segunda-feira, 31 de outubro de 2022

O Cãozinho


 Autor: Elismar Santos(*)

Sentado no banco de uma praça, debaixo de uma frondosa árvore, numa manhã ensolarada de segunda-feira qualquer, cheguei a esta conclusão: é numa manhã de segunda-feira que se conhece todas as pessoas. E, aqui, não falo de ricos ou pobres, de brancos ou negros, de homens ou mulheres, refiro-me aos transeuntes somente, aqueles seres quase invisíveis que passam, infinitamente, para lá e para cá, enquanto espero pela hora do almoço, que ainda tarda em chegar.

Um destes, talvez funcionário de alguma grande empresa qualquer, veio rapidamente da rua de baixo. Não disse nenhum "bom dia" aos seus colegas de rua e nem mesmo sorriu para o cãozinho serelepe que abanava o rabo enquanto enamorava um saco de ração na vitrine do "Pet shop" logo a frente. Estou certo de que ele tinha pressa e talvez já estivesse bastante atrasado; mas não era uma má pessoa, com certeza não era.

Outro, vinha à sua frente e, logo, foi ultrapassado, ficando para trás, longe, mais distante, até que se transformasse num pequeno vulto em meio àquela pequena multidão de transeuntes. Estava tão atrás que, embora eu firmasse minhas vistas, não mais consegui avistá-lo desde que cumprimentara àquele que veio à sua direita e que, por sinal, acariciara levemente a cabeça do serelepe animalzinho, que tencionou em segui-lo, mas, novamente se perdeu enamorando o saco de ração.

Mais um surgiu, agora do lado oposto. Vinha devagar, claudicante, como se o futuro lhe fosse incerto. Balançou a cabeça ao passar por mim, ainda que sem muita convicção; olhou para o cãozinho, como se o quisesse abraça-lo, mas, como se não tivesse certeza se deveria fazê-lo, seguiu seu caminho desviando daquele que surgia na esquina e passara para o outro lado da praça, talvez em busca da grande avenida.

E toda a manhã foi esta mesma ladainha, com os transeuntes indo de um lado a outro, com suas pressas, seus pensamentos e devaneios, seus sonhos e desilusões, enquanto o cachorrinho olhava a vitrine, até que o rabo se cansasse de balançar. Então ele sentou-se ao meu lado e ficamos os dois a olhar todos eles que desapareciam de um lado ou do outro da rua, sem que a vida estacionasse, sem que o tempo parasse, sem que as coisas deixassem de acontecer ao nosso redor.

Alguém saiu do pet shop trazendo uma pequena vasilha com água e um pouco de ração. O rabinho pôs-se a dançar novamente, enquanto seu dono me olhava satisfeito e o movimento ia diminuindo, diminuindo, diminuindo... até que restássemos o cachorrinho e eu. Já era a hora do almoço. Levantei-me e segui, até que desaparecesse ao longe e, ainda que forçasse os olhos, o serelepe não mais me visse.

*ELISMAR SANTOS
















-Professor de Língua Portuguesa;
Graduado em Letras pela Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes (2005);
-Poeta, Escritor e Locutor;
-Mora em São João da Lagoa, Norte de Minas Gerais; 
-Possui quatro livros publicados: Sanharó (Romance),
Mutação (Poesia), e
A Pá Lavra (Poesia e O Poeta e Suas Lavras (Poesia). 
Seus textos podem ser lidos também em www.elismarsantoss.blogspot.com

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

2 comentários: