segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Antiajuda


 Autor: E. O. Magalhães (*)

Por que será que uma pessoa aceita sair da segurança do seu lar, percorrer, muitas vezes, longas distâncias, para se encontrar com outra, se não vai fazer nada daquilo que se espera que ela faça num primeiro encontro? Mas, afinal, o que as pessoas esperam de um primeiro encontro?

Essas foram as perguntas cabais que assombraram a mente conturbada de Ernest ao se olhar no espelho de sua casa, envolto numa névoa densa, na solidão acachapante de quem acabou de se decepcionar profundamente com Ayale, uma possível pretendente ao amor da sua vida. Seria o seu primeiro encontro com ela, depois de inúmeros outros fracassados encontros com diversas outras mulheres ao longo de dezenas de anos. Todas as receitas de amor ele seguiu, todas as fórmulas difundidas nos inúmeros sites de relacionamento, Ernest as aplicou; basicamente, ele seguiu todo o passo a passo contido num dos inúmeros manuais que lera para garantir que seu primeiro encontro fosse exitoso. Sorriu, quando deveria sorrir; concordou, quando era necessário concordar; inclinou a cabeça, demonstrando, dessa forma, ser inofensivo e tolerante; abaixou e levantou os olhos nos momentos apropriados, seguiu rigorosamente todas as instruções contidas nos melhores livros de linguagem corporal. E, de que adiantara? Agora, neste exato momento, ele estava ali, sozinho na sua casa, diante do seu imenso espelho de noventa centímetros de comprimento se perguntando, o que deu errado? Seriam os livros, os sites, os consultores amorosos? Algum passo que ele não executou corretamente? O que ele fizera de errado, ou o que havia de errado nele, já que não acontecera nada, nada de tudo aquilo que ele imaginou que estaria acontecendo? Não houve beijos, não houve sexo, unicamente um abraço apertado, pelo menos o abraço dela foi sincero, ela não lhe deu palmadinhas breves nas suas costas desejando se separar. Contudo, todas as outras inumeráveis promessas de um segundo encontro que Ayale prometia enquanto coçava freneticamente o próprio nariz, sem dúvidas, não se realizarão jamais. A mentira não estava contida naquelas doces e convincentes palavras que ela proferia, estava sim, estampada em sua cara. Não haverá segundo encontro, alguma coisa nele não a agradou, era evidente, ou então, Ernest falhou ao aplicar a fórmula, ou será que a fórmula é falha, independente de quem a aplique ou do modo como a aplique? Questiúnculas o atormentavam!

Ernest acordou naquele dia do encontro exatamente depois de oito horas cronometradas de sono, até gostaria de ter ficado um pouco mais deitado, porém, de acordo com os manuais da boa saúde, deve-se dormir apenas oito horas ininterruptas para que se tenha uma vida longa e feliz, resolveu então, levantar, com o pé direito, evidentemente; bebeu dois copos de duzentos mililitros de água mineral morna, para auxiliar seu organismo a funcionar da melhor maneira possível que possa existir; também pesou e mediu com o auxílio de uma balança de precisão cada pedaço de pão integral e queijo branco que colocava na sua boca, tudo em nome da boa saúde e conforme recomendam os melhores livros sobre o assunto. Neste dia, e quase todos os outros de sua vida, evitou ler notícias desagradáveis e violentas, pois, Ernest havia lido em alguma página, de algum bom livro, que não se deve ler notícias tristes ou desagradáveis, pois elas seriam contagiosas e poderiam interferir em seu estado de espírito. Evitou, dessa maneira, ligar a televisão ou acessar sites na internet, isso o deixava um pouco desinformado e sem saber de quase nada que acontecia no mundo, mas, era tudo em nome do seu bem-estar físico e psíquico. Arrumou-se naquela noite como um dândi, perfumou e se vestiu com o que tinha de melhor na indústria dos cosméticos. Havia lido, num excelente livro sobre o assunto, que a forma como você se veste revela suas reais intenções, então, tratou de escolher um traje que o fazia parecer uma pessoa séria e responsável, disposta a se comprometer com uma mulher. Namorar, noivar e casar! Ainda que aquela roupa não o tivesse deixado assim tão à vontade, Ernest a vestiu mesmo assim, os livros sabem o que dizem, eles não falham. Ayale, sua pretendente, rivalizou com ele nesses preparativos pré-encontro, embora ela não tivesse lido nenhum livro daquela centena de livros que ele havia lido.

Após o jantar, que ocorrera num restaurante escolhido por Ernest, depois de extensa pesquisa na internet para descobrir os horários e locais mais apropriados da cidade para um primeiro encontro, completado com os dados de um excelente livro sobre restaurantes que ele lera meses atrás e, confirmado pelos comentários de seus assíduos frequentadores, Ernest e Ayale voltaram ambos, cada qual para suas respectivas casas. Nada além de conversa jogada fora entre um homem e uma mulher solteiros, este o saldo daquela noite. Logo após refletir sobre mais um fracasso, Ernest resolve tomar uma atitude drástica, mas que já havia frequentado as profundezas de seus pensamentos por alguns instantes outrora. Tocar fogo em todos os seus livros! Queimaria todos aqueles malditos livros que falam sobre relacionamentos e sobre como se deve viver a vida! Não servem, não funcionam! Tudo que ele aplicou, ele queimou, por que o mesmo que ele esperava dos livros, ele esperou dela, delas e, assim como ele precisava eliminar Ayale da sua mente, precisava, na verdade, era eliminar aqueles compêndios de falsas promessas e receitas de felicidade introjetados em sua alma. Fez uma fogueira purgatória no fundo de sua casa, primeiro os livros, as páginas brancas e amarelas ardiam numa espécie de arché heraclitiano, no fogo inquisitório que ele mesmo inicia. Depois de consumido o papel, ele se dá conta de que o fogo passara a consumir também o seu corpo, as chamas queimavam sua carne na medida que cada página se dissolvia nas brasas. Ernest queimou a si mesmo junto com os livros que formavam tudo que ele era e sempre foi, não passava de uma cópia malsucedida daquelas páginas auspiciosas, não poderia eliminar os livros sem se eliminar também, pois, era tudo, livros e pessoa, uma só coisa, absolutamente, nada de valoroso. No fim do fogo, só restaram cinzas, cinzas humanas e livrescas, ambas espalharam-se à chegada da primeira brisa mais forte que soprou naquele fatídico primeiro encontro, neste livro da vida real, a fênix não ressurgirá.

*ELVIS OLIVEIRA MAGALHÃES

















-Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC (2007);
-Graduando em Filosofia pela Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC ;
- Autor dos livros:
  - O Colegial - Romance e
  - Macho Machista -
Ambos disponíveis na Amazon e-book. 

Nota do Editor:

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