quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Bancos de Dados e Cadastros de Consumidores


Autora: ÂNGELA GARCIA DA SILVA(*)


"Maria fez uma compra de um eletrodoméstico, em 10 parcelas, na data de 02 de maio de 2016, na Loja Santelmo, sendo que a última parcela do seu crediário deveria ter sido paga em 02 de fevereiro de 2017. 

Não quitou todas as parcelas em dia, pagando, porém, integralmente o seu débito, com juros e correção monetária em janeiro de 2019, informando à Loja Santelmo desse fato, que lhe confirmou via e-mail que estava tudo quitado na mesma ocasião. 

Entretanto, ao tentar fazer uma nova compra a crédito em outro estabelecimento, na data de 02 maio de 2019, descobriu que seu nome está negativado pelas Lojas Santelmo, pela dívida já quitada."

O seguinte caso apresentado foi retirado de uma questão da Prova: VUNESP - 2019 - Prefeitura de Cerquilho - SP - Procurador Jurídico. Essa questão apresenta uma situação cotidiana que pode vir ocorrer com qualquer consumidor, deste modo, é de suma importância estarmos conscientes de nossos direitos.

A seguinte questão trouxe como possíveis respostas corretas, situações que abrangem a seção VI dos Bancos de Dados e Cadastros de Consumidores, referente ao Capítulo V – Das práticas comerciais:

"A) a loja agiu corretamente em manter o nome de Maria no rol dos maus pagadores, mesmo após a quitação, pois é possível deixar até cinco anos a inscrição pelo débito existente, a contar da inadimplência; 

B) mesmo sendo irregular a manutenção de tal inscrição em nome de Maria, se houver outras inscrições preexistentes a essa da Loja Santelmo, não caberá indenização por dano moral, nos termos da atual orientação do STJ sobre o tema;

C) se o débito de Maria tivesse prescrito para cobrança, ainda assim poderia a Loja Santelmo manter por cinco anos da data da inadimplência o nome da consumidora no cadastro de inadimplentes; 

D) o cadastro de inadimplentes, por ter natureza de pessoa jurídica de direito privado, só poderia ter inserido o nome de Maria no cadastro dos maus pagadores mediante aviso prévio de 10 dias; 

E) para que não fosse considerada irregular a inserção do nome de Maria no Banco de dados negativo, seria indispensável o aviso de recebimento (AR) na carta de comunicação sobre negativação de seu nome."

Deste modo, iremos analisar algumas alternativas que entendemos ser de relevância substancial na vida do consumidor.

A primeira delas traz uma atitude proibida aos lojistas, estes não podem manter o nome de qualquer cliente no rol dos maus pagadores, após a quitação de sua dívida.

Justifica essa proibição pela Súmula 548 do STJ: "Incumbe ao credor a exclusão do registro da dívida em nome do devedor no cadastro de inadimplentes no prazo de cinco dias úteis, a partir do integral e efetivo pagamento do débito."

A alternativa correta para a questão seria a alternativa B) mesmo sendo irregular a manutenção de tal inscrição em nome de Maria, se houver outras inscrições preexistentes a essa da Loja Santelmo, não caberá indenização por dano moral, nos termos da atual orientação do STJ sobre o tema.

Essa alternativa é objeto de controvérsias para a doutrina, de acordo com Tartuce e Neves (2018): 
"A lamentável Súmula 385 do STJ acaba, assim, por incentivar a prática do abuso de direito pelos fornecedores, prestadores e órgãos que mantêm os bancos de dados. (...)
Imagine-se, por exemplo, que um consumidor devia um valor legítimo, ocorrendo a inscrição do seu nome no cadastro negativo. Cinco anos após a inscrição, o seu nome não é retirado do banco de dados (manutenção indevida), ocorrendo inscrições ilegítimas posteriores. Pelo teor da súmula, não caberá a indenização moral, pois a inscrição anterior foi legítima. O que não foi legítima foi a não retirada do nome do devedor do cadastro.
Como outro exemplo, o consumidor teve uma inscrição legítima. Porém, um banco, que com o vulnerável não teve qualquer relação jurídica, realiza centenas ou milhares de inscrições ilegítimas. Pela Súmula 385 do STJ, mais uma vez, não haverá direito a qualquer reparação por parte do consumidor, o que representa um absurdo que deve ser revisto.
Sem falar, em continuidade, que a Súmula 385 entra em conflito com a Súmula 370 do mesmo STJ, segundo a qual cabe indenização por dano moral no caso de depósito antecipado de cheque pré ou pós-datado. Imagine-se que o consumidor já teve o nome inscrito por uma dívida regular, surgindo uma inscrição posterior indevida em decorrência do citado depósito antecipado. Pela Súmula 385, não caberá a indenização moral; pela Súmula 370, a resposta é positiva, em contrariedade à ementa anterior.
Em suma, por todas essas razões, pelo bem do Direito do Consumidor nacional, esperava-se que mais esse entendimento sumulado fosse cancelado ou revisto pelo Tribunal Superior responsável pelo julgamento das demandas consumeristas em última instância no Brasil." 
Súmula 385 do STJ: "Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento."

Analisando a alternativa C) que é considerada incorreta, pelo fato do débito de Maria estar prescrito para cobrança, a Loja Santelmo não poderia manter por cinco anos da data da inadimplência o nome da consumidora no cadastro de inadimplentes.

Esta vedação está amparada pelo Artigo 43, parágrafo 5º, do Código de Defesa do Consumidor: 
"Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.
§ 5° Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores."
A alternativa E) trouxe o seguinte: "para que não fosse considerada irregular a inserção do nome de Maria no Banco de dados negativo, seria indispensável o aviso de recebimento (AR) na carta de comunicação sobre negativação de seu nome."

Todavia, o AR na carta de comunicação sobre a negativação do nome de qualquer consumidor é dispensada, de acordo com a previsão jurisprudencial, temos o seguinte:

Súmula 404 do STJ: "É dispensável o aviso de recebimento (AR) na carta de comunicação ao consumidor sobre a negativação de seu nome em bancos de dados e cadastros."

Em suma, ao analisar algumas das alternativas do caso apresentado inicialmente, que pode vir a ocorrer com qualquer de nós meros consumidores hipossuficientes. É necessário estar atento não só as previsões positivadas na Lei 8.078/90, mas aos entendimentos jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça, que para alguns traz benefícios ou limitações. 

REFERÊNCIAS: 

TARTUCE, F., NEVES, D. A. A. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 7. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018; 

BRASIL. Lei 8.078/1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: 
Acesso em 17. Out. 2019.

*ÂNGELA GARCIA DA SILVA

 
-Bacharel em Direto pela Faculdade Morgana Potrich – FAMP,
-Pós Graduanda em Direito Constitucional pela Damásio (Faculdade IBMEC São Paulo)
Instagram: angelaags

Nota do Editor:

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