terça-feira, 6 de junho de 2023

O Direito de Precedência


 Autora: Rosana Carvalho de Andrade (*)

Ainda que honrada pela condução de mãos e mentes jurídicas de extrema capacidade e expertise, formada em 1.983, no Largo de São Francisco, sai do mundo acadêmico com as mesmas regras de conduta que trago nas memórias afetivas de meu saudoso pai.
           
Esse pai, que foi um médico e um ser humano de tamanho gigantismo, foi quem lapidou "meu caráter jurídico" desde cedo e de sempre.

Sim, acabou sendo um médico quem me ensinou a primeira das regras jurídicas mais importantes, que pautou meus estudos com os grandes e verdadeiros Mestres do Direito, assim que fui aprovada para estudar Direito nas Arcadas, e que também foi a base de meus 40 anos de profissão.

Naquele momento, eu ainda não sabia que meu "destino jurídico" seria dentro da Propriedade Intelectual, mas entendi nas palavras desse ser humano ímpar, a maneira correta de fazer da minha atuação jurídica a verdadeira busca do Direito.

Meu pai me disse: "Filha, não sei qual ramo do Direito você vai trilhar a partir de hoje. Mas, seja qual for a sua escolha e vocação, nunca se esqueça de apenas tratar os seus clientes, como você gostaria de ser tratada, e de defender as causas desses clientes, como se fossem as suas causas. Assim, mesmo que você, eventualmente, erre... certamente errará menos, e saberá como continuar buscando o êxito pretendido."

Foi assim que exerci minha profissão ao longo de tantos anos: buscando para os meus clientes/causas, apenas o que eu faria por mim!

O resto, a vida se encarregaram de conduzir, e colocou em minha carreira profissional, como primeira "prova" de que aprendi nas Arcadas como proteger "minhas causas jurídicas", uma ação que discutia a INVENTIVIDADE HUMANA... a CRIATIVIDADE.... OS DIREITOS INTELECTUAIS... que apenas corporificavam os meus aprendizados de berço e jurídicos.

Foi um compromisso avassalador com a proteção dos direitos intelectuais dos meus Clientes, que definiram minha escolha de atuação profissional.

Comecei a atuar ainda na vigência da Lei n.º 5.772, de 21/12/1.971, quando ainda não se falava em DIREITO DE PRECEDÊNCIA DE USO DE UMA MARCA, quando ainda os limites de concessão de um registro, e de sua respectiva exclusividade no território nacional, ainda se dava pela efetiva formalização de um pedido de registro de marca, junto ao INPI – INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL.

Isso significava dizer que, formalmente, só tinha direito ao uso exclusivo de uma marca, aquela pessoa física e/ou jurídica que, efetivamente primeiro registrasse a sua marca, perante o INPI, independentemente, a princípio, da comprovação de veracidade de ser, aquele depositante, o verdadeiro criador primígeno daquela expressão retirada do uso comum, através do registro da marca.

Assim, ainda na vigência da Lei n.º 5.772/71, já atuando com preponderância nessa expertise do Direito, acompanhei de perto algumas empresas estrangeiras, legítimas titulares de suas marcas em outros Países, que foram obrigadas a "se render", em muitas situações, a verdadeiros usurpadores de seus legítimos direitos marcários, pelo simples fato de terem levado a registro, em mercado brasileiro, marcas de legítima e anterior titularidade alheias.

Ou seja, o registro da marca era atributivo, sendo condição a sua formalização do registro, junto ao INPI, para conferir a propriedade exclusiva e a respectiva proteção ao titular indicado no registro.

Vários são os exemplos de marcas internacionais que mesmo tendo um uso anterior e precedente, no mercado mundial, foram registradas de forma desavisada por empresas que em nada participavam dessa criação, dentro do território brasileiro.

Eu mesma, com muita honra atendendo como advogada e consultora um Professor Universitário renomado, no Brasil e no Exterior, Autor de vários livros e criador de várias Marcas que passaram a identificar conceitos de grande relevância dentro do MARKETING mundial, sofreu essa verdadeira agressão intelectual, quando um aluno seu, do Curso de Pós Graduação no qual lecionava, registrou, como se sua fosse, uma Marca que identificava toda carreira e especialidade do Professor em comento, com pouca antecedência ao pedido de registro de marca que protocolamos, perante o INPI, para o verdadeiro titular da referida marca.

E mesmo na vigência da Lei n.º 5.772/71, quando ainda não se vislumbrava a justa e correta aplicação do Direito de Preferência, com muito orgulho carrego uma reforma da decisão de indeferimento da marca do Professor titular da mesma, que reconheceu o Direito de Precedência da Marca do Professor, contra o consequente arquivamento da Marca do Aluno, que "colheria frutos onde não plantou".

Acho que, sim, tratei essa defesa, como se minha fosse comprovando, uma vez mais, que o Direito deve prevalecer antes e acima de tudo e todos. E que meu saudoso pai, repito, devia conhecer essa "máxima jurídica" por motivos éticos e morais!

Acompanhei com orgulho profissional, que assim se manteve o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), e agora sob a égide da Lei n.º 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial), executa, no âmbito nacional, as normas que regulam a Propriedade Industrial, tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica.

Em outras palavras, o Direito de Precedência será sempre resguardado àquele que verdadeira criou a Marca, e mantém sua utilização ininterrupta e de boa-fé (cf. Art. 129, da LPI), mesmo que exista eventual registro concedido a um terceiro.

Ou seja, o Direito de Precedência ao registro de marca consiste na possibilidade de quem utilizava uma marca - por pelo menos 06 (seis) meses antes do pedido de registro formalizado por outrem, junto ao INPI, possa obter o reconhecimento do direito ao registro da marca, desde que haja efetiva comprovação desse uso/criação precedentes.

E que o Direito de Preferência, assim, foi devidamente pacificado como um dos meios pelo qual o verdadeiro titular e criador de uma marca, ainda que não registrada, junto ao INPI, possa impedir que um terceiro desavisado a registre primeiro, em detrimento de sua verdadeira criação e titularidade anteriores.

Não se trata, apenas, de garantir a verdadeira titularidade da Marca, mas que todas as funções a que destinam essa proteção estejam legitimadas em prol da verdadeira aplicação da Justiça!

Em outras palavras, o Direito de Precedência garante que uma MARCA seja devolvida ao seu titular e criador, recolocando a criação, junto com seu verdadeiro criador.

É a verdadeira oportunidade de "um filho voltar a casa" onde nasceu, se criou e onde devem ser mantidas as suas verdadeiras e legítimas raízes!

* ROSANA CARVALHO DE ANDRADE

















-Advogada graduada em Direito pela Universidade de São Paulo/USP (1983);

-Advogada com 40 anos de experiência na profissão; Consultora em Propriedade Intelectual (Marcas, Patentes, Desenhos Industriais, Direitos Autorais, Licenciamento, Concorrência Desleal e Parasitária), Franquia, Defesa Concorrencial, Direito Aduaneiro, Direito Ambiental e Direito Eleitoral;

-Consultora da ABRAL e membro da Comissão de Propriedade Intelectual da OAB/SP Subseção Guarujá;

-Professora e Palestrante convidada em várias Universidades e Eventos relativos ao tema da Propriedade Intelectual.

Nota do Editor:

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