terça-feira, 1 de outubro de 2024

A responsabilidade civil no uso do cartão de crédito


 

Autora: Stella Sydow Cerny (*)

Com a crescente utilização dos meios virtuais em compras, em havendo a perda/roubo do cartão ou mesmo a fraude na utilização do cartão, indaga-se: a quem caberia a responsabilidade por eventuais compras?

Durante muito tempo os tribunias inferiores adotaram o entendimento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça a qual impunha às administradoras, e comerciantes a responsabilidade pela verificação da idoneidade dos portadores dos cartões nas compras efetuadas.

Nessa linha de raciocínio, o comerciante deveria solicitar os documentos de identificação civil do portador do cartão e somente após essa checagem, efetuar a venda, vez que naquela época os cartões não tinham chip, quiçá, poderiam ser usados mediante aproximação, sem qualquer uso de senha.

O entendimento adotado era no seguinte sentido:

“CIVIL E CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. CARTÃO DE CRÉDITO. EXTRAVIO.

1. A melhor exegese dos arts. 14 e 18 do CDC indica que todos aqueles que participam da introdução do produto ou serviço no mercado devem responder solidariamente por eventual defeito ou vício, isto é, imputa-se a toda a cadeia de fornecimento a responsabilidade pela garantia de qualidade e adequação.

2. No sistema do CDC, fica a critério do consumidor a escolha dos fornecedores solidários que irão integrar o polo passivo da ação. Poderá exercitar sua pretensão contra todos ou apenas contra alguns desses fornecedores, conforme sua comodidade e/ou conveniência.

3. São nulas as cláusulas contratuais que impõem exclusivamente ao consumidor a responsabilidade por compras realizadas com cartão de crédito furtado ou roubado, até o momento da comunicação do furto à administradora. Precedentes.

4. Cabe às administradoras, em parceria com o restante da cadeia de fornecedores do serviço (proprietárias das bandeiras, adquirentes e estabelecimentos comerciais), a verificação da idoneidade das compras realizadas com cartões magnéticos, utilizando-se de meios que dificultem ou impossibilitem fraudes e transações realizadas por estranhos em nome de seus clientes, independentemente de qualquer ato do consumidor, tenha ou não ocorrido roubo ou furto. Precedentes.

5. Recurso especial provido. (STJ, 3ª Turma, Resp 1.058.221/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 04/10/2011).

Porém, com os avanços tecnológicos, a emissão de cartões com chip, e vendas por aproximação, sem a necessidade de inserção de senha, surgiram novas situações as quais mostraram que o entendimento acima deveria ser revisto.

Não haveria mais a checagem do cartão, apresentação de documento de identificação do portador, sendo inexigivel ao comerciante tais checagens em vendas presenciais e por e-commerce.

Eventuais irregularidades de uso deveriam ser imediatamente comunicadas pelos reais titulares dos cartões junto às administradoras.

O aumento vertiginoso em clonagens, fraudes no uso do cartão de crédito, e mesmo contestação de compras, deveria ser comunicada pelo real titular do cartão, sendo que as administradoras e bancos dispõe de todos os meios para evitar fraudes e usos indevidos.

Atualmente o entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no seguinte sentido:

“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR USO FRAUDULENTO DE CARTÃO DE CRÉDITO. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE DO LOJISTA PELAS COMPRAS FEITAS EM SEU ESTABELECIMENTO COM CARTÃO EXTRAVIADO, FURTADO OU FRAUDADO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL CONFIGURADO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO LOJISTA.

1. Não há como imputar responsabilidade à empresa ou à loja em que foi utilizado cartão de crédito extraviado, furtado ou fraudado para a realização de compras, especialmente se houve uso regular de senha ou, então, em compras efetuadas pela internet, se houve a digitação de todos os dados necessários para a operação.

2. Se os cartões de crédito estão livres de restrição, ou seja, desbloqueados e sem impedimentos de ordem financeira, não há como entender que, pelo simples fato de terem aceitado o cartão como meio de pagamento, lojistas estariam vinculados à fraude na sua utilização. Não se alega tenha sido o lojista quem comandou a inscrição do nome da vítima no cadastro de inadimplentes e nem que tenha lhe dirigido cobranças.

3. Não sendo o caso de cartão emitido parceria entre o estabelecimento comercial e o banco administrador, e nem havendo provas de que o lojista esteja envolvido na fraude, não tem ele legitimidade para responder por ação em que se discute o uso irregular de cartões de crédito com emprego de senha pessoal.

4. Recurso especial provido. (STJ, 4ª Turma, Resp 2.095.413/SC, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, julgado em 24/10/2023).

Logo, não haveria como imputar a responsabilidade ao comerciante, a não ser que efetivamente tenha participado de qualquer fraude em conluio com o adquirente das mercadorias.

Nenhum comentário:

Postar um comentário