quinta-feira, 29 de março de 2018

Parentesco Civil e Socioafetividade

Casar-se com alguém que já tenha filhos, na maioria das vezes, representa casar-se também com a prole do ser amado, estendendo às crianças o afeto e carinho destinados aos próprios filhos e assumindo-lhes um papel de pai ou mãe perante o convívio social. 

Este arranjo familiar, no qual convivem cônjuges e enteados em uma relação de verdadeiro amor e cuidado tem recebido o nome de paternidade socioafetiva. 

O padrasto ou a madrasta cuidam, educam e colaboram com o sustento dos enteados, atendendo a todas as suas necessidades emocionais e físicas e representando verdadeiramente sua família. 

A criança, inserida nesta relação, passa igualmente a nutrir os sentimentos inerentes à filiação pela figura que lhe proporciona este cuidado e depender deste adulto para o atendimento de suas necessidades.

Então, o casal se desfaz. O núcleo familiar desmorona e tudo aquilo que o infante tinha construído para si como conceito de afeição passa a ser questionado em razão da ausência daquele objeto que aprendera a amar como filho. 

Até pouco tempo, a justiça era incapaz de promover a solução deste tipo de conflito em benefício da criança, já que a posse do estado de filho era outorgada exclusivamente aos pais biológicos.

Com o reconhecimento da teoria do apego, tornou-se possível reconhecer a relação de parentesco civil entre os ex-padrastos e ex-madrastas e os enteados. 

Para o IBDFAM[1], a família não é apenas um dado natural, genético ou biológico, mas também social e cultural e, por essa razão, é possível a possibilidade jurídica do reconhecimento da existência de dois direitos distintos: de um lado, o direito ao reconhecimento da ascendência genética, e de outro, a efetiva relação de parentesco: 
"O sentido contemporâneo de família abarca tanto relacionamentos parentais lastreados em vínculos afetivos quanto em vínculos biológicos" 
Pelo novo perfil da família, delineado pela atual jurisprudência, “pais” não são aqueles que cederam o material procriativo e sim aqueles que criaram, educaram e dispensaram afeto e carinho, procurando conferir um ambiente perfeito e responsável para que a criança possa desenvolver suas qualidades, viver em harmonia e atingir a plena realização. 

É o demonstrativo mais sincero de que o afeto fala mais alto do que qualquer prova sanguínea. 

Todo tipo de relacionamento, em qualquer idade, na realidade, se traduz no apego. A convivência de vários anos com canais comunicantes faz com que as pessoas vivam muito próximas, criando vários espaços de sintonia afetiva. 

Esta constatação possibilita que os Tribunais possam proferir sentenças que efetivamente atendam ao melhor interesse dos menores, possibilitando-lhes a visitação pelos pais e mães socioafetivos; a percepção de alimentos para a colaboração com o seu sustento e até mesmo a adoção do sobrenome da família dos padrastos e madrastas. 

O Enunciado 256 da III Jornada de Direito Civil disciplina, inclusive, a filiação socioafetiva como modalidade de parentesco civil, nos seguintes termos: "A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil."

É importante mencionar que o vínculo socioafetivo não se dá apenas pela convivência, mas, sim, pelo fato de enteado e padrasto/madrasta enxergarem-se como filho e pai/mãe. 

Ainda, para a percepção de pensão alimentícia ofertada pelo ex-padrasto/madrasta, o enteado deve comprovar a dependência econômica que enseje a manutenção do liame de solidariedade entre os familiares. 

Maria Berenice Dias sustenta que: 

"Filiação socioafetiva assenta-se no reconhecimento da posse de estado de filho: a crença da condição de filho fundada em laços de afeto. A posse de estado é a expressão mais exuberante do parentesco psicológico, da filiação afetiva." 
Portanto, o elo afetivo constituído na convivência entre padrasto/madrasta e enteado poderá perpetuar-se na forma de parentesco civil, após a dissolução da união entre o genitor biológico e o pai afetivo, para atender-se às necessidades do menor, de convívio, afeto, cuidado e educação; reconhecendo-se a socioafetividade. 

É o Judiciário reconhecendo a necessidade de que o menor crie laços de afeto durante sua formação humana e que estes laços perdurem.

REFERÊNCIA

[1] Instituto Brasileiro de Direito de Família, em petição encaminhada ao STF para julgamento do RE 898060.

POR GABRIELLE SUAREZ











-Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Varginha/MG;
 -Atua como Advogada na seara do Direito de Família em São Caetano do Sul/SP; e 
Membra associada do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família) e comentarista e articulista jurídica.
E-mail: 
gabrielleasuarez@adv.oabsp.org.br


Nota do Editor:
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Um comentário:

  1. Caríssima, pai é quem cria, já diz um ditado antigo, penso que esse termo padrasto e madrasta soe pejorativo; criei um menino desde os sete meses e até hoje ele com vinte e cinco anos me chama de pai, me trata e me apresenta como pai, mesmo o pai biológico dele morar a trezentos metros da casa dele.

    Digo ainda que hoje, está muito perigoso colocar na vida socioafetiva de nossos filhos uma pessoa sem antes termos a certeza absoluta do carinho e do respeito necessário, vide caso Nardoni e do Menino Guilherme; quem se separa e tem filhos tem que ter responsabilidade nessa nova movimentação familiar.

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