quarta-feira, 2 de outubro de 2019

O Uso de Banheiro Público por Transexuais


Autora: Mônica Gusmão(*)

Este artigo tem por objetivo tratar de um tema altamente polêmico: o uso de banheiros por transexuais, na condição de consumidores, primários ou bystanters) em estabelecimentos públicos. Para tanto, impõe-se uma breve introdução. 

A transexualidade refere-se à condição do indivíduo em que a identidade de gênero difere daquela designada no nascimento. Uma pessoa transexual pode procurar fazer a transição social para outro gênero, através da forma como se apresenta ou de intervenções no corpo (com ou sem ajuda de equipe médica) através de redesignação sexual ou feminilização/masculinização. 

A França, onde a transexualidade deixou de ser considerada como transtorno mental em 2010, foi o primeiro país a tomar esta decisão. Em 2018, a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a transexualidade da lista de transtornos mentais, porém, continua na Classificação Estatística Internacional de Doenças (CID), mas em uma nova categoria, denominada "saúde sexual"[1]

A identidade de gênero diz respeito tão somente a identificação do indivíduo com seu corpo material, homem ou mulher, conforme o padrão binário existente na sociedade. 

O transexual é mais do que um ser humano que não se identifica com o gênero que lhe foi designado no nascimento, se vendo com outro gênero, independentemente de opção sexual. 

Pode, na maioria das vezes, fingir que tudo é fruto de sua imaginação, o que lhe acarretará uma prisão eterna, que ninguém pagará o preço de seu resgate pelo auto sabotagem; poderá enfrentar a realidade com pagando um preço mais alto com sua imposição perante a sociedade, buscando, por exemplo uma terapia de reposição hormonal, com o devido acompanhamento médico/psicológico, bem como a cirurgia de redesignação. 

Infelizmente terá que enfrentar uma sociedade, em que pessoas, com seus discursos hipócritas, afirmam-se livres de preconceitos, mas não toleram um filho transexual. Em resumo: os transexuais são minorias marginalizadas e estigmatizadas pela sociedade. É importante frisar que não há necessidade de judicialização da pretensão para mudança de nome e gênero no registro civil. 

É chegada a hora de enfrentarmos a discussão do tema proposto. 

A questão gira em torno da aplicação das regras do Código de Defesa do Consumidor, no que diz respeito à utilização de banheiros públicos por transexuais em estabelecimentos comerciais. 

De acordo com a Folha de São Paulo[2]


"Um dos casos mais populares sobre banheiros unissex aconteceu em 2008 no centro acadêmico de uma das maiores universidade da Grã-Bretanha. A Universidade de Manchester mudou as placas dos banheiros femininos para apenas "banheiros" e dos banheiros masculinos para "banheiros com mictório", atendendo a pedidos de estudantes transexuais. A medida que atendeu a uma parcela de alunos da instituição gerou duras críticas por parte de outros alunos, principalmente as mulheres que disseram não se sentir à vontade ao frequentar o mesmo banheiro que homens, afinal, a entrada no banheiro feminino foi liberada para qualquer pessoa e não apenas para os que se assumem como transexuais". 

O tema é extremamente delicado pois o uso de banheiros femininos ou masculinos por transexuais pode gerar intolerância feminina/masculina. No mundo contemporâneo em que vivemos esse tipo de comportamento, independentemente de questões de cunho sociais, religiosas entre outras, viola vários princípios basilares da Constituição Federal: o da igualdade, em que todos os indivíduos têm que ter o mesmo tratamento, o da liberdade de ir e vir, o da dignidade da pessoa humana, etc. 

Fica a indagação: cabe a imposição ao fornecedor do serviço aos consumidores transexuais a instalação de um banheiro unissex para minorar o dilema? 

A Constituição Federal, no art. 5º. preconiza que: " Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos seguintes termos: (...) XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor (...). "

A tutela do consumidor, hipossuficiente na relação consumerista é notória. Segundo o Ilustre Prof. Sérgio Cavalieri, "O dispositivo constitucional prescreve uma ordem clara e direta ao Estado, sendo que promover a defesa do consumidor não é uma mera faculdade, mas sim um dever, “mais do que uma obrigação, é um imperativo constitucional. E se é um dever do Estado, por outro lado é uma garantia fundamental do consumidor[3]."

Como se não bastasse, o art. 4º do Código de Defesa do Consumidor é claro ao prever que ao consumidor se aplicam os princípios da igualdade e dignidade da pessoa humana. Expor o consumidor a qualquer situação vexatória, enseja o direito à reparação dos danos sofridos, como autoriza o Código de Defesa do Consumidor, no art. 6º, VI, que dispõe, "são direitos básicos do consumidor: a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos". 

Sobre o tema: 
TRANSEXUAL. PROIBIÇÃO DE USO DE BANHEIRO FEMININO EM SHOPPING CENTER. ALEGADA VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A DIREITOS DA PERSONALIDADE. PRESENÇA DE REPERCUSSÃO GERAL. 1. O recurso busca discutir o enquadramento jurídico de fatos incontroversos: afastamento da Súmula 279/STF. Precedentes. 2. Constitui questão constitucional saber se uma pessoa pode ou não ser tratada socialmente como se pertencesse a sexo diverso do qual se identifica e se apresenta publicamente, pois a identidade sexual está diretamente ligada à dignidade da pessoa humana e a direitos da personalidade 3. Repercussão geral configurada, por envolver discussão sobre o alcance de direitos fundamentais de minorias uma das missões precípuas das Cortes Constitucionais contemporâneas , bem como por não se tratar de caso isolado ( Supremo Tribunal Federal STF - REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO : RG RE 0057248-27.2013.8.24.0000 SC - SANTA CATARINA 0057248-27.2013.8.24.0000) 
No dizer do Ministro Barroso[4]: " Cabe (...) fazer a ponderação entre o direito de uso de banheiro feminino de acesso ao público por parte de transexual feminina e o direito de privacidade das mulheres (cisgênero). Note-se que o suposto constrangimento às demais mulheres seria limitado, tendo em vista que as situações mais íntimas ocorrem em cabines privativas, de acesso reservado a uma única pessoa. De todo modo, a mera presença de transexual feminina em áreas comuns de banheiro feminino, ainda que gere algum desconforto, não é comparável àquele suportado pela transexual em um banheiro masculino. Pedindo licença às pessoas por citar os seus nomes e condição, imagine-se o grau de desconforto que sentiriam, por exemplo, Roberta Close ou Rogéria se fossem obrigadas a utilizar um banheiro masculino". 

Entendo que o problema tem que ser solucionado tanto na vida social como na particular, como por exemplo, nos locais de trabalho, públicos..., e a judicialização evitada. Como proposta sugiro a existência de banheiros femininos e masculinos de acordo com exigência legal e a existência de banheiros unissex. É uma forma de minorar o sofrimento e constrangimento do consumidor transexual, evitando que exponha sua vida íntima em processos eletrônicos em que computadores são alimentados por pessoas que não tem a noção da dor de quem reclama a dor, por essa dor não sair nos jornais. 

REFERÊNCIAS



[3][3] CAVALIERI FILHO, 2011, p. 11) 

[4] RE 845.779

 (*)MÔNICA  GUSMÃO

-Bacharel em Direito pela Universidade Cândido Mendes (1993);
-Pós Graduada  pela Universidade Cândido Mendes(1995);
-Professora de Direito em diversas instituições;
-Membro da Comissão de Juristas de Língua Portuguesa e
- Autora de vários livros e articulista.


Nota do Editor:

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