segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Criminalidade e as tecnologias da informação


 Autora: Renata Joyce Theodoro(*)

Para uma adequada compreensão e estudo do tema em questão, devemos, em primeiro lugar, reconhecer que atualmente habitamos em uma sociedade diferente daquela que originou os fundamentos doutrinários do Direito Penal. Nossos dias são marcados por experiências cotidianas em uma chamada sociedade de risco. Assim, precisamos analisar a dogmática penal dentro deste contexto contemporâneo.

A ideia de sociedade de risco é apresentada por Ulrich Beck [1] a partir de uma abordagem sociocultural, definindo-a como o "período da modernidade em que começam a se materializar as ameaças geradas durante a era da sociedade industrial, o que traz a necessidade de repensar os critérios de controle formal e responsabilidades, uma vez que essas ameaças não são apenas imperceptíveis aos sentidos, mas também não podem ser identificadas pela ciência".

Nesse cenário, aparecem novas maneiras de ataque aos bens jurídicos, com ferramentas que se desenvolvem com rapidez impressionante, tornando a tradicional e lenta resposta do Estado por
meio da legislação ineficaz. A velocidade das novas formas de ataque, combinada com a burocracia e a morosidade do processo legislativo, resulta em textos normativos inadequados e ultrapassados frente aos meios lesivos utilizados no contexto criminal.

É pertinente recordar que o conceito de bem jurídico foi inicialmente abordado por Feuerbach, que, por volta de um século antes de Birnbaum, apresentou uma visão individualista fundamentada na lesão de direitos subjetivos como o núcleo do delito. Essa construção passou pelo positivismo de Karl Binding, pela perspectiva naturalístico-sociológica, que desafia o poder estatal, de Franz Von Liszt, até chegarmos aos dias atuais, com um retorno ao individualismo na linha de Albin Eser, embora ainda careça de um conceito suficientemente sólido para definir os limites da legitimidade penal.

Atualmente, Claus Roxin [2] descreve os bens jurídicos como "circunstâncias determinadas ou objetivos úteis para o indivíduo e seu desenvolvimento livre, dentro de um sistema social global que se estrutura com base nessa concepção de finalidades ou para o funcionamento do próprio sistema", adotando uma perspectiva funcionalista sistêmica.

Dessa forma, o bem jurídico pode ser visto essencialmente como o referencial crítico pelo qual avaliamos a legitimidade da função do direito penal em situações concretas, realizando uma leitura "aberta" dos valores à luz das características específicas da situação fática.

Seguindo essa perspectiva, há autores que enxergam que o bem jurídico resguardado nas descrições penais relacionadas a crimes cibernéticos – ou, como preferimos nos referir, crimes cometidos através das novas tecnologias – possui uma natureza difusa, por se tratar de um novo bem jurídico: a segurança da informação. Por outro lado, há aqueles que argumentam que o bem jurídico a ser protegido é individual, pois os crimes digitais impactariam bens jurídicos que já são protegidos pelo nosso sistema jurídico, como honra, privacidade, patrimônio, entre outros.

O Professor Vicente Greco Filho já afirmava, com sua maneira singular que combina inteligência e clareza: "não importa se o meio utilizado é a informática, a internet ou uma 'peixeira', os bens jurídicos permanecem os mesmos, já amparados pelo Direito Penal". Este é um modo de entender a situação.

Além disso, surgem argumentos robustos que começam a se afirmar ao repisar que a “segurança da informação”, que diz respeito à integridade, disponibilidade e sigilo das informações no espaço cibernético, constituiria um novo bem jurídico que merece proteção penal, inserido na categoria de bens jurídicos que são supraindividuais.

É sabido que a adoção de teorias penais contemporâneas, como a imputação objetiva, crimes de perigo abstrato, ou a noção de bens jurídicos intermediários espiritualizados (onde os bens jurídicos transindividuais atuariam como "escudos" para a proteção dos bens individuais), em combinação com a teoria dos delitos cumulativos, entre outras, tem proporcionado ferramentas para lidar com a problemática da supraindividualidade dos bens jurídicos denominados de terceira geração – como a ordem econômica, o meio ambiente e a informática.

Entretanto, existe uma terceira vertente, de caráter híbrido, que defende a ideia de que a maioria dos crimes cometidos através das novas tecnologias impacta bens jurídicos já protegidos pela legislação penal, enquanto algumas ações pontuais infringiriam novos bens jurídicos que ainda não possuem tutela, afetando grupos de indivíduos ou até mesmo toda a sociedade.

É esperado que esse debate deveria ter início antes de discutir se existem ou não novos bens jurídicos a serem protegidos na era da informação e do risco. É fundamental compreender como o conceito de bem jurídico, que foi construído e aprimorado até os dias atuais, está sendo aplicado – ou distorcido – em um contexto no qual os interesses públicos, o bem comum e a vontade de grupos maioritários têm sufocado – para não dizer eliminado – a ideia fundamental de bem jurídico centrada no indivíduo, como defendido por Hassemer e Albin Eser [3] (considerando as devidas particularidades e diferenças entre eles).


Certamente, o cerne do debate exige grande atenção e empenho dos pesquisadores, que acreditamos nunca devem dissociar das discussões a noção de que, para que o bem jurídico desempenhe seu papel restritivo frente ao poder punitivo do Estado na sociedade da informação, é imprescindível que sua formulação tenha uma abordagem institucional e individual. Assim, além da lesão coletiva a um bem jurídico, deve-se incluir na definição de delito a ofensa individual aos
interesses da vítima impactada. Isto se deve ao fato de que, mesmo os bens jurídicos que transcendem o indivíduo, para serem considerados legítimos, devem se fundamentar em uma
perspectiva pessoal, voltada para o desenvolvimento individual dos cidadãos, funcionando como catalisadores do princípio da autonomia, que é intrínseco à noção de dignidade humana.


REFERÊNCIAS

[1] BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento.
São Paulo: Editora 34, 2010;

[2] ROXIN, Claus. Funcionalismo e Imputação Objetiva no Direito Penal. Trad. Luís Greco. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002 e

[3]ESER, Albin. Sobre la exaltación del bien jurídico a costa de la víctima. Trad.: Manuel Cancio Meliá. Universidad Externado de Colombia. Centro de Investigaciones de Derecho Penal y Filosofia del Derecho. 1998.

*RENATA JOYCE THEODORO

















-Advogada graduada em Direito pela Unicsul (2006);

 -Contabilista graduada pela Fecap (2016)

-Mestrado em Ciências Contábeis pela Fecap (2014); 

-Pós-graduada em Direito Tributário pela EPD (2018);

-Consultora tributária há 19 anos na área consultiva tributária de impostos diretos e

-Instrutora de cursos na área tributária.

Nota do Editor:

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