domingo, 29 de abril de 2018

Um “Curto Circuito” no Desejo

Prometi ao leitor, em último artigo escrito nessa coluna, que iria em posteriores escritas dedicar-me a Neurose Obsessiva, essa neurose tão peculiar, delicada, lindinha, fofinha, meio que oposta a Neurose de Histeria. 

A Neurose Obsessiva é um tanto que mais silenciosa que a histeria, é uma outra forma de operar com o desejo. Freud dizia ser esta, a verdadeira neurose; chegando inclusive a afirmar que por ser tão mais sutil, delicada e sensível a quem escuta, ser esta; um dialeto da histeria. 

Tentarei me esforçar nos escritos que seguem, objetivando ser didática, clarificando aos leitores um pouquinho dessa tão linda, sutil e delicada neurose; ...mas, onde lá no fundo há um sofrimento terrível,...muitas vezes uma luta consigo mesmo, uma luta em seus próprios pensamentos. Vale ressaltar, que assim como a histeria em nada tem a ver com o gênero, como escrevi no artigo passado; A neurose obsessiva, segue o mesmo percurso, em nada tem a ver com o gênero, podendo acometer qualquer sujeito em suas vias do desejo. 

Se a histérica denuncia a falta para manter um desejo insatisfeito, na neurose obsessiva, a estratégia é a de tentar anular o desejo. É portanto uma estratégia mais radical, uma tentativa de fazer um curto circuito no desejo. A estratégia obsessiva divide-se em duas partes: em primeiro lugar, trata-se de fazer calar o desejo do outro reduzindo-o aos pedidos que o outro lhe faz. Desta forma o obsessivo pode ser muito solícito, muito gentil, atendendo da melhor maneira a tudo que lhe pedem para não deixar espaço para o desejo, que está oculto para além do que se pede explicitamente. Ou então pode ser um sujeito do “contra”, que se opõe aos pedidos dos outros, mantendo assim a ilusão de que anula o desejo. (RIBEIRO, 2006) 

Essa questão de anular o desejo em função de um Outro é bem característico do discurso obsessivo, um analisante, há mais de 20 anos casado com a mesma mulher, me diz: "eu não sou feliz com esse casamento, mas eu continuo nesse casamento, pois eu preciso fazer a minha esposa feliz. Ela é totalmente dependente de mim, portanto não posso abandoná-la. Não posso abandonar nem a ela e nem aos meus filhos. Eu sou infeliz para fazer o outro feliz". 

Dessa forma, quanto o seu próprio desejo, o obsessivo o mantém como impossível. Ele é o típico sujeito que com certeza ficará casado anos e anos com a mesma mulher, principalmente se ela for muito rica, porém, não demonstra amor ou desejo, e que só descobre que de fato amava a mulher quando ela finalmente desistiu dele. 

Para o obsessivo, o lema perfeito é: "Eu era feliz e não sabia". Há na neurose obsessiva, uma temporalidade específica marcada por um "Tarde demais!". O obsessivo é lento, protela suas atividades para fugir do desejo. Ou se precipita, é impulsivo, age impensadamente para não se responsabilizar por seus atos. (RIBEIRO, 2006) 

O obsessivo crê no pai, crê no traço identificatório tomado do pai, e portanto crê nas palavras, nos pensamentos, e é a partir dessa crença que combate o desejo. O desejo é contra a lei, incestuoso – o desejo proibido pela mãe inclui o desejo da morte do pai. O obsessivo, submisso, se identifica ao traço tomado pelo pai (identificação simbólica), mas também se identifica imaginariamente ao pai, cujo lugar quer ocupar. E é a partir daí que a culpa cobra um preço. 

A decisão é algo que o analisante tem de tomar, e nesse momento ele perceberá que não muda aquilo que está fora dele. Muda-se. É a mudança na ordem das próprias letras do seu nome. E é essa questão que o analisante precisar dar conta e se perceber no processo analítico. O mudar-se e ser capaz de inventar o seu futuro com todas as letras da sua história, sem faltar nenhuma. 

Ao final de uma análise, o analisante descobre que pode entrar e sair do mundo da ficção, ele continua tendo fantasias, mas a diferença é que agora, ele pode entrar e sair. É possível então escrever a sua própria história. 

Ribeiro (2006) nos esclarece que embora ambas sejam neurose de transferência, neuroses as quais o analista pode operar pela via do desejo, a histeria e a neurose obsessiva usam estratégias diferentes para lidar com o desejo. 

Obsessivos seriam o que só querem o que não desejam, pois assim não se arriscam a perder o que lhes é de mais precioso, mantendo-o escondido a sete chaves; e histéricas, são aquelas eternamente insatisfeitas com o que obtêm e desejam sempre outra coisa. 

Querer o que se deseja, implica o risco da aposta - toda decisão é arriscada – e a coragem de expor sua preferência, mesmo sabendo que toda carta de amor tende ao ridículo, como lembra Fernando Pessoa. (FORBES, 2008, p. 61-61) Talvez, uma aposta que se possa fazer na psicanálise; é que após um percurso de análise, quando bem sucedido, neuróticos sejam eles histéricos ou obsessivos, são capazes não só de escrever cartas de amor ridículas bem como também são capazes de vivenciar os amores, ainda que saibam...das vicissitudes e ilusões que acometem o amor e a vida! 

Referências: 

FORBES, Jorge. Você quer o que deseja? – 7.ed. – Rio de Janeiro: BestSeller, 2008; 
LACAN, Jacques. O Seminário livro 8: A Transferência (1960-1961). – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor; 1992; 
NASIO. J. – D. A Histeria: teoria clínica e psicanalítica. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1991; e
RIBEIRO, Maria Anita Carneiro. A Neurose Obsessiva. – 2.ed.- Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2006. 

POR CLARISSA LAGO














-Psicanalista; 
-Graduada em Psicologia pela Universidade Salvador (UNIFACS);
Graduada em Pedagogia - Licenciatura Plena e Habilitação em Educação Orientação Educacional & Vocacional pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL);
-Mestre em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA); e
-Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL) 
-Atualmente é Aluna Especial do PPGAC (Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas/UFBA), exerce o ofício de psicanalista e supervisora clinica em psicanálise no consultório particular.
Twitter: @LagoClarissa
Facebook: Clarissa Lago Psicanalista
Celular/ WhatsApp: 71 99990-6143
Consultório: 71 3354-9162

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

Nenhum comentário:

Postar um comentário