terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Os Indígenas no Ordenamento Brasileiro


 Autora: Karina  Medyk(*)


Os Direitos Indígenas no Brasil são reconhecidos pela Constituição Federal, em capítulo específico (Título VIII- Da ordem social, Capítulo VIII- Dos Índios), entretanto, estes enfrentam uma longa batalha para tais direitos passarem da esfera normativa para o plano fático, visto que a sociedade ainda não os reconhece como sujeitos de direitos assim como os demais integrantes da esfera social. 

Com o supracitado capítulo da Carta Magna brasileira, foram institucionalizadas diversas garantias legais visando proteger a cultura destes povos, que antes, com o Estatuto do índio de 1973, eram tratados sob um aspecto que exigia a integração de suas tribos à sociedade. Assim, com a CFRB/88, atribuiu-se à União a obrigação de proteger as terras indígenas, impondo o dever de respeitar a organização social própria das tribos, visto que possuem direito originário sobre suas terras, por ser anterior à criação do próprio Estado, levando em consideração o histórico de dominação advindo da colonização. Além disso, o artigo 232 da Constituição garante a capacidade processual dos índios. 

Apesar de existir atualmente tais garantias constitucionais aos povos indígenas, esses direitos e a cultura desse povo não são devidamente respeitados, então eles ainda sofrem para obter o verdadeiro reconhecimento, na prática, da sua autonomia como um povo detentor de uma personalidade jurídica coletiva. É o que defende Daiara Tukano, indígena do povo Tukano, artista plástica, professora e mestranda em Direitos Humanos na Universidade de Brasília, que exalta a violência decorrente da demarcação de terras indígenas, prejudicando os povos que não estão incluídos na Amazônia Legal, como os tupinambás e os pataxós, refletindo a errônea ideia de que os direitos dos indígenas só valem dentro do seu território, e não possuem eficácia e validade em todo o território nacional, como deveria ser. 

Em entrevista realizada pela jornalista Daiana Ferraz, publicada por O Globo, a indígena explica os preconceitos que ocorrem por conta dessa desigualdade e banalização dos direitos dos índios, que geram violência e grandes injustiças. Segue partes da entrevista:

"índio não existe. A ideia de índio como uma coisa só não corresponde à realidade. Somos mais de 325 povos, falamos mais de 180 línguas, espalhados por todo o território nacional. Somos civilizações à parte, com identidades, histórias e culturas únicas. Toda essa diversidade não cabe na palavra “índio”. É preciso desconstruir esse preconceito que coloca o índio como uma coisa pasteurizada. (...) Já me perguntaram se eu comia gente e porque eu estava usando tênis, celular e óculos, já que aquelas não eram coisas de índio. A sociedade pouco sabe da história dos povos indígenas, só acredita numa repetição de estereótipos. Mas os índios são pessoas que vivem na contemporaneidade, não são coisa do passado. Nossos conhecimentos e nossas tecnologias não são do passado. Somos tão humanos e capazes quanto os outros para criar, assimilar, usar e compartilhar tecnologias. Os preconceitos dão continuidade a uma série de violências, epistêmicas e físicas, que sofremos até hoje." FERRAZ, 2018.

 

Além disso, a entrevistada relaciona essa desigualdade existente no Brasil, que inferioriza alguns indivíduos da sociedade, com o processo de colonização, que ocasionou a negação da humanidade e da autonomia deste povo, restringindo direitos, gerando violência e genocídio indígena. É necessário entender e valorizar a importância que os índios têm na sociedade, cuidando do meio ambiente e assegurando a biodiversidade local, com conhecimentos riquíssimos sobre a terra e a natureza como um todo, merecendo o devido respeito e reconhecimento, para que não se extingam. Ao exterminar os índios, está se exterminando uma preciosa cultura e grande parte da proteção ambiental e da vida natural. 

O ordenamento jurídico brasileiro atual atribui previsão específica para regular a capacidade dos indígenas, conforme o artigo 4°, § único do Código Civil, estabelecida no Estatuto do índio (Lei 6.001 de 1973), em consonância com a Constituição Federal. Destaca-se também a Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabelece respeito aos direitos indígenas, no sentido de eliminar as diferenças socioeconômicas, adotar medidas que permitam o gozo dos direitos humanos, sociais e econômicos. Além disso, existe também a Declaração universal dos direitos dos povos indígenas, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU). 

Desta forma, conclui-se que, mesmo com a vigência de normas de proteção aos índios, ainda não se vê uma real eficácia destas, visto que o reconhecimento normativo da personalidade jurídica destes indivíduos, membros da sociedade assim como quaisquer outros, nem sempre é considerado como válido e relevante. A personalidade jurídica dá a possibilidade de gozar de todos os direitos constitucionalmente previstos, como à vida, à propriedade cultural e à integridade pessoal, portanto, é essencial que seja garantida e respeitada, cumprindo com a igualdade estabelecida pela Carta Magna brasileira. 

Para isso, é necessário que todos reconheçam os indígenas como membros da sociedade, merecendo igualdade de direitos, através de políticas públicas e medidas inclusivas e garantistas que protejam a cultura do povo originário do Brasil. Como lamenta a indígena Daiara Tukano, com a sucinta conclusão: "Até esses direitos serem respeitados e de o cidadão brasileiro comum vir, de fato, a respeitar e até a se orgulhar dos indígenas são, quem sabe, outros quinhentos anos." 

Palavras-chave: Indígenas, Personalidade jurídica, Direito.

(*) KARINA MEDYK


Graduada em Direto pelo Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais (CESCAGE) -2020



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