contexto, a solução dada pelo Congresso para continuar custeando as campanhas eleitorais significou aumento da participação de recursos públicos no financiamento das eleições e das atividades dos partidos políticos. Criado em 2017, o FEFC contou com R$1,71 bilhão de reais em 2018 (9); R$2,03 bilhões em 2020 (10) e agora, para 2022, previsão de R$5,7 bilhões. De 2017 para 2018, também houve um aumento expressivo nos valores do Fundo Partidário, passando de R$59 milhões naquele ano(11), para R$888 milhões no ano seguinte(12), mantendo-se próximo a um bilhão de reais nos anos seguintes.(13)

Embora representem valores expressivos os destinados aos fundos eleitoral e partidário, significam a solução política encontrada para continuar financiando as campanhas eleitorais, que implicam gastos. Comparando a previsão do FEFC de 2022 (5,7 bilhões de reais) com o total de gastos da campanha de 2014 (5,1 bilhões de reais, sem correção monetária), pode-se verificar que a conclusão de se atribuir o aumento do financiamento público às campanhas eleitorais no país simplesmente à cobiça da classe política por recursos constitui-se conclusão rasa. O debate é mais profundo e envolve uma decisão sobre o modelo de financiamento das eleições no Brasil.

REFERÊNCIAS

(2) Cf.: htpps://www.conjur.com.r/dl/andre-mendonca-fundao.pdf

(3)Para se ter uma ideia, esse valor representa cerca de 10% do superavit primário alcançado pelo país em 2021 (Cf.: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/01/31/setor-publico-consolidado-tem-superavit-primario-de-r-123-milhoes-em-dezembro-diz-bc.ghtml).

(4) Cf. https://planalto.gov.br/covil-03/Ato2015-2018/2015/Msg/VEP-358.htm

(5)Cf.: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,gasto-das-campanhas-eleitorais-cai-71-aponta-tse,10000081602

(6) https://epocanegocios.globo.com/Informacao/Resultados/noticia/2014/12/campanhas-eleitorais-gastaram-r-5-bilhoes-em-2014.html

(7) Cf.: https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,vaquinha-eleitoral-nao-decola-e-cai-quase-pela-metade-nas-eleicoes-de-2020,70003517747

[8) Cf.: https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Junho/eleicoes-2018-tse-divulga-montante-total-do-fundo-especial-de-financiamento-de-campanha-1

[9] Cf.: https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Junho/divulgada-nova-tabela-com-a-divisao-dos-recursos-do-fundo-eleitoral-para-2020

[10] Cf.: https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2017/Dezembro/fundo-partidario-distribuiu-mais-de-r-59-milhoes-em-duodecimos-aos-partidos-politicos-em

[11] Cf.: https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2018-05/tse-confirma-r-25-bi-de-fundo-partidario-para-financiar-campanhas


* CAIO VITOR BARBOSA




-Graduado em Direito pela UFRN em 2008;
-Advogado, foi Chefe da Assessoria Jurídica, Pregoeiro e Presidente da CPL da Secretaria de Mobilidade Urbana de Natal - RN entre 2009 e 2010;
-Fundou, em 2015, e é sócio administrador do Queiroz, Barbosa e Bezerra Advocacia;
-Exerceu a função de Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/RN, de 2016 a 2018;
-Procurador Geral do Município de Maxaranguape/RN desde 2017; e
-Professor do Advogue nas Eleições.

Nota do Editor:

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