terça-feira, 31 de outubro de 2023

A reforma da Reforma


 Autor: Robson Amador(*)

Onde não há um bom governo, o povo arruína-se. Onde há muitos conselheiros, ali haverá salvação” (Provérbios de Salomão, 11:14).

 

31 de outubro. Aumento exponencial da violência em toda a sociedade. Profundos contrastes socioeconômicos e uma crescente do sentimento nacionalista. Generalização do sentimento de insatisfação em relação ao "poder".


O ano é 1517. O contexto acima descrito é o cenário que impulsionou Martinho Lutero afixar à porta da igreja de Wittenberg as suas Noventa e Cinco Teses, maneira usual de convidar uma comunidade acadêmica para debater algum assunto. Uma das maiores motivações da "reforma de Lutero" estava relacionado a um aspecto socioeconômico devido a venda das indulgências (o perdão das penas temporais do pecado) pela Igreja. Mesmo sob severa resistência papal, os efeitos da reforma de Lutero ecoaram por toda Europa e surtem efeitos até os dias atuais. Lutero e outros reformadores, a que destacamos João Calvino (1538), não estavam buscando inovar, mas restaurar antigas verdades colhidas das Sagradas Escrituras que haviam sido esquecidas ou obscurecidas pelo tempo e pelas tradições humanas, relacionadas à salvação e à vida cristã, mas que repercutiram inclusive no desenvolvimento social e econômico de várias nações.


Aliás, o teólogo João Calvino trouxe para a sociedade de sua época, através de seus pensamentos e ideias, novos rumos para o cidadão e seu exercício da cidadania, constituindo um modelo-exemplo, deixado na cidade de Genebra, como: político-administrativo, educacional e assistencial. Sua atuação foi tão especial que muitos outros habitantes de outras regiões da Europa vieram até Genebra a fim de aprender seu modelo, além de levarem para as suas terras padrões que justificam até os dias atuais o desenvolvimento e manutenção do "status quo" dos valores que norteiam países, principalmente as nações anglo-saxônicas.


31 de outubro de 2023. Aumento exponencial da violência no mundo, revelada pelas guerras entre Rússia e Ucrânia, Israel e o grupo terrorista Hamas. No cenário brasileiro, inúmeros episódios de violência se acumulam nos noticiários, decretando inclusive a única justificativa de existência de um "Estado", que nas lições de Frédéric Bastiat[1], para apenas garantir a segurança dos indivíduos. Nem isso o Estado tem realizado com eficiência essa sua função de existência e organização.


Assim como os atores que promoveram para a reforma protestante, urge no cenário atual um movimento nacionalista representando a sensação de poder que nasce dos indivíduos para cima, e não do Estado para baixo.


O foco é a necessidade de uma reforma do Estado e seu pacto federativo em preeminência ao já desgastado texto da PC 45/2009 que emenda o texto constitucional a um novo sistema tributário.


Enquanto o Governo Brasileiro propõe ao indivíduo um novo sistema tributário – de cima para baixo - cabe ao cidadão apontar para o governo – de baixo para cima - a necessidade de se repensar o pacto federativo e toda a sua dilatada estrutura financeira que sufoca o orçamento público e, por conseguinte, refletindo um aumento da arrecadação tributária e o estrangulamento da capacidade financeira do indivíduo.


A Constituinte em 1988 adotou o Federalismo como a forma de organização estatal, justificada principalmente pela existência de heterogeneidades que são visualizadas no território brasileiro.


Algumas justificativas do Federalismo residem na grande extensão e diversidade da sua base territorial, a coexistência de múltiplos grupos étnicos ou linguísticos, as desigualdades regionais de caráter cultural, político ou socioeconômico, as diferenças ou rivalidades no processo de formação das elites e das sociedades locais.


Ocorre que o apelo do populismo dos governos nas últimas décadas avocando à tesouraria nacional as pautas sociais e o emparelhado desenfreado na máquina pública administrativa, inclusive o sobressalto da criação das unidades federativas – os Municípios -, além de desvirtuar a gênese que motivou a consolidação do federalismo fiscal, tornou o país refém do aumento da carga tributária.


Fernando Facury Scaff leciona[2] que "essa atividade financeira é elemento essencial do Estado. Não há como se conceber um Estado, mesmo em suas formas pré-modernas, sem ela".


Ou seja, para atender todo o chamado "Estado Social" que o qual proclama amplo rol de direitos sociais e de sua estrutura estatal, a Constituição Federal de 1988 recepcionou os conceitos de subsistência financeira advindas do magistério de Aliomar Balleiro e principalmente das diretrizes e estrutura de captação de quantia em favor do Estado nos termos da Lei n. 4320/1964. Em brevíssima síntese, para não desviar o foco do presente artigo, o conceito que empresta o direito financeiro ao chamado Federalismo Fiscal varia na ideia de alocar receitas e despesas públicas entre os entes políticos.

Devemos "reformar a reforma" implementada às Finanças Públicas com o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC n. 101/2000), em que apenas é permitida a contenção de gastos frente as receitas auferidas. Precisamos mais do que isso. É urgente a necessidade de, a título de ilustração, diminuir o número de municípios, promovendo a fusão das estruturas políticas com munícipios que poderão promover a indispensável autonomia financeira. Exemplificando, a PEC nº 188/2019, que propõe a reforma do pacto federativo, porém travada a sua tramitação por um Congresso Nacional que comparada à Igreja do século XVI, está mais preocupado com a arrecadação de "novas indulgências".


Portanto, a visão atemporal da necessidade da reforma do Estado e toda a sua estrutura financeira com ênfase na diminuição do gasto público permite-nos concluir ser um delírio do atual governo em promover primeiramente a reforma tributária como a "tábua de salvação" no cenário brasileiro.


A esperança e, sobretudo, expectativas de que tenhamos "novos Luteros, Calvinos..." que, com ousadia e autoridade técnica, estimulem mobilizar a sociedade, quer por meio de produções como este modesto texto, ou por meio de medidas legislativas efetivas, visando proteger a liberdade de cada indivíduo frente aos abusos do Estado.


De Wittenberg à Brasília, São Paulo, e a cada Estados e Municípios pelo Brasil, sigamos sempre reformando.


REFERÊNCIAS

[1] BASTIAT, Frédéric. A LEI. 1850.

[2] SCAFF, Fernando Facury. Orçamento republicano e liberdade igual: ensaio sobre direito financeiro, república e direitos fundamentais no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 41


*ROBSON DOS SANTOS AMADOR




 

 

 

 

 

 






-Advogado graduado pela Universidade BNrás Cubas (2000);

- Pós graduado no LLM- Master of Law em Direito Tributário pelo INSPER – SP (2010;

-Mestrando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Buenos Aires – Argentina;

- Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET (2002); e 

-Professor em diversos cursos de graduação e pós graduação em Direito e Administração de Empresas.  

Nota do Editor:

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