quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Premissas Básicas do Direito do Consumidor


Autora:  Cibele Kadomoto(*)

LEI 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor)

 

O Código de Defesa do Consumidor (CDC, por sua natureza, é um microssistema legislativo.

BASES CONSTITUCIONAIS:


"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; 

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: 

V - defesa do consumidor;"

O CDC é uma norma de ordem pública e interesse social  (direito indisponível e irrenunciável ).

 

CONCEITO: São normas que não toleram renúncia. Normas em relação as quais são inválidos eventuais contratos ou acordos que busquem afastar sua incidência. Desta forma, o juiz está autorizado a agir de ofício para conhecer das normas do CDC, sem que seja necessária a provocação das partes. 

PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM O DIREITO DO CONSUMIDOR

 

1) PRINCÍPIOS DA VULNERABILIDADE:  art.4º, I do CDC



Premissa 1: Todo consumidor é vulnerável, sua presunção é absoluta. 

Premissa 2: Vulnerabilidade é diferente de hipossuficiência, pois essa não se presume, há de ser provada, e aferida pelo juiz no caso concreto e, se existente, deve o juiz determinar a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, CDC). Todo consumidor é vulnerável, mas nem todo consumidor é hipossuficiente.

Art. 4º, I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

2) PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA: art.4º, caput


O dever de agir com transparência permeia o CDC. Assim, o direito à informação é uma das formas de expressão do Princípio da Transparência. 

A transparência veda, entre outras condutas, que o fornecedor/fabricante/prestador de serviço se valha de cláusulas dúbias ou contraditórias para excluir direitos do consumidor (Súmula 402 do STJ).

 

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

 

3) PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO: art. 6º, III c/c art. 8º e art. 9º
O consumidor tem direito a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, bem como de fornecer a discriminação nas faturas de serviços, quando solicitada pelo consumidor.

 

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: 

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; 

Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito. 

Art. 9° O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto. 

4) PRINCÍPIO DA SEGURANÇA: art. 6º, I c/c art.8º, art 10º, art. 12º § 1°

O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança.

 

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: 

I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; 

Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito. 

Parágrafo único. Em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as informações a que se refere este artigo, através de impressos apropriados que devam acompanhar o produto. 

Art. 10. O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança. 

Art.12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. 

§ 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: 

I - sua apresentação; 

II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; 

III - a época em que foi colocado em circulação. 


5) PRINCÍPIO DO EQUILÍBRIO NAS PRESTAÇÕES: art.4º, III c/c art.6º, V e art.55 §1º 

O não atendimento a esse princípio leva à anulação, assim como a revisão de quaisquer cláusulas nele estipulada. O Princípio do Equilíbrio material entre as prestações é um dos princípios fundamentais do direito contratual. REBUS SIC STANDIBUS (Teoria da Imprevisão). 

Aqui ocorre a relativização/mitigação do PACTA SUNT SERVANDA (O contrato faz lei entre as partes), em homenagem a um real equilíbrio material entre as prestações, considerados os princípios da boa-fé e da justiça contratual.


Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; 

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: 

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; 

Art. 55. A União, os Estados e o Distrito Federal, em caráter concorrente e nas suas respectivas áreas de atuação administrativa, baixarão normas relativas à produção, industrialização, distribuição e consumo de produtos e serviços. 

§ 1° A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios fiscalizarão e controlarão a produção, industrialização, distribuição, a publicidade de produtos e serviços e o mercado de consumo, no interesse da preservação da vida, da saúde, da segurança, da informação e do bem-estar do consumidor, baixando as normas que se fizerem necessárias. 

6) PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO INTEGRAL: art.6º, VI 

Se o consumidor sofreu algum dano, esse dano deve ser reparado de forma integral, devem ser reparados todos os danos que o consumidor foi acometido.

 

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

 

7) PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE: arts. 7º, Parágrafo único, c/c arts. 18, 25, 34

A responsabilidade pelos danos causados pelo produto ou pelo serviço é de todos na cadeia de responsabilidade, ou seja, todos aqueles que participaram para colocar o produto ou serviço no mercado de consumo.

Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade. 

Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo. 

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. 

§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: 

I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; 

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; 

III - o abatimento proporcional do preço. 

§ 2° Poderão as partes convencionar a redução ou ampliação do prazo previsto no parágrafo anterior, não podendo ser inferior a sete nem superior a cento e oitenta dias. Nos contratos de adesão, a cláusula de prazo deverá ser convencionada em separado, por meio de manifestação expressa do consumidor. 

§ 3° O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1° deste artigo sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial. 

§ 4° Tendo o consumidor optado pela alternativa do inciso I do § 1° deste artigo, e não sendo possível a substituição do bem, poderá haver substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço, sem prejuízo do disposto nos incisos II e III do § 1° deste artigo. 

§ 5° No caso de fornecimento de produtos in natura, será responsável perante o consumidor o fornecedor imediato, exceto quando identificado claramente seu produtor. 

§ 6° São impróprios ao uso e consumo: 

I - os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos; 

II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação; 

III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam. 

Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores. 

§ 1° Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores. 

§ 2° Sendo o dano causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, são responsáveis solidários seu fabricante, construtor ou importador e o que realizou a incorporação. 

Art. 34. O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos.

8) PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR: arts 47, 54, §4º e 423 CC

As cláusulas contratuais devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. Assim, as cláusulas de interpretação dúbia, mal redigidas, serão interpretadas em favor do consumidor. O mesmo se aplica quando ocorrer conflito entre as leis, devendo prevalecer aquela que melhor tutela a parte vulnerável da relação. 


Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. 

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. 

4°- As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão. 

Art. 423, CC. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.

9) PRINCÍPIO DA BOA FÉ OBJETIVA: art. 51, IV 

É dever imposto a quem quer que seja ao participar de uma relação negocial: agir com lealdade e cooperação, abstendo de condutas que possam prejudicar a outra parte.

 

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: 

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

 

10) PRINCÍPIO DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL OU SUBSTANCE PERFORMANCE


Tal princípio trata de repelir a resolução do negócio perante aquele que adimpliu o negócio de forma substancial, ou seja, se o consumidor pagou 80% das prestações, não cabe a outra parte rescindir o negócio.

11) PRINCÍPIO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM

É a violação da boa-fé objetiva, que causa espanto, surpresa na outra parte. Embora seja mais frequente por parte do fornecedor, é possível que o consumidor também o pratique.

 12) PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA: art.6º, VIII e art 83

O CDC buscou dotar o consumidor de instrumentos que permitam a ele um real exercício dos direitos que lhe foram conferidos, como princípio da facilitação de sua defesa, com a inversão do ônus da prova a seu favor.

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: 

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; 

Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela. 

Com todos esses princípios analisados, podemos verificar que estes servem para orientar a interpretação do ordenamento jurídico como também suprem eventual lacuna, dando ao CDC unidade e coerência,


* CIBELE AGUIAR KADOMOTO




 






- Advogada graduada em Direito pela Faculdade Pitágoras (Abril/2012);
- Pós graduada em Direito Público pela PUC Minas (2017);
-Conciliadora do TJMG desde 2010
-A partir de 2021 está atuando na  Advocacia preventiva: a partir de 2021.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

3 comentários:

  1. Parabéns colega, excelentes colocações! 👏👏

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  2. Excelente Dra. Cibele. Um apanhado prático para utilização rotineira na defesa do consumidor. Obrigada por compartilhar conosco seu conhecimento.

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  3. Parabéns pelo texto. Muito bem elaborado, conciso e informativo.

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